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Imposto Seletivo pode impactar o bolso do brasileiro e não vai reduzir consumo de açúcar, apontam especialistas

Estudo indica que tributo sobre bebidas açucaradas pode aumentar desigualdade sem trazer ganhos para a saúde pública e distorcer mercado

Imposto Seletivo pode impactar o bolso do brasileiro e não vai reduzir consumo de açúcar, apontam especialistas (Foto: Reprodução/Freepik )

247 - A eficácia da aplicação do Imposto Seletivo (IS) sobre bebidas açucaradas, prevista na Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025, vem sendo questionada por economistas e juristas. A medida foi anunciada pelo governo como forma de desestimular o consumo excessivo de açúcar e arrecadar recursos para custear políticas públicas, mas especialistas advertem que o tributo pode falhar em seus objetivos regulatórios e aumentar desigualdades sociais.

Um dos principais debates em torno do Imposto Seletivo está na dualidade de suas funções: arrecadatória e extrafiscal. Por um lado, todo imposto tem como essência a geração de receita; por outro, no caso do IS, a característica extrafiscal é mais evidente, já que o Estado pretende utilizá-lo como instrumento para desestimular o consumo de produtos considerados nocivos, corrigir distorções de mercado e, em tese, promover justiça fiscal. O problema, segundo especialistas, é que essa justificativa regulatória não se sustenta diante das falhas de desenho do tributo e da ausência de mecanismos que garantam impacto real sobre a saúde pública.

O economista Márcio Holland, professor da FGV-EESP, e a advogada Lina Santin, diretora do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), avaliaram os potenciais impactos do IS. Ambos destacam que o imposto, na forma como foi concebido, é ineficaz como política de saúde pública e arriscado sob a ótica fiscal e tributária.

Em entrevista ao Brasil 247, Holland lembra que a tributação sobre o consumo no Brasil já é uma das mais altas do mundo e pesa especialmente sobre as famílias de baixa renda. “A carga tributária bruta saltou de 28,5% do PIB, em 1990, para 32,32% do PIB, em 2024, um incrível aumento de 3,8 pontos percentuais. Grande parte deste aumento recai na tributação sobre o consumo. E isso tem forte caráter regressivo”, afirmou.

Segundo ele, usar impostos para induzir mudanças de comportamento tende a provocar distorções de mercado, como informalidade, consumo de produtos de pior qualidade e evasão fiscal.

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Falta de efeito regulatório

Os estudos coordenados por Holland indicam que a chamada elasticidade cruzada — a substituição de refrigerantes por sucos naturais — não é significativa no Brasil. Assim, o aumento de preços não leva os consumidores a migrarem para opções mais saudáveis.

“O aumento de preços provocado por excesso de tributação não necessariamente implica em melhorar o perfil do consumo, mas mais provavelmente em produtos de qualidade ruim. Por exemplo, é muito mais provável aumentar o consumo de refresco em pó ou bebidas com abundância de açúcares adicionados”, explicou o professor. Ele também lembra que o açúcar refinado permanece isento de tributos, o que fragiliza ainda mais a coerência da medida.

Falta de vínculo com a saúde

Na análise da advogada Lina Santin, publicada no ConJur, o problema central do IS é a falta de vínculo com a finalidade de saúde pública.

“Embora apresentado como instrumento de saúde pública, o IS carece de vínculo efetivo com essa finalidade. A Constituição veda a vinculação do produto da arrecadação de impostos a determinada despesa. Isso significa que a arrecadação obtida com o Imposto Seletivo não pode ser direcionada ao financiamento de políticas de prevenção à obesidade, campanhas nutricionais ou reforço do SUS”, destacou.

Além disso, metade da receita será destinada aos fundos de participação de estados e municípios, e a outra parte diluída no orçamento da União, reforçando o caráter arrecadatório da medida.

Países como México e Chile adotaram tributos semelhantes em 2014, mas os resultados foram limitados. No México, a obesidade continuou crescendo, enquanto no Chile só houve redução relevante no consumo de açúcar após a implementação de rótulos frontais de advertência.

“Não é apenas tributação que importa para alteração de comportamento dos consumidores”, afirmou o professor da FGV.

Alternativas mais eficazes

Ambos os especialistas defendem que a tributação não pode ser o único instrumento de política pública. Holland aponta que medidas regulatórias, educacionais e de incentivo a hábitos saudáveis têm potencial de gerar efeitos mais consistentes e duradouros.

“Uma sociedade mais saudável é uma sociedade baseada em educação e informação qualificada. Rotulagem, mobilidade urbana, combate ao sedentarismo em escolas e locais de trabalho são fundamentais”, argumentou.

Santin, por sua vez, lembra que a própria Organização Mundial da Saúde recomenda que tais impostos só funcionam quando integrados a um conjunto amplo de ações de saúde, o que não ocorreu no caso brasileiro.