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Cultura

Chinelo misterioso é encontrado no Museu do Ipiranga e divide opiniões nas redes

"Qual deve ser o destino dessa peça? O chinelo deve ir para o lixo ou para a reserva técnica?", questionam os responsáveis pela obra do museu

Chinelo encontrado durante a reforma do Museu Paulista (Foto: Reprodução/Cristian Acuña)
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247 - O objeto é feito de borracha, e seus contornos carcomidos lembram o pé esquerdo de um ser humano. Da espuma que forma a base, saltam tiras resistentes, adornadas em relevo com pequenos traços geométricos. Um dia, elas estiveram dispostas mais ou menos como a letra V do alfabeto ocidental. Hoje, encontram-se partidas. Nas laterais e na forquilha, o artefato apresenta uma mesma coloração incerta, algo entre o azul e o verde-escuro. Ele tem uma face amarela e outra cinzenta. Antes do desgaste, do desbotamento e da exposição contínua à sujeira, suas cores talvez fossem diferentes.  Os especialistas garantem: estamos diante de um chinelo de dedo. A reportagem é do portal BBC Brasil.

O modelo remete às Havaianas, fabricadas desde 1962 pela Alpargatas. Para o design da mercadoria, a empresa buscou inspiração nas antigas zōri, sandálias que acompanham os quimonos e outras vestimentas tradicionais japonesas. Os primeiros anúncios publicitários, veiculados já naquele ano, prometiam "beleza, conforto e resistência" para famílias de classe média, reunidas à beira de piscinas ou em frente a televisores modernos.

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E foi assim, com o chinelo remendado, que ele se dirigiu ao Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), popularmente conhecido como Museu do Ipiranga, devido à sua localização no bairro homônimo da zona sul. Não vinha a passeio: era um operário, e efetuaria alguns reparos nas acomodações internas da instituição. Ao término do expediente, voltou para casa descalço.

Seu chinelo, porém, acaba de ser localizado. Estava no pavimento D, entre as vigas do torreão central - uma espécie de passagem improvisada pelo forro do edifício, atualmente em reforma. Ninguém sabe ao certo quanto tempo permaneceu ali.

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Memórias enterradas

Desde o início das obras, há três anos, cerca de 1.250 artefatos foram encontrados no museu e seus arredores. Quase sempre, os objetos surgem debaixo da terra, enquanto árvores e pisos são removidos para a instalação de encanamentos ou fiações elétricas. O chinelo foi uma exceção, tal como as garrafas, o cálice e o cachimbo descobertos num vão entre dois andares.

"Até onde sabemos, esses contrapisos nunca haviam sido retirados", afirma Renato Kipnis, diretor da Scientia Consultoria Científica, empresa responsável pelo monitoramento arqueológico das obras. "São artefatos que remontam à construção do museu, no final do século 19. Naquela época, acho que os chinelos de borracha ainda não eram produzidos, né?"

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Kipnis obedece a uma série de normas legais. O decreto-lei nº 25, promulgado por Getúlio Vargas em 1937, lança definições sobre o patrimônio histórico brasileiro e estabelece critérios para seu tombamento. Já o artigo 225 da Constituição Federal, de 1988, exige que obras potencialmente causadoras de "significativa degradação do meio ambiente" tenham seus impactos avaliados em estudos prévios.

Mais recentemente, a instrução normativa nº 1, publicada em 2015 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), regulamentou a atuação de arqueólogos em áreas de licenciamento ambiental.

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Projetos maiores, como a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, onde Kipnis e sua equipe trabalharam por dez anos, são executados somente após a emissão dos diagnósticos. No Museu Paulista, estudos e obras ocorrem de forma simultânea. Construções urbanas, segundo o arqueólogo, dificultam e encarecem a realização de pesquisas prévias.

"Nosso cotidiano é este", explica à BBC News Brasil. "Chegar pela manhã, ficar até o final da tarde e acompanhar a abertura dos pisos. Do asfalto, do concreto e da terra podem sair bens culturais. Quando isso acontece, a obra é paralisada, e a gente toma as devidas providências".

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Geralmente, o material é submetido a análises e incorporado ao acervo de alguma entidade — no caso, o próprio Museu Paulista. Todo o processo é marcado por indagações.

"Até mesmo os funcionários da reforma se questionam sobre a real necessidade desse trabalho", afirma Kipnis. Ele cita as perguntas mais comuns diante de objetos como o resgatado no pavimento D: "Por que estamos fazendo isso? Por que temos que coletar todas essas coisas?"

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O museu decidiu transformar a dúvida em postagem de rede social. Numa quarta-feira, 13 de abril, publicou duas fotos do artefato emborrachado, acrescidas de um texto que se encerrava nos seguintes termos: "Qual deve ser o destino dessa peça? O chinelo deve ir para o lixo ou para a reserva técnica? Se a decisão fosse sua, o que você faria?". Em troca, recebeu centenas de comentários no Facebook e no Instagram.

"A repercussão tem sido curiosa e engraçada", relata Kipnis. "Dá para bolar um curso na universidade e passar o semestre inteiro discutindo o que as pessoas escrevem."

Um seguidor alegou: "Havaianas consertadas com prego é parte da cultura brasileira. Tem que ir para a reserva técnica". Outro defendeu: "Certeza que merece uma exposição. Existe riqueza narrativa nesses objetos de uso cotidiano". Alguém opinou: "O chinelo é um registro histórico, revela que a construção tem sangue da classe trabalhadora". E também havia quem brincasse: "Exponham ao lado de um vira-lata caramelo".

Mas, pouco a pouco, as respostas se tornavam hostis.

"Estão forçando uma importância ridícula onde não há."

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