A tímida cultura exportadora brasileira
Se a cultura exportadora do Brasil é pra lá de tímida, significa que o legado dos consórcios e dos projetos setoriais não foi suficiente para uma ampla inclusão internacional das firmas brasileiras?
Em 2003 tive a felicidade de escrever um artigo intitulado: "Um Choque de Brasilidade" que, modéstia à parte, "bombou" nos periódicos de economia e até hoje pode ser acessado pela internet. Naquela altura, o país experimentava um novo ciclo político com o revezamento de poder que consolidou nossa jovem democracia. Era a intenção deste modesto consultor refletir o antes e o depois do surgimento de uma Agência Governamental chamada APEX Brasil. Discorri sobre o gigantesco esforço governamental capitaneado pela ex-ministra Dorothéa Werneck, e sua enxuta equipe técnica no encorajamento das empresas brasileiras rumo aos mercados internacionais. Atualmente Dorothea é a Secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais e Hélio Mauro, então diretor, é o Superintendente Executivo da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres.
Desde abril de 1998, quando foi criada no âmbito do Sebrae, a Agência passou a estruturar suas ações de promoção comercial atreladas às feiras internacionais antes coordenadas pelo Ministério das Relações Exteriores. A participação nas feiras provocou "choques de mercado" nas empresas brasileiras pouco habituadas à exposição de seus produtos lá fora. O sacerdócio exportador, como chamava a ministra, exigia ir aos chãos de fábrica e "laçar" cada empresário, prepará-los e garantir o engajamento necessário aos projetos setoriais integrados. Além das feiras, outras modalidades de promoção como missões empresariais, projeto comprador, projeto imagem etc foram estruturados para facilitar a visibilidade internacional de nossos produtos e serviços.
Considerando o caráter continental de nosso país e a mínima experiência exportadora de até então, buscou-se inspiração no modelo italiano de consórcios de exportação como forma de se atingir os diversos setores produtivos espalhados na imensa capilaridade dos estados e municípios. Assim foi possível criar consórcios de pequenas e médias empresas em inúmeras cidades do país. O cuidado em treiná-los para o comércio exterior, fomentar suas ações pré-exportadoras como a busca de certificação de qualidade, melhoria do design, aperfeiçoamento tecnológico, elaboração de material promocional, treinamento em melhores práticas de gestão e negociação etc resultaram em uma considerável capilaridade de projetos com "DNA" regional, ou seja, empresas complementares e concorrentes de uma mesma localidade aprenderam a superar as desconfianças e rivalidades e passaram a somar esforços na conquista de mercados externos. Sou testemunha de que conseguiram. Em parceria com o Tecsoft, agente Softex de Brasília, tive o privilégio de viver a grandiosa experiência de formar um destes consórcios intitulado: BRAINS – Brazilian Intelligence in Software que literalmente ganhou o mundo comercializando nossas competências tecnológicas em automação bancária, governança eletrônica, sistemas de telecomunicações etc nos Estados Unidos, América do Sul, Europa e Oriente Médio.
A APEX precisou adaptar o modelo italiano de consórcios para a realidade brasileira, uma vez que lá as pequenas empresas já nascem globais. O mercado interno é restrito e, para ser viável, a escala de produção precisa ser absorvida pelo mercado externo, especialmente nos vizinhos. Já no Brasil, o mercado interno sempre foi tão grande que de longe é o maior competidor de nosso foco exportador. Estamos há muito acomodados com a facilidade de expansão nacional em detrimento da visão estratégica de sermos competitivos globalmente até para aprender a defender melhor o próprio quintal em tempos de avalanche de produtos estrangeiros, fusões e aquisições por parte do capital externo. Neste ano que se esperava uma queda brusca nos investimentos externos diretos, já somamos mais de US$ 60 bilhões com chances de superarmos os US$ 66,7 bilhões do ano passado. Estes números representam bem mais que o dobro de nossos investimentos na compra de ativos no exterior por parte das empresas brasileiras, sinal que na queda de braços da competitividade avançamos muito pouco em nossa internacionalização, sobretudo em nossa cultura exportadora.
Se a cultura exportadora do Brasil é pra lá de tímida, significa que o legado dos consórcios e dos projetos setoriais não foi suficiente para uma ampla inclusão internacional das firmas brasileiras? Há uma possível explicação. Ocorre que, na era Lula, a APEX decidiu pela exclusão do apoio aos consórcios de exportação exigindo que as empresas migrassem para os projetos setoriais capitaneados especialmente por Associações Nacionais da Indústria. Esta mudança permitiu que a Agência reduzisse o número de interlocutores e centralizasse melhor a gestão dos projetos. Contudo, a capilaridade e representatividade regional deste nosso continente chamado Brasil ficou prejudicada. Ao migrar empresas dos chamados polos moveleiro, de confecções, de software e de outros arranjos locais para atuarem via projetos nacionais centralizados, perdeu-se a identidade coletiva em favor do foco individual, sobrevivendo ao processo somente àquelas empresas mais maduras e capitalizadas para atuarem internacionalmente. De certa forma houve coerência, pois a rigor, a APEX só pode promover quem está pronto para ser promovido. No entanto, a grande pergunta que se faz é quem prepara as empresas então?
Quem é o responsável no país pela etapa de pré-exportação das empresas? Ou seja, quem efetivamente prepara nossas empresas para o processo exportador? Qual é a instância governamental/institucional de apoio técnico, tecnológico e financeiro nesta etapa imprescindível, cara e obrigatória para que as MPE's aumentem suas participações na pauta, hoje em torno de 1% do valor embarcado (média de US$ 170 mil por empresa em 2010)? Mais que isso, que evite o chamado "voo de galinha" daquelas que se aventuram e logo vão adensar a preocupante lista da "Mortalidade Exportadora Brasileira"? A APEX é uma Agência de Promoção de Exportação, faz um esforço enorme para apoiar quem está pronto para ser promovido! Mas mesmo em seus projetos com as entidades setoriais, reconhece que grande número de empresas nunca chegou lá, ou seja, nunca exportaram. Há uma defasagem clara entre o papel de promoção e o papel de preparação que deveria caber a instituições, como o Sebrae. A instituição milita indiretamente neste foco, mas deveria ter programas bem mais objetivos do que o diagnóstico exportador oferecido pela web. Há, ao meu ver, um equívoco conceitual da participação do Sebrae no campo da exportação. O mais conhecido projeto é o da internacionalização de micro e pequenas empresas. O termo internacionalização é mal aplicado, pois em minha carteira de clientes onde figuram médias e grandes empresas, a migração da fase exportadora para a fase de internacionalização (atuação direta no exterior) já é um grande desafio, exigindo uma enorme preparação, experiência e capacidade de investimento, o que dirá a microempresa querer se globalizar? Mas conceitos e opinião à parte, o Sebrae por sua reconhecida proximidade com as MPE's deveria assumir fortemente o papel de fomentador da cultura exportadora. O hiato entre a capacitação e a promoção exportadora no Brasil nos restringe a aproximadamente 15.500 empresas exportadoras (2011). O paradoxo é que, na própria Apex, há um projeto muito interessante chamado PEIEX – Projeto Extensão Industrial Exportadora que aponta para o processo de capacitação das empresas para o mercado exterior tendo atendido cerca de 3.500 companhias entre micro, pequenas e médias no ano de 2011. Atingem 12 estados brasileiros via 27 núcleos operacionais. Mas salvo engano o orçamento destinado não atinge US$ 6 milhões por ano. Valor inexpressivo para uma política relevante de inclusão exportadora de um país com nosso potencial e um universo de 6 milhões de CNPJ's. Já que o Governo lançou um programa de cultura exportadora, deveria ser claro com relação ao orçamento destinado, a forma de concretizá-lo e ter no mínimo uma meta anual de 100.000 empresas capacitadas.
Somente com recursos consistentes, papeis definidos e metas audaciosas pode-se garantir que, de fato, haverá uma mudança no perfil altamente concentrado de nossas exportações, que a diversificação da pauta irá além das commodities agrícolas e minerais, que a mortalidade exportadora das empresas será reduzida. O incômodo do ministro Pimentel com o atual cenário é positivo e tomara que se traduza em medidas concretas e coerentes com nosso status de sexta maior economia do mundo. Como dizem os árabes, Ishala!
Gilberto Lima Jr é Consultor em Negócios Internacionais, Presidente da Going Global Consulting e Membro do Conselho do World Trade Center
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