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Cultura

“É heroico doar a vida por uma causa”

A frase é da cineasta Isa Grispum Ferraz e refere-se ao seu tio, o guerrilheiro Carlos Marighella; Isa acaba de lançar um documentário sobre ele, uma das figuras mais polêmicas da história nacional; ela falou com o 247 sobre o filme

“É heroico doar a vida por uma causa” (Foto: Edição/247)
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Aline Oliveira _247- Quando era criança, Isa tinha uma dúvida. Queria saber qual era o segredo do tio Carlos, aquele homem carinhoso que aparecia e desaparecia de sua casa e nunca lhe dizia onde morava. 

Anos mais tarde, já adulta, a cineasta Isa Grispum Ferraz tinha uma obsessão. Desvendar a contradição que existia entre a pessoa amorosa que conhecia e Carlos Marighella (1911-1969), o guerrilheiro considerado o inimigo número 1 do Estado durante a ditadura militar no Brasil. Hoje, a cineasta tem as respostas. E as colocou no documentário Marighella, que entra em cartaz nesta sexta-feira, 10 de agosto, nos cinemas. 

Para remontar a história de seu tio, Isa debruçou-se sobre o material que existe a respeito de Marighella durante três anos e contou com a ajuda do jornalista Mário Magalhães, que estuda profundamente a vida do guerrilheiro há sete anos e lançará um livro sobre ele no final de 2012. 

O filme traz o lado afetivo de Marighella, seus poemas (narrados pelo ator Lázaro Ramos), as lembranças de Isa sobre o tio, os depoimentos de amigos, da viúva Clara Charf e do filho do primeiro casamento, Carlos Augusto Marighella Filho. Há, também, um rap impactante, escrito por Mano Brown. 

É traçado o percurso desde o nascimento de Marighella (filho de imigrante italiano com uma negra, filha de escravos), retratando os quarenta anos de sua luta política, que começou em 1932 - na Bahia, estado onde nasceu -, até a fase que a maioria dos brasileiros conhece: o período em que Marighella rompeu com o Partido Comunista, foi a Cuba participar da Organização Latino-Americana de Solidariedade- OLAS e de volta ao Brasil criou a ALN (Ação Libertadora Nacional), partindo para a luta armada. 

A maioria dos depoentes que aparecem no documentário é desse período. No entanto, apesar de a trajetória de Marighella ser contextualizada com os acontecimentos históricos nacionais e mundiais não se trata de um filme jornalístico. Isa Grispum Ferraz só ouve um lado e o Marighella que ela nos traz é aquele herói nacional, como o sociólogo e professor Antonio Candido definiu. 

 

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Leia a entrevista que Isa Grispum Ferraz concedeu ao 247  

247 - Por que a opção de ouvir só um lado?
Isa Grispum Ferraz - O outro lado falou esse tempo todo, seja com as prisões, com as torturas e com o assassinato. Esse estigma de homem do mal que ficou de Marighella foi criado pelo outro lado. Minha curiosidade era investigar mais o personagem e fazer um retrato do personagem. Eu não precisava do outro lado. Mas não é um filme objetivo, jornalístico e nem tenta ser imparcial, até porque não existe nada imparcial. Mas eu assumo isso desde o primeiro momento do filme, estou jogando aberto e sendo sincera com quem está vendo. 

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247- Você sempre quis desvendar quem era seu tio?
Isa Grispum Ferraz - Eu queria entender mesmo, sempre quis. Era tão contraditório aquilo que eu conhecia dele dentro de casa com o que foi dito durante décadas, que ele era um assassino, um terrorista, que matava famílias... Os cartazes diziam isso.Ter um tio assassinado para uma criança é muito difícil. Mas por muito tempo a gente não tinha como saber mais coisa. A censura ainda durou muito tempo e as pessoas ainda tinham medo de falar. Ninguém queria falar, mas de um tempo pra cá as coisas estão mudando muito. Toda a mudança política no Brasil e a abertura de arquivos facilitaram muito o trabalho. 

247- Qual Marighella você quer mostrar aos jovens que já nasceram em um País democrático e não têm idéia do que possa ter sido a ditadura militar no Brasil?
Isa Grispum Ferraz - Quando quis fazer esse filme, eu não queria falar para as pessoas que já conheciam Marighella. Eu queria falar para as pessoas que não conheciam, falar pra os jovens mesmo. Por isso quis contar a vida dele toda, porque todo mundo conhece só os três anos finais da vida de Marighella. Só que a vida dele política nasceu em 1932 e foi intensamente vivida até a morte. Além disso, o filme conversa o tempo dele com a história do Brasil. Então, ao contar a história da vida dele, de certa forma você está falando do Século XX no Brasil e até no mundo, porque tem toda a influência da União Soviética, de Cuba etc. Então tinha essa ambição de que os jovens o conhecessem. 

247- Antonio Candido considera Marighella o herói brasileiro. E é assim que ele aparece no filme. Você acha que essa ideia de herói vai ser transmitida para esses jovens?
Isa Grispum Ferraz - Acho que já está passando. É importante falar para os jovens porque é uma geração que não entende o que era doar a vida para uma causa, uma idéia de Brasil. As pessoas estão muito focadas em seu próprio umbigo. E é bom saber que houve gente que pensava no País e que lutava por alguma coisa, e você pode não concordar com os métodos. O que estou querendo retratar é que houve uma geração que largou tudo para mudar o País. É nesse sentido que é heroico, porque ele doou a vida dele. Ele sabia que ele iria morrer. Era óbvio que aquilo não podia dar certo. 

247- Você acha que o filme traz luz para discussão na Comissão da Verdade?
Isa Grispum Ferraz - Eu acho que tudo o que se falar com sinceridade sobre esse período e que ainda não tinha sido falado contribui com a Comissão da Verdade, que demorou e que é mais do que necessária. A ferida deve ser reaberta para ver o que aconteceu. Não pode ficar como se nada tivesse acontecido. 

247- Após a instauração da Comissão da Verdade, discute-se se há necessidade ou não de investigar os crimes cometidos pelos guerrilheiros da luta armada. O que você acha disso?
Isa Grispum Ferraz - Essas pessoas que fizeram justiçamentos e cometeram os excessos injustificados já foram muito punidas. A maioria foi assassinada, ou ficou presa muito tempo, sendo torturada. Então acho que já está de bom tamanho. Acho que agora o foco não é esse. Para você ter uma ideia, a Anistia foi em 1979 e alguns entrevistados meus ficaram presos até 1982. Quase todos os personagens do filme usam dentadura, porque quando entravam na prisão eles tinham os dentes quebrados. 

247- Por que escolheu Os Racionais para fazer a música?
Isa Grispum Ferraz - Eu queria um rapper e meu filho sugeriu o Mano Brown. E foi uma generosidade incrível do Brown ter topado participar. Ele estudou o assunto e viu o filme várias vezes, porque não conhecia o personagem. Mas ele conseguiu chegar numa síntese boa e forte. 

247- O que está achando da repercussão do clipe da banda?
Isa Grispum Ferraz - Sensacional. Fui a dois shows dos Racionais em que o Brown canta o Marighella e é de arrepiar ver aquelas pessoas gritando o nome do Marighella. Eu não tinha dimensão da potência da música do Brown não só na periferia, mas para os jovens no geral. E ele virou um Marighellista radical (risos). Ele se apaixonou pela figura e agora só fala nisso.

 

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