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Cultura

Cacau, coronéis e cangaceiros em uma mesma publicação que marca a chegada da nova literatura do Sul da Bahia

“Os Clavinoteiros de Belmonte - Uma história dos cangaceiros do cacau”, vai às livrarias pelas mãos de jovens editores, marcando a chegada da nova literatura do Sul da Bahia

Os Clavinoteiros de Belmonte (Foto: Divulgação)
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Por Lourival Jacome* - Primeiro evento do gênero na região este ano, o escritor, historicista e jornalista Roberto R. Martins, lançou no último dia 1º de março em Belmonte, distante 576 quilômetros de Salvador, seu novo livro impresso, um romance histórico ambientado na região Sul da Bahia, tendo como enredo a atuação dos utilizadores da clavina como ferramenta de trabalho dentro da cultura do cacau, reunindo jagunços, coronéis, ex-escravos e indígenas, personagens com cadeira cativa na memória afetiva de milhares de brasileiros. “OS CLAVINOTEIROS DE BELMONTE - Uma história dos cangaceiros do cacau”, vai às livrarias pelas mãos de jovens editores, marcando a chegada da nova literatura do Sul da Bahia.

Em pré-lançamento na primeira semana deste mês, o livro foi bem recebido nos meios culturais. Além do encantamento do enredo em si, este título de Roberto R. Martins encerra um imenso conjunto de informações, seja do próprio conteúdo, de conhecido perfil literário, muitas vezes testado e apreciado pelo universo literário do país, ou do próprio escritor e sua nova editora.

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O conceito literatura nova é principalmente em razão de ela ser produzida com instrumentos e cenários inexistentes em outras épocas. Também por conta das exigências de diferentes públicos, ante as perspectivas trazidas pela diversidade de tecnologias e a infinidade de informações e acessórios disponíveis e pesquisáveis na atualidade, considerando ainda as inúmeras transições nos campos social, político e econômico que agora impactam as publicações.

O autor rompeu as etapas de publicação sem os impedimentos, entraves mercadológicos e surpresas de outras épocas. Diferente de experiências anteriores, desde o início conceituou que o livro é antes de tudo um produto. Neste sentido, ao mesmo tempo em que escrevia, Martins superava o tradicional, transpondo barreiras burocráticas e financeiras com ajudas que não existiam antes das novas tecnologias de edição. O resultado é um texto responsável e contemporâneo, capaz de induzir o leitor a um mergulho na história, onde estão os fatos relatados em prosa fluída sem medo, sem censura ou autocensura. Para Roberto R. Martins o leitor pode usufruir disso tudo sem se deslincar da atualidade.

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O impulso para escrever o livro publicado pela Editora Mondrongo tem ligação direta com a intimidade e vivência do autor com a região Sul da Bahia, da qual conhece história e realidade de oitiva e de vida. Entretanto, o maior estímulo para elaboração da narrativa em torno dos clavinoteiros de Belmonte é quase uma ordem do passado, oriunda do principal expoente da literatura nacional. Em seu conto a “A canção de piratas”, ainda por volta de 1894, Machado de Assis determina:

“...Sim, meus amigos. Os dois mil homens do Conselheiro, que vão de vila em vila, assim como os clavinoteiros de Belmonte, que se metem pelo sertão, comendo o que arrebatam, acampando em vez de morar, levando moças naturalmente, moças cativas, chorosas e belas, são os piratas dos poetas de 1830. Poetas de 1894, aí tendes matéria nova e fecunda. Recordai vossos pais; cantai, como Hugo, a canção dos piratas...”

Sob essa perspectiva não seria exagero afirmar que estamos diante de estimulante presente para quem aprecia a literatura da região do cacau, outrora reverenciada pelo conteúdo específico e diferenciado, disseminador de impulsos positivos diversos em favor da cultura nacional. Provavelmente a intenção do autor era pura e simplesmente a de levar o conteúdo da melhor forma possível ao seu leitor em potencial. Contudo, pelo seu perfil da publicação, com sua cuidadosa e moderna escrita, que carrega ainda respeito implícito à inteligência do leitor, o livro chega com cacife para ocupar, juntamente com outras publicações, um vácuo existente na cultura do Sul da Bahia após alguns anos de desestímulo e de ostracismo, haja vista a reedição de títulos inspirados na cultura regional por emissoras de TV.

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Em certa medida, a partir da contribuição de obras como esta, a literatura brasileira continuará a construir as pontes enriquecedoras do vocabulário e da interpretação da realidade, juntamente com as experiências que efetivamente formam o povo, muito embora existam pedras gigantes no meio do caminho.

Clavinoteiros, jagunços, cangaceiros de Belmonte, no Sul da Bahia

Objeto de poder dos coronéis do cacau, que a utilizavam através das ações dos seus jagunços alugados, a clavina ocupa um lugar decisivo na história dos “Clavinoteiros de Belmonte”, assim como o fuzil, a pistola 9mm e o cassetete reinam no cangaço oficial da atualidade. A clavina era um tipo de espingarda de cano curto, da época, parecida com a escopeta, a qual facilitava o uso pelo atirador, especialmente quando ele estava montado e a galope em seu cavalo. O texto é narrado em primeira pessoa, exercício que às vezes é alterado circunstancialmente para levar o leitor ao reconhecimento do mundo real daquela época que ainda é identificável na atualidade. Mesmo com a clavina em mãos de terceiros, os coronéis fizeram o diabo no interior da Bahia, com o apoio implícitos dos governantes de plantão. De lambuja, o texto dá uma boa sacudida naqueles de todas as faixas etárias e classes sociais, alimentados compulsoriamente com mensagens telegráficas cards de conteúdos discutíveis.

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A narrativa de Roberto R. Martins começa a partir da ação de um certo professor Tavares, um contador de causos da região de Porto Seguro. A história, com seus paradoxos, ganha curso em sete capítulos de textos super dinâmicos, em estilo direto e popular, em prosa levíssima, contaminada positivamente pelo cenário do Sul da Bahia, com suas tradições e herança genética do ambiente do chamado ouro negro, como já era conhecido o cacau pelos coronéis e agentes de mercado e de bolsas de commodities. Por sua vez, a crítica social e política inclusa surge enfática em alguns pontos. Em uma para o todo, vem à tona a impressão, ainda superficial, de que o autor sabia onde a saga tinha início, mas não tinha a menor ideia de onde ela se encerraria e se seria de agrado do leitor.

No desenrolar, os clavinoteiros liderados por Argemiro, a serviço do malvado coronel Zé Capião, irmão do advogado Cesar Meneghetti, ambos filhos do coronel Juvenal Meneghetti, um dos primeiros exploradores a chegar a esta região, são personagens centrais da história que atravessa gerações, em tempos de disputas que envolvem, além dos próprios jagunços, cangaceiros, clavinoteiros, os ex escravos, índios botocudos, retirantes, e subliminarmente a classe política da Bahia, à qual os coronéis eram alinhados e mandantes contumazes. Neste ponto outra vez se evidencia a crítica social e política do autor, ao traduzir aspectos de um tempo onde os direitos eram propriedade dos coronéis, que reinavam absolutos, definindo as relações sociais da época ao impor e usufruir de regras que avançavam sobre direitos gerais individuais e específicos direitos da personalidade, a exemplo do direito à primeira noite com a noiva, (jus primae noctis) ato a que fazia jus o machista coronel, simplesmente por ser coronel, dono das propriedades, dono das instituições, dono das leis, praticamente dono das pessoas a seu serviço.

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Em 342 páginas, o livro discute mais ou menos uns 100 anos de práticas coronelistas, evidenciando que todos os coronéis da época eram escravagistas, com a vigência de regime quase feudal, que impunha às populações rurais da região Sul da Bahia realidades proibidas pelo processo civilizatório pós-revolução industrial. Na primeira parte o autor apresenta os personagens e seus poderes. Na segunda, os costumes e ações dos coronéis. Em seguida, sem incorrermos em spoiler, o autor nos leva a conhecer os conflitos rotineiros que fortaleciam cada vez mais os coronéis.

Quando o personagem Argemiro se rebela contra a realidade que ele próprio e suas famílias viviam, rompendo com o coronel que herdou o poder por ser filho de Juvenal Meneghetti, é que a realidade passa a extrapolar o razoável, revelando as malfazejas ações daqueles donos de terras, plantadores de cacau. No momento em que Argemiro, após ruptura com seu chefe, se torna líder de bando, é que ele passa a entender melhor as covardias dos coronéis a quem servira, as maldades das tocaias, os caxixes, as medidas drásticas contra os humildes trabalhadores, evidentes ainda a regra do armazém da fazenda, o tronco e a chibata usados contra os trabalhadores, os quais não tinham direito de possuírem qualquer tipo de propriedade, a exemplo da própria casa e alguma terra para plantar e chamar de sua.

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O AUTOR

Roberto R. Martins, escritor, historicista, jornalista, é natural de Ipiaú, Bahia, tendo nascido na década de 1940, período que antecedeu à ditadura militar, a qual lançou o Brasil em intermináveis transições, levando o autor a despertar desde cedo a sua veia política. Atualmente Martins reside em Eunápolis, onde se dedica aos seus negócios imobiliários, à escrita e às vezes à política. Na década de 1970, antes de se fixar no Sul da Bahia, foi opositor do regime militar, sendo preso por suas posições políticas. Naquele período escreveu o livro “Liberdade para os Brasileiros – anistia ontem e hoje” em 1978. O livro “Clavinoteiros de Belmonte, uma história dos cangaceiros do cacau”, lançado em 1º de março, junta-se a outros títulos, a exemplo de “O Usurário”, 1997; e “O prefeito”, 2018; e “Porto Seguro: história de uma esquecida capitania”, também em 2018.

Título: “CLAVINOTEIROS DE BELMONTE - Uma história dos cangaceiros do cacau” - 2023

Autor: Roberto R. Martins

Editora: Mondrongo

Número de Páginas: 342

*Lourival Jacome é jornalista, copywriter, publicitário

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