Equilíbrio federativo em jogo
Os atuais critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE) já não condizem com a nova realidade geoeconômica do país e foram considerados inconstitucionais pelo STF
O segredo da soberania compartilhada e da unidade política e territorial em qualquer Estado federativo é a capacidade de acomodar conflitos e equilibrar competição e solidariedade entre as várias unidades federadas. Uma tarefa particularmente complicada no Brasil, um país com dimensões continentais, marcado por profundas diferenças regionais. Mal ou bem, temos dado conta do recado há mais de um século. E precisamos continuar defendendo com unhas e dentes nosso pacto federativo, bombardeado sem dó nos últimos tempos.
Se já tivemos uma briga acirrada em torno da distribuição dos royalties do petróleo e das alíquotas interestaduais do ICMS sobre produtos importados, temos pela frente duas novas batalhas: o novo rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a discussão em torno da constitucionalidade dos incentivos fiscais estaduais sobre ICMS.
Vai ser preciso uma boa dose de bom senso para evitar a "judicialização" dessas duas questões. Os atuais critérios de distribuição do FPE já não condizem com a nova realidade geoeconômica do país e foram considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribuntal Federal. A mudança tem que ser feita até o final do ano, sob pena da criação de um cenário insustentável de insegurança jurídica. Já os incentivos fiscais de ICMS, frequentemente questionados no Supremo, estão sob a mira da proposta de súmula vinculante 69, do ministro Gilmar Mendes.
A proposta considera inconstitucional qualquer tipo de incentivo concedido sem a autorização do Confaz, o Conselho Nacional de Política Fazendária. Aprovada, ela teria efeito desastroso nas finanças de boa parte dos estados, que encontram nos incentivos o melhor caminho – senão o único – para atração de investimentos produtivos e desenvolvimento regional.
Se os estados concedem incentivos fiscais à margem do Confaz, isso se dá pela absoluta impossibilidade de cumprir a exigência legal de unanimidade de votos no conselho. Uma exigência prevista na Lei Complementar 24, editada em 75, quando o alinhamento com o governo federal era automático – o que evidentemente não acontece num Estado democrático, em que as necessidades e interesses diversos das 27 unidades federadas são mais que transparentes.
O Congresso precisa encarar de vez a revisão das regras de funcionamento do Confaz, derrubando a exigência de unanimidade nas decisões. Já existem vários projetos de lei nesse sentido. Um deles, de minha autoria, prevê que as deliberações sejam aprovadas por três quintos dos votos. O projeto também exige a anuência de pelo menos uma unidade de cada região, para evitar que blocos regionais prejudiquem regiões com número menor de estados.
Não se trata de defender a chamada guerra fiscal, até porque há incentivos concedidos sem justificativa razoável. O importante é garantir uma competição fiscal sadia, como no Canadá, na Suíça, Estados Unidos e outros países desenvolvidos. Uma competição fiscal com regras justas e claras certamente alavancará o desenvolvimento das unidades menos favorecidas e reduzirá as desigualdades regionais.
Na mesa de discussão, está também uma proposta do Ministério da Fazenda, com a unificação da alíquota interestadual de ICMS em 4%, num prazo de até oito anos. Mas a União teria que arcar com a perda considerável que essa unificação representaria para Espírito Santo, Amazonas, Mato Grosso, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina – mais de R$ 2 bilhões no primeiro ano e R$ 13 bilhões em oito anos.
Ora, os incentivos fiscais sobre ICMS geram aumento de renda, de emprego, IDH, arrecadação e PIB. Estudo da Fundação Getúlio Vargas mostra que os projetos industriais instalados com o auxílio de incentivos fiscais sobre ICMS foram responsáveis por 1,2% do PIB nacional em 2010. No mesmo ano, esses projetos também responderam por 2% dos impostos sobre a produção arrecadados no país.
O tributarista Hamilton Dias, especialista no assunto, alerta que a derrubada dos incentivos fiscais desorganizaria todo um conjunto de arranjos produtivos no país e representaria desemprego direto para 400 mil brasileiros. Norte, Nordeste e Centro-Oeste perderiam mais de R$ 60 bilhões de arrecadação. O resultado óbvio seria o agravamento das desigualdades regionais e sociais e a diminuição na qualidade dos serviços de saúde, segurança e educação nos estados atingidos.
Não há mais espaço para novas improvisações, que já fragilizaram por demais nosso federalismo fiscal. É hora de modernizar as decisões do Confaz, de garantir soluções para o desenvolvimento regional e maior justiça na distribuição dos recursos do FPE. É o equilíbrio do nosso pacto federativo que está em jogo.
Ricardo Ferraço é senador pelo PMDB/ES
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