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Cultura

“Eu me descobri preto no Brasil”, diz o artista angolano Isidro Sanene

Em entrevista à TV 247, o artista plástico angolano abordou sociologicamente a questão racial de forma corajosa: “quando estava em Angola, identidade racial era uma fantasia e eu sentia que tinha de ser branco para ser aceito na sociedade”. Assista

Isidro Sanene (Foto: Reprodução)
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Por Victor Castanho - O artista plástico, escritor e professor Isidro Sanene pontuou, na série Áfricas da TV 247, as contradições raciais de um mundo pós-colonial e demonstrou que Angola é invenção do colonizador. “O ‘A’ em Angola é um acréscimo dos portugueses, um prefixo que indica negação. O nome verdadeiro do país é Ngola, palavra que remete à ideia de reinos soberanos. Quando o colonizador chegou e encontrou esses vastos reinos resolveu negá-los e adicionou o ‘A’ em Ngola, tornando o país sem reinos”, disse.  

Os frutos da violência do colonizador, porém, transcendem a exegese de palavras e nomes e se traduz em violências raciais. “Em Angola, eu via irmãos e primos que usavam um creme para clarear a pele, para parecer igual branco. As pessoas buscavam se esbranquecer”, disse. “Em Angola, ser preto era uma fantasia. Eu tinha que ser branco, na aparência, no falar, em tudo. A realidade parecia requerer o embranquecimento para ser aceito na sociedade. Mas essa é uma mentalidade que os portugueses incutiram na sociedade”, acrescentou. O artista descobriu sua negritude apenas quando veio ao Brasil e passou por amplo processo reflexivo que pode ser encontrado em seus escritos e pinturas. 

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A fala de Isidro sugere que embora o colonialismo como sistema político em Ngola tenha acabado formalmente com as ações da Luta Armada de Libertação Nacional, tomadas entre 1961 e 1974, a descolonização da mentalidade do país ainda engatinha. A presença do colonizador e o embranquecimento forçado traduzem-se nos tipos de literatura que chegam ao mainstream e alcançam o resto do mundo. 

“Se nós olharmos a lusofonia como um todo, vemos que a maioria dos países lusófonos está no continente africano, onde a maior parte da população é preta. Mas o que vamos encontrar olhando os autores e autoras africanos mais difundidos? Vamos ver vozes brancas. Se olharmos, por exemplo, aqui no Brasil, sempre as pessoas dizem conhecer Mia Couto, Pepetela, Agualusa… São grandes escritores, não me leve a mal, mas não compõem de fato uma literatura africana preta”, explicou o professor indicado ao prêmio Jabuti por seu conto Maria Madalena, O Mito Africano. “Essa literatura embranquecida e portuguesa, querendo ou não, reproduz o discurso do colonizador que se perpetua nos dias de hoje", acrescentou.

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Diante disso, o autor de A Escravidão no Tempo de Liberdade afirma: “Ainda não vi uma literatura angolana. O que eu vejo é uma literatura portuguesa. Não consigo olhar e dizer que Angola produz uma literatura de fato angolana. Vejo sendo produzida uma arte ainda sob a ótica do ocidente; vejo a imanência do ocidentalismo. É uma literatura africana sob o binóculo”.

Em contrapartida, o também artista plástico com obras espalhadas por diversos países posicionou-se dentro do movimento a que chamou de literatura periférica. 

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“Essa literatura incorpora a ideia de sair do discurso dominante e o questionar. Ficar à margem com um olhar crítico. Por que escritores africanos devem escrever segundo parâmetros e concepções ideológicas do colonizador português? Por que seria errado escrever em umbundu?”, explica. “A literatura periférica vem para romper e desenvolver uma nova identidade linguística e cultural. Pegue a língua portuguesa de Angola, por exemplo. Não é como a brasileira que adquiriu sua identidade. Nosso português ainda é uma língua de Portugal apenas com sotaque diferente. Por causa disso, como autor angolano, vejo-me responsável por construir a nova identidade de Ngola na minha literatura”, disse.

Isidro ainda revelou que as ideias apresentadas por ele serão aprofundadas em um novo livro. “Comecei a escrever um livro sobre a descolonização mental e a formação de Ngola, pois, após a entrevista, percebi a dificuldade de serem acessados textos sobre essa problemática que discutimos”, contou com exclusividade. “Essa ideia do prefixo de negação, negando reinos, foi defendida pela primeira vez em um jornal antigo de um antropólogo e jornalista de Angola, mas a guardei comigo até que, como estudante de Letras, aprofundei-me sobre o assunto e descobri tudo que implica”, disse.

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