Hora de ousadia
Ninguém duvida que, além da infraestrutura precária e da carga tributária abusiva, o preço da energia é um dos fatores que mais pesam no chamado Custo Brasil
Se existe uma medida cuja necessidade ninguém contesta é a redução nas contas de luz. Temos uma das tarifas mais caras do mundo, apesar de 77% de nossa matriz elétrica ser hidráulica, com custos de produção muito baixos. É que, além dos custos de geração, manutenção, transporte e distribuição, o consumidor paga, a cada mês, uma batelada de encargos e impostos sobre a venda de energia. Mais: é ele quem banca a construção das usinas e linhas de transmissão, em parcelas mensais embutidas na conta.
A redução média de 20% nas tarifas anunciada pelo governo – 16,2% para o consumidor residencial e até 28% para empresas – não é só um alívio para o bolso do consumidor. Ela vai ajudar a controlar a inflação, melhorar a competitividade das nossas indústrias e movimentar a economia.
Mas é inegável que existe uma margem bem maior para o corte das tarifas – elas teriam que cair 35% para se igualar à média mundial, segundo levantamento da Firjan, a Federação da Indústria do Estado do Rio de janeiro. Para começar, energia é um serviço essencial e não pode ser tratada como fonte de arrecadação tributária. Na ponta do lápis, de cada R$ 100 pagos na tarifa de luz, R$ 45,08 são referentes a encargos, subsídios e impostos.
Além do PIS e do Cofins, que são tributos federais, do ICMS, que é estadual, e do CIP, que é municipal, estão embutidos na conta de luz dez tipos de encargos setoriais. Eles financiam, entre outros projetos e programas, a universalização da oferta de energia, subsídios para população de baixa renda e para fontes alternativas de energia, geração térmica no norte do país, reserva para expansão do setor elétrico e pesquisas de eficiência energética.
Pois o pacote do governo só mexe em três desses encargos setoriais – um é reduzido em 75% e dois são extintos. O resultado é uma queda de 7% na conta de luz. Ora, o corte seria de pelo menos 15% se o pacote acabasse de vez com todos os encargos pagos pelo consumidor de energia.
Essa proposta, bem mais abrangente, está na pauta do Senado há mais de dois meses, num projeto de lei de minha autoria. Mesmo eliminando todos os encargos embutidos na tarifa de luz, o projeto preserva os programas sociais, de reserva energética e de pesquisa que eles financiam. A diferença é que essa conta é remetida a quem de fato deve pagar por ela: o Tesouro Nacional, ou seja, todos os contribuintes.
Para garantir os outros 13% de redução nas tarifas e chegar à queda média de 20% anunciada no pacote de energia, o governo aposta na prorrogação, por mais 30 anos, das atuais concessões públicas de geração e transmissão – elas deveriam vencer entre 2015 e 2017. Isso porque as concessionárias que quiserem renovar o contrato, já a partir do próximo ano, serão obrigadas a melhorar a qualidade dos serviços e reduzir os preços.
As exigências são bem vindas, mas as negociações são complexas e é impossível assegurar um índice exato de corte dos preços por parte das concessionárias. Mais que isso, a intenção de prorrogar as atuais concessões cria um terreno perigoso de incerteza jurídica. O setor industrial promete brigar judicialmente para provar que a medida fere os princípios constitucionais da livre concorrência na organização da atividade econômica e da eficiência na administração pública.
O Ministério das Minas e Energia, por sua vez, diz estar pronto para contestar qualquer questão na Justiça – a Advocacia Geral da União já teria se debruçado sobre o assunto, sem encontrar qualquer sinal de inconstitucionalidade na prorrogação das concessões.
A polêmica envolve até dois ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie e Nelson Jobim, duas vozes firmes contra a renovação das concessões, que seria proibida pelo marco legal do setor elétrico. A presidente Dilma Rousseff rebate com firmeza, lembrando que o Brasil tem tradição absoluta de respeito às regras contratuais.
Vai ser preciso pesar os argumentos de lado a lado antes de fazer um diagnóstico precipitado sobre o assunto. E também será necessário fazer bem as contas para ter clareza do que pode render maior economia: a realização de novos leilões ou a prorrogação das atuais concessões.
De qualquer forma, há que se levar em conta que os investimentos na construção de usinas e linhas de transmissão mais antigas já foram amortizados e não deveriam, de forma alguma, continuar a ser cobrados na conta de luz, em parcelas mensais.
Está aí uma margem ainda maior para a queda dos preços da energia. Vinte por cento de redução, como propõe o governo, é muito pouco. Estudo da Firjan mostra que a tarifa média de energia elétrica para a indústria brasileira é de R$ 329 por megawatt/hora, quase 50% a mais que a média de R$ 215,50 dos 27 países com dados disponíveis na Agência Internacional de Energia. A diferença pula para 134% na comparação com a Rússia, Índia e China, os demais países dos Brics.
Ninguém duvida que, além da infraestrutura precária e da carga tributária abusiva, o preço da energia é um dos fatores que mais pesam no chamado Custo Brasil – o maior freio à competitividade da nossa indústria. Apesar de ter subido cinco posições no ranking global de competitividade, o Brasil ainda está em 48º lugar entre os 144 países analisados pelo Fórum Econômico Mundial.
São motivos de sobra para o Congresso Nacional resgatar o que faltou no pacote do Executivo: ousadia.
Ricardo Ferraço é senador pelo PMDB/ES
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