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    Como as empresas morrem

    Conflitos familiares são fatais para 70% das companhias. Mas poucas sabem disso

    Renato Bernhoeft avatar
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    As várias tentativas de blindagem (criação de “holding patrimonial”, testamento, antecipação da legítima, doação em vida, gestão não familiar, criação de governança corporativa, etc) tem grande utilidade e aplicação. Mas nenhuma delas ataca, verdadeiramente as causas que levam, e fazem desenvolver, os conflitos nas famílias empresárias. Na sua maioria de origem cultural, e emocional. Com base em pesquisa da Höft Consultores, nos seus 35 anos de atuação com famílias empresárias no Brasil e outros países da América Latina, o índice de 70% na destruição de patrimônios familiares é bastante elevado. Inclusive, superior ao mundial, que é de 65%, conforme pesquisa do FBCGI – Family Business Consulting Group International.

    O exame mais aprofundado das causas apresenta alguns pontos que merecem destaque em nossa realidade:  

    • A maioria dos nossos empreendedores tem uma origem simples – muitos foram imigrantes que fugiram de situações extremamente adversas – e com forte dedicação ao trabalho. Preocupados em construir algo e deixar um patrimônio aos seus descendentes, se tornaram pais ausentes, patriarcais e muito dogmáticos nas suas relações familiares. A conseqüência em muitos casos foi uma relação de conflitos, e nem sempre apenas geracionais. Muitos, inclusive, se esforçaram no sentido de “proporcionar aos filhos – do ponto de vista estritamente material – o que eles próprios não tiveram em sua infância ou adolescência.”
    • Esta conduta de acumulação não está, necessariamente, acompanhada de um preparo dos herdeiros para o gerenciamento do patrimônio que irão receber. A transferência de uma herança, sem o devido legado, termina provocando baixa identificação emocional com o que é herdado. Entenda-se por legado tudo aquilo que faz parte da construção do patrimônio na perspectiva histórica, dos valores e sacrifícios que foram necessários. A maioria dos patriarcas preocupa-se em buscar soluções estruturadas, tanto do ponto de vista legal e tributário, para a transferência dos recursos. Mas não se permite tempo, paciência e afeto na transmissão dos significados que impregnam aquilo que foi materialmente acumulado.
    • Outro ponto importante é a constatação de que nem todo empreendedor se torna um empresário. Entenda-se empresário como alguém que compreende suas conquistas numa perspectiva de continuidade através das novas gerações.
    • A relação do criador – empreendedor – com sua criatura – a empresa ou patrimônio – é de um caráter tão visceral, que ele não imagina a criatura sem ele. E nesta condição não consegue  desprender-se da criatura, o que dificulta a inserção de seus descendentes no processo de sucessão e continuidade. Tendo em vista que este afastamento é provocado pelo receio da perda de poder, a única alternativa para as exceções que acompanhamos, foram aquelas onde  o empreendedor conseguiu encontrar novas fontes de preservação da auto-estima através de outras formas de substituição do poder.   
    • Outro componente forte, neste contexto,  é o despreparo dos cônjuges destes empreendedores para lidar com sua falta. E não estamos aqui falando de preparo para o gerenciamento dos negócios. No referimos ao entendimento do seu papel num contexto ambíguo de conflitos, onde a variável familiar tem grande importância. Especialmente quando a família desenvolveu uma cultura do “faz de conta” que está tudo bem, e vive uma integração hipócrita para iludir pais, ou até mesmo a sociedade, de maneira geral. Ou seja, os conflitos e divergências são omitidos, para “poupar” todos de algum posicionamento que não se ajuste às expectativas dos demais. Em muitas famílias a institucionalização de um coletivo forçado inibe o surgimento e realização da individualidade.
    • Merece também destaque estruturas familiares e patrimoniais que desenvolveram uma conduta de dependência financeira do patrimônio comum. Impede-se, sob varias formas, que a nova geração possa criar fontes alternativas de liquidez que administre à sua maneira. Considerando que, no médio e longo prazo, os padrões de vida dos novos núcleos familiares, inevitavelmente, terão diferenças, a não aceitação de lidar com as desigualdades pode criar uma postura de passividade na busca de soluções que não venham do principal. Amplie-se este quadro de complexidade quando a maioria também olha a empresa da família como sua única alternativa de realização profissional.
    • Por fim, ainda muito distante de esgotar o assunto, surge ainda a tentativa de procurar repetir nas novas gerações o modelo de sociedade/propriedade que norteou a primeira geração. Poucas famílias compreendem que a partir da segunda geração necessitam preparar-se para o papel de sócios de um grupo de pessoas em que não houve a liberdade da escolha. Portanto, apesar da irmandade, ou relação de primos,  encarar-se como sócios é um fato novo que exige preparo, humildade e muita confiança mútua.

    O grande desafio para a maioria das famílias empresárias não está no desconhecimento de muitas destas questões. É na resistência, ou incapacidade, em lidar, na forma de diálogo, sobre estes temas. Seja para concluir que podem continuar juntos, dividir ou vender o patrimônio. Até porque, a maioria que sucumbiu a estes desafios, não foi vendida, mas comprada por concorrentes ou investidores, sem nenhum envolvimento emocional. Fica aqui a provocação para que as famílias tratem este tema, e, idealmente, de forma preventiva.

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