Existem banqueiros que não cobram?
Não, responde Miriam Leitão. Por isso, os dirigentes do Rural, como Kátia Rabello, serão condenados na política de crédito frouxa nos empréstimos concedidos a Marcos Valério
247 – Por que os dirigentes do Banco Rural serão condenados na Ação Penal 470? Segundo a colunista Miriam Leitão, porque ainda não inventaram espécie de banqueiro que não cobra por seus empréstimos. Leia:
Banqueiros que não cobram
Miriam Leitão
Não existe banco assim. Banco que empresta sem dados cadastrais completos, com garantias sem valor legal, e que aceita a mesma garantia para empréstimos diferentes. Banco normal não libera dinheiro sucessivamente para a mesma empresa para cobrir um empréstimo não pago e não classifica como A ou B um crédito não pago por vários anos. Mas assim o Rural fez.
Para o relator Joaquim Barbosa, os empréstimos foram simulados. O revisor avisou que não iria dizer que os empréstimos não existiram, mas acha que os dirigentes do banco se comportavam como se fossem uma doação. A então presidente do banco Kátia Rabello, defendida pelo ex-ministro José Carlos Dias, e o vice-presidente José Roberto Salgado, defendido pelo ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, já amargam dois votos pela condenação por gestão fraudulenta de instituição financeira.
O relator mostrou como os mensalões se conectam através da parceria Marcos Valério e Banco Rural. Empréstimo anterior concedido à DNA propaganda, e que está sendo investigado no caso que envolve o ex-governador de Minas, pelo PSDB, Eduardo Azeredo, não foi pago pela empresa de Marcos Valério. Era de R$ 13 milhões e foi liquidado por R$ 2 milhões.
Mesmo tendo tido esse prejuízo, o banco deu novos e vultosos empréstimos às empresas do mesmo grupo e aceitou o aval do empresário no empréstimo ao PT. E os renovou quando não foram pagos. No caso do PT, foram 10 renovações.
O BC tem regras de classificação de risco de empréstimos que foram descaradamente descumpridas pelo Rural. Dívidas e empréstimos para capital de giro de 2003 não pagos estavam registrados como risco zero, o nível A, ou pequeno risco, o nível B. O BC determina que acima de seis meses de atraso o nível seja H, que significa reconhecimento total de perda. O banco nesse caso tem que fazer provisão de 100% do crédito.
O Rural publicou nota dizendo que os peritos do Instituto Nacional de Criminalística garantiram que os empréstimos eram verdadeiros. O que Joaquim Barbosa sustenta no seu voto é que os peritos ressalvaram que apenas no aspecto documental e formal eles eram verdadeiros.
Os outros ministros votarão na quarta-feira, assim que o revisor concluir sua fala, mas há grande probabilidade de condenação neste item cinco do mensalão.
A grande dúvida que fica na cabeça de quem assiste por dias a fio o desenrolar dessa questão é a razão de o banco ter se comportado assim. Por que um banco nega sua própria natureza? Por que, em vez de cobrar, empresta novamente; em vez de seguir orientação dos seus técnicos, desrespeita todas as normas de prudência; em vez de seguir as normas do Banco Central, as burla mascarando que um crédito é podre?
O que os ministros deixam claro é que eles queriam, com relações “promíscuas” com o devedor, ter vantagens no governo com o qual ele dizia ter proximidade. Realmente, entre os vários feitos que Marcos Valério conseguiu foi o de marcar encontro da então presidente do banco Kátia Rabello com o então ministro José Dirceu.
Neste mesmo momento dos empréstimos nunca pagos, o Banco Mercantil de Pernambuco estava na Justiça contra o Banco Central. O Rural tinha 22% da instituição em liquidação no BC. As seguidas idas de Marcos Valério ao BC eram para esse assunto. Banco Central e Banco Mercantil divergiam sobre critérios de atualização da dívida do banco falido com a autoridade monetária. A diferença da conta chegava a R$ 1 bilhão, como contei em colunas anteriores. Aí é que morava o maior perigo. Felizmente, o Banco Central não cedeu.
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