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Economia

Mercado ainda não incorporou conjunto de medidas do governo para o crescimento, diz Guilherme Mello

Secretário de Política Econômica aposta em retomada da atividade e diz ser possível estabilizar dívida pública antes do que esperam agentes econômicos

Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello (Foto: Washington Costa/MF)
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Marcos Mortari, Infomoney - Superada a aprovação do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023) pela Câmara dos Deputados, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, acredita que o mercado tem assimilado positivamente as sinalizações dadas pelo governo do lado fiscal, mas ainda não incorporou a totalidade das medidas que virão nos próximos meses em seus cenários para a atividade.

Em entrevista concedida ao InfoMoney na última quarta-feira (24), Mello destacou a queda das curvas de juros e do câmbio como elementos que indicam maior otimismo dos agentes econômicos com a conjuntura doméstica, mas ainda considera baixas as projeções do setor privado para o Produto Interno Bruto (PIB) nos anos seguintes.

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“O conjunto dos atores de mercado ainda não incorporou essa expectativa de crescimento maior para os próximos anos, e nós temos excelentes motivos para acreditar que o Brasil pode crescer mais [e] com uma inflação estável”, disse.

Nesta semana, a Secretaria de Política Econômica (SPE) apresentou os novos parâmetros do governo para os principais indicadores macroeconômicos. As expectativas para o PIB deste ano subiram de 1,6% em março para 1,9%, abrindo novamente distância em relação ao que estimam agentes do mercado. Segundo o Relatório Focus, do Banco Central, a média das projeções dos economistas consultados é de um incremento de 1,20% na atividade econômica neste ano − ante 0,88% em março.

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Para a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), agora a equipe econômica trabalha com um acumulado de 5,58% em dezembro − 0,27 ponto percentual a mais do que dois meses atrás. Mas mantém a projeção de convergência em direção a meta a partir de 2024. Já no Focus, a estimativa está em 5,80%, queda de 0,15 p.p. no mesmo comparativo.

Para 2024, as divergências aumentam. Enquanto SPE fala em crescimento de 2,3% do PIB e inflação a 3,63%, a média do Focus está em 1,3% e 4,13%, respectivamente.

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Durante a entrevista, Mello destacou medidas tomadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para recuperar a renda das famílias, como a nova política de valorização do salário mínimo, e para reativar o acesso a crédito para grupos da sociedade atualmente endividados, como o programa Desenrola, em fase final de elaboração.

O secretário também mencionou a expectativa de queda nas taxas de juros no Brasil e no mundo, além de um plano robusto de investimentos públicos e Parcerias Público-Privadas (PPPs), que deve sair do papel nos próximos meses, como armas da nova administração para a retomada do crescimento − e não vislumbra riscos de pressão inflacionária com as iniciativas.

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“Claro que vai haver momentos de maior aceleração na queda e outros de maior resistência, mas a tendência é convergir para dentro da meta. Se olharmos para os IPAs (Índices de Preços ao Produtor Amplo), estamos em deflação. O IGP (Índice Geral de Preços) também está caindo fortemente. Isso reduz a inércia inflacionária para os próximos anos, mas também ainda observamos uma elevada capacidade ociosa em vários setores produtivos”, disse.

“Muitos dizem que o nível de ociosidade no mercado de trabalho não é elevado, mas do ponto de vista da composição desses empregos, há uma possibilidade de gerar novos empregos, mais produtivos e mais competitivos, sem gerar pressões inflacionárias. Há espaço para a economia crescer mais sem gerar pressão inflacionária”, pontuou.

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Na conversa, o secretário salientou que o quadro de atividade econômica mais robusta combinado a taxas de juros mais baixas e inflação controlada, como projeta a equipe econômica, deve contribuir no controle da trajetória pública. E disse ter convicção que o governo cumprirá a meta de zerar o déficit primário em 2024 e gerar superávit na faixa de 1% em 2026, como prometido.

“Somando as três coisas − nosso cenário de crescimento, de juros e de primário −, você entende por que estamos confiantes de que é possível estabilizar a dívida pública em um horizonte mais curto do que muitos atores do mercado, que têm uma taxa de crescimento de 1% ao ano para muito tempo, uma taxa de juros real que às vezes para alguns chega a 5% ao ano por muito tempo”, comparou.

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Alinhado com o discurso do chefe, Mello ressaltou os esforços da equipe econômica naquilo que o ministro Fernando Haddad (PT) tem se referido como “recomposição da base fiscal do Estado”, mas sem criação de tributos ou majoração de alíquotas, e comemorou o que considera vitórias do governo no Congresso Nacional e no Poder Judiciário.

“Tivemos inúmeras vitórias nesse caminho – algumas na Justiça, outras no Congresso Nacional. O que mostra uma percepção dos Poderes instituídos, e que representam a sociedade, da urgência da centralidade desta agenda”, disse.

“Ao mesmo tempo em que o parlamento aprovou o fim dos créditos para o ICMS na base do PIS/Cofins, a Justiça fez a correção da subvenção do ICMS que abatia a base de cálculo de tributos federais. Há algumas pequenas vitórias na Justiça, que se acumulam, e temas que certamente vão aparecer no Congresso Nacional, como a tributação das offshores, que criam esse horizonte de recomposição da base tributária e fiscal do Estado sem criação de tributos e aumento de alíquotas”, continuou.

Questionado sobre a possibilidade de o Conselho Monetário Nacional (CMN), na próxima reunião de junho, mudar metas de inflação já estabelecidas, o secretário diz que o tema está fora da sua agenda, mas não interdita o debate e insinua que a discussão sobre a metodologia adotada para o cumprimento da meta, que hoje segue o ano-calendário, pode estar mais madura.

“Nós fizemos essa análise da institucionalidade do regime de metas mundo afora e percebemos que o Brasil está um pouco fora das boas práticas no que tange à temporalidade, ainda muito preso ao ano-calendário, enquanto a maior parte dos países tem metas de médio prazo ou contínuas”, disse.

Veja os destaques da entrevista:

InfoMoney: Como o senhor avalia a importância da aprovação do novo marco fiscal pela Câmara dos Deputados?

Guilherme Mello: Em primeiro lugar, é importante dizer que foi uma conquista para o país. O fato de construir uma votação de um tema tão importante com uma maioria tão expressiva, maior do que quórum de uma emenda constitucional, demonstra que conseguimos construir uma proposta que minimamente atendia a um conjunto grande de visões, que muitas vezes não são as mesmas, mas que existem elementos que demonstram a sustentabilidade da proposta.

Foi importante para o país criar um regime fiscal que garante previsibilidade e credibilidade para a política fiscal nos próximos vários anos. É evidente que o texto sai do governo de uma forma, o Congresso Nacional faz suas contribuições. Foi muito importante que a concepção geral do programa foi respeitada e mantida. Ela foi bem aceita dentro do parlamento, pelos investidores e, de uma forma geral, pela sociedade também.

No caso dos investidores, alguns dados demonstram essa aceitação. Após o anúncio do arcabouço fiscal, vimos queda na curva de juros, melhoria na taxa de câmbio, e agora, com a aprovação na Câmara dos Deputados, isso se acentuou. Ao mesmo tempo, criamos uma regra com características que possibilitam o fortalecimento do investimento na educação, em saúde, o reajuste do salário mínimo − fatores importantes para o desenvolvimento nacional.

Aquela combinação, que sempre pregamos, entre responsabilidade social e responsabilidade fiscal, foi preservada. Houve alterações, mas que respeitaram essa concepção mais geral. Foi um bom exemplo de diálogo, negociação e de uma construção coletiva, que respeitou todos os trâmites democráticos − começando no Ministério da Fazenda, mas se ampliando dentro do governo, chegando ao parlamento antes da imprensa, ao presidente da Câmara dos Deputados, ao presidente do Senado Federal, depois às lideranças, colhemos sugestões, apresentamos um texto final para a sociedade, houve debates nos jornais, na imprensa, entre especialistas…

Foi um processo muito rico, um resultado muito importante para o país e que reconstrói um horizonte para a política fiscal – e, portanto, também para a política macroeconômica como um todo. Um horizonte bastante mais alvissareiro em que as principais incertezas saem do radar, entra um regime previsível, onde é possível fazer contas, entender qual é a trajetória, e passamos agora para outras agendas, que, junto com o novo regime fiscal, vão colaborar para essa harmonização dentro da política macroeconômica.

IM: Houve uma convergência de alguns indicadores, como os juros futuros e projeções do mercado para a Selic, mas agentes econômicos ainda vocalizam preocupação em relação ao cumprimento das metas de resultado primário estabelecidas. Como o governo fará para convencer sobre esses compromissos assumidos? E quanto é necessário em termos de arrecadação adicional para fechar a conta dos próximos anos?

GM: Todas as medidas que foram e vêm sendo tomadas sistematicamente no Ministério da Fazenda apontam na mesma direção: recompor a base fiscal do Estado, erodida nos últimos anos – o que ficou bastante evidente no Orçamento deste ano, em que houve uma queda expressiva da previsão de receita.

Recuperar essa base fiscal sem criar novos tributos ou criar novas alíquotas: essas duas questões são um trabalho que está sendo feito pelo Ministério da Fazenda. Tivemos inúmeras vitórias nesse caminho – algumas na Justiça, outras no Congresso Nacional. O que mostra uma percepção dos Poderes instituídos, e que representam a sociedade, da urgência da centralidade desta agenda.

Ao mesmo tempo em que o parlamento aprovou o fim dos créditos para o ICMS na base do PIS/Cofins, a Justiça fez a correção da subvenção do ICMS que abatia a base de cálculo de tributos federais. Há algumas pequenas vitórias na Justiça, que se acumulam, e temas que certamente vão aparecer no Congresso Nacional, como a tributação das offshores, que criam esse horizonte de recomposição da base tributária e fiscal do Estado sem criação de tributos e aumento de alíquotas.

IM: No Boletim Macrofiscal de maio, divulgado nesta semana, a SPE mostrou que a média das projeções de economistas de mercado consultados no Prisma Fiscal para a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) está em 83,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Uma queda de 2,3 p.p. em comparação com março, mas 7,1 p.p. mais elevado do que estima a equipe econômica caso as metas de resultado primário sejam cumpridas. O que está faltando para haver convergência no longo prazo?

GM: A convergência da dívida depende de vários fatores. Por que há uma diferença entre as nossas projeções e eventualmente projeções de agentes de mercado? Porque a projeção da dívida depende fortemente da expectativa de crescimento e de taxa de juros. Esses dois fatores são até muito mais importantes para a trajetória da dívida do que se haverá um resultado primário 0,5% para cima ou para baixo.

Nossa grade de parâmetros, atualizada ontem (terça-feira, 23), traz, em linha com o que muitos atores no mercado estão fazendo, uma revisão para cima na expectativa de crescimento do PIB para este ano. Nós também temos uma previsão de crescimento mais acelerado para os próximos anos. O conjunto dos atores de mercado ainda não incorporou essa expectativa de crescimento maior para os próximos anos, e nós temos excelentes motivos para acreditar que o Brasil pode crescer mais com uma inflação estável.

Há um processo gradual, mas que vai se fortalecer ao longo dos próximos anos, de recuperação da renda das famílias. Teremos um programa de renegociação da dívida, que vai reduzir as famílias no cadastro negativo. Existe uma perspectiva, a partir de algum momento neste ano, de alívio nas taxas de juros não só no Brasil como no mundo. Temos um conjunto de políticas, sejam regulatórias − para o mercado de crédito, marco de garantias −, sejam propriamente de desenvolvimento, como a estratégia de transformação ecológica que estamos construindo, as linhas do BNDES. Prolongamos o prazo do Pronampe, do PEAC.

Há um conjunto de medidas e várias delas que ainda não foram anunciadas ou não foram incorporadas pelos atores de mercado. Teremos plano de investimentos, que certamente vai ser anunciado, que envolve PPPs e investimentos públicos. Temos já anunciado o Minha Casa Minha Vida, que tem um componente muito forte de geração de emprego num setor que é muito dinâmico.

Portanto, nós temos um conjunto de motivos para acreditar que o Brasil tem potencial de crescer mais nos próximos anos. E ao mesmo tempo, ao observar a trajetória da inflação e das principais variáveis macro, também achamos que há espaço para uma queda na taxa de juros. Essa combinação ajuda muito na trajetória da dívida pública. Ao mesmo tempo, temos convicção de que seremos capazes de entregar a meta de resultado primário que estabelecemos para 2024, exatamente por esse conjunto de medidas que estamos tomando − e, na maior parte delas, estamos conquistando vitórias importantes.

Para zerar o resultado primário, é preciso levar de volta a arrecadação para o que foi no ano passado. Não precisa inventar muita coisa. Com os 19% [do PIB] aproximadamente que tivemos no ano passado, chegamos muito perto de zerar o resultado primário.

IM: Mesmo com os aumentos de despesas que entraram? Com programas sociais, salário mínimo…

GM: Isso já traz a despesa prevista para 2023 para a casa dos 18,5% do PIB − talvez um pouco mais ou um pouco menos, a depender do crescimento no final do ano. Se recuperarmos os 19%, é possível zerar o resultado.

IM: Seriam os R$ 150 bilhões que diz o ministro?

GM: É. Aproximadamente isso. Claro, também colabora para esse processo o fato de que o PIB vai crescer mais este ano e, na nossa opinião, vai crescer mais ainda no ano que vem. Isso também tem impacto no ritmo do crescimento das receitas.

Então, somando as três coisas − nosso cenário de crescimento, de juros e de [resultado] primário −, você entende por que estamos confiantes de que é possível estabilizar a dívida pública em um horizonte mais curto do que muitos atores do mercado, que têm uma taxa de crescimento de 1% ao ano para muito tempo, uma taxa de juros real que às vezes para alguns chega a 5% ao ano por muito tempo.

Essas diferenças nos cenários é que explicam as diferenças nas projeções. Quando apresentamos nossos cenários, fazemos com toda a base técnica para explicar por que alteramos cada um dos elementos.

O que estamos observando é que, com o passar dos meses, as projeções do mercado vêm se aproximando cada vez mais das projeções da SPE. Não estou falando que a SPE estava certa ou errada. É que os dados vão saindo e todo mundo vai fazendo seus ajustes nas suas projeções.

Acredito ainda que teremos um segundo trimestre bom para a economia brasileira, com uma resiliência importante do setor de serviços. O primeiro certamente será muito positivo – ainda não temos o dado, mas vimos o IBC-Br, que foi muito positivo.

Em economia nada é certo, mas provável. Acreditamos que essa combinação de fatores não é só possível, mas provável. E é por isso que temos convicção de que vamos conseguir não só cumprir as metas de resultado primário, mas também estabilizar a dívida pública antes do que preveem alguns agentes privados.

IM: E quanto seria necessário, além dos R$ 150 bilhões, de esforço para cada exercício para que se tenha um nível de arrecadação compatível com as metas desenhadas?

GM: Isso vai depender muito da própria dinâmica da economia. Há uma parte da recuperação das receitas que poderá vir do fato de a economia estar crescendo mais fortemente. Isso nós vimos nos próprios governos Lula do passado. Ele conseguiu arrecadar mais sem aumentar impostos. Como? Crescendo e formalizando. Foi assim que ele conquistou expressivos resultados primários durante todo seu governo.

Haverá, claro, um contínuo esforço de recuperação das receitas, de recomposição da base fiscal. Ao mesmo tempo, temos programada uma reforma tributária em duas etapas − a primeira sobre o consumo, e a segunda sobre a renda −, que acreditamos que terá efeitos muito mais do que sobre o nível de arrecadação, mas sobre o potencial de crescimento da economia brasileira.

No caso da reforma tributária, há estudos, inclusive da nossa subsecretária de política fiscal, Débora Freire, especialista no tema, que mostram um potencial aumento do PIB em 12% em 10 anos, só de impactos diretos. Estamos falando de uma economia que, se tem um PIB potencial que hoje está próximo a 2% ou 2,5%, pode ir para 3%, 3,5% ao ano. Só de eliminar as distorções que existem no regime tributário, criar um ambiente competitivo muito mais saudável, deixar de tributar investimentos, exportações, como fazemos hoje com nosso atual regime.

Eu diria que a reforma dos tributos sobre a renda também tem um enorme potencial não só de recuperar a arrecadação, mas muito mais do que isso: um enorme potencial distributivo, progressivo. Todos nós sabemos que, do ponto de vista da dinâmica e do crescimento da economia, principalmente um país tão desigual quanto o Brasil, uma melhoria na distribuição de renda tem impactos positivos sobre a trajetória do crescimento econômico.

Há um esforço adicional, além de 2024, para chegarmos a 1% de superávit que almejamos em 2026. Acho que esse conjunto de ações − tanto as que estamos tomando hoje (de recuperação da base fiscal), quanto as que envolvem a reforma tributária e as diversas políticas voltadas para recuperar uma taxa de crescimento econômico mais sustentável e consistente ao longo do tempo − se combina para criar um cenário em que 1% não é só possível, mas tem uma probabilidade elevada de ocorrer em 2026.

IM: Há uma preocupação de agentes econômicos que medidas sinalizadas pelo atual governo produzam maior inflação, como a política de valorização do salário mínimo, aumento do nível de investimentos públicos e medidas de estímulo ao crédito. Por outro lado, a conjuntura internacional, especialmente de Estados Unidos e China, pode frear essa possível pressão dos preços. Mas isso será suficiente para evitar picos que afetem a política monetária e atrasem o ciclo de corte de juros?

GM: Não é o nosso cenário. Ao final do ano esperamos a inflação ainda acima do teto da meta – em torno de 5,6%, com viés de baixa, porque sabemos que o preço do petróleo tem caído e gerou reduções nos preços da gasolina e do gás, que têm impacto no IPCA.

IM: Por outro lado, também afeta a arrecadação…

GM: É verdade, também tem impacto na arrecadação. Do lado da inflação, claro que vai haver momentos de maior aceleração na queda e outros de maior resistência, mas a tendência é convergir para dentro da meta.

No ano que vem, estamos com 3,6% [de projeção]. Por quê? Além de tudo que falamos, se olharmos para os IPAs (Índices de Preços ao Produtor Amplo), estamos em deflação. O IGP, que também é um indicador importante, que inclusive indexa contratos, também está caindo fortemente. Isso reduz a inércia inflacionária para os próximos anos, mas também ainda observamos uma elevada capacidade ociosa em vários setores produtivos.

Muitos dizem que o nível de ociosidade no mercado de trabalho não é elevado, mas do ponto de vista da composição desses empregos, há uma possibilidade de gerar novos empregos, mais produtivos e mais competitivos, sem gerar pressões inflacionárias. Há espaço para a economia crescer mais sem gerar pressão inflacionária.

Evidentemente que o cenário internacional também colabora nesse ponto de vista. Estamos prevendo uma desaceleração mais forte da economia americana no segundo semestre, um crescimento menos robusto do que o inicialmente esperado da China. Esses fatores ajudam a jogar os preços internacionais para baixo e colaboram com o nosso cenário de convergência da inflação para a meta a partir do próximo ano, e se concretizando em 2025 e 2026.

IM: Existe possibilidade de o CMN, na próxima reunião de junho, ajustar metas de inflação já estabelecidas? Há espaço para eventual discussão sobre revisão da meta de 2024?

GM: Na Fazenda, 29 de junho é longo prazo. Esse tema não está hoje na minha mesa, na nossa agenda. Mas eu participo das discussões com atores do mercado, da imprensa e ouço muito sobre ele. Acho que é um assunto relevante, não só no Brasil como no mundo inteiro. Todos os países que têm metas de inflação estão com muita dificuldade em cumpri-las. Inclusive, na comparação internacional, o Brasil é um dos países que está se saindo melhor.

É verdade que parte da desaceleração da inflação no ano passado tem a ver com uma política eleitoral do antigo governo com o preço da gasolina. Por outro lado, o Brasil realmente iniciou seu ciclo de aperto monetário muito antes dos outros países − foi um ciclo muito mais intenso e está durando muito mais. Isso já tem efeitos claros na economia. O mercado de crédito tem mostrado desaceleração significativa, ele é um dos principais vetores para explicar a desaceleração econômica nesse ano.

De um ponto de vista mais geral, acreditamos que essa desaceleração vai ajudar a inflação a convergir para a meta, mesmo que ela talvez não seja tão grande quanto o mercado inicialmente esperava. O mercado estava falando em 0,8% de crescimento para este ano, hoje já está convergindo para 1,4%, 1,5%.

De toda forma, a discussão da meta também enseja um debate que julgo sempre saudável, de olharmos os exemplos internacionais. Nós fizemos essa análise da institucionalidade do regime de metas mundo afora e percebemos que o Brasil está um pouco fora das boas práticas no que tange à temporalidade, ainda muito preso ao ano-calendário, enquanto a maior parte dos países tem metas de médio prazo ou contínuas.

Acho que sempre há espaço para aprimorar a institucionalidade olhando os exemplos internacionais. Há, claro, sempre espaço na academia e na imprensa para se debater qual seria a baseline inflation (inflação base) para o país. Há espaço para todo tipo de discussão. O que nós fizemos até agora foi esse balanço sobre as taxas de juros reais, os diferentes desenhos de cada regime de metas de inflação, e o que encontramos foi essa atipicidade do regime brasileiro. O ministro já falou sobre isso mais de uma vez na imprensa, mas não há até o momento nenhum debate sobre mudança da meta.

IM: Nem do ponto de vista metodológico, como a questão do ano-calendário ou a referência seria ao parâmetro? 

GM: Do parâmetro não existe nenhum debate. Quanto ao ano-calendário, nós fizemos um estudo, apresentamos ao ministro, foi discutido, ele fala sobre isso…

IM: Quais são os entraves para a mudança metodológica avançar? Ela parece mais aceita, já que existe um descasamento temporal até que o aumento na taxa de juros produza plenamente seus efeitos.

GM: Eu não vejo entraves. Temos uma agenda que está sendo implementada, de mudanças na estrutura tributária, na estrutura de regras fiscais. Tudo isso vai contribuindo para a harmonização da política macroeconômica como um todo. Se, em algum momento, tanto o ministro quanto a autoridade monetária entenderem que esse tema é relevante ser debatido, acho que eles vão se sentar, discutir e chegar a um termo sobre qual é o melhor caminho a seguir.

Neste momento, não é o que está na nossa agenda, mas obviamente que a qualquer momento que esse tema aparecer no debate, seja pelo Banco Central, seja pelo ministro ou quem for, nós estaremos prontos para trazer o embasamento técnico, a discussão acadêmica e a experiência internacional para municiar qualquer tipo de decisão que exista. Mas hoje não é a pauta que está sendo discutida. Estamos muito focados na pauta fiscal.

IM: Mas os estudos já foram feitos…

GM: Nós temos um primeiro feito lá atrás, que é um comparativo entre taxas de juros, metas de inflação, desenhos do regime etc. Um grande painel que ajuda a entender onde o Brasil está alinhado e onde está menos alinhado.

IM: Qual foi a conclusão da pasta nesses estudos quanto aos parâmetros usados pelo Brasil?

GM: Quando fizemos o estudo, existiam duas atipicidades, dois fatores em que o Brasil estava distante em relação a seus pares e aos países que adotam metas de inflação. O primeiro era desenho, principalmente a questão do ano-calendário. E o segundo era o nível de taxa de juros real do Brasil, que ainda hoje é a mais alta do mundo e [antes] estava muito distante dos seus pares. É um campeonato que não é agradável liderar.

IM: Como o senhor enxergou as mudanças no arcabouço fiscal implementadas pela Câmara dos Deputados? Alguns dos pontos mais destacados foram a inclusão dos “gatilhos”, que gerou preocupações na base do governo quanto à execução de políticas públicas no longo prazo; e a inclusão de todos os parâmetros na regra, reduzindo a flexibilidade do dispositivo.

GM: A questão dos gatilhos já estava presente na regra anterior. Houve um entendimento dentro do parlamento de que seria importante ter medidas de “enforcement” (impositividade) mais estritas para o caso de não cumprimento das metas. Eu não acho que ela inviabiliza políticas públicas, até porque estamos confiantes na nossa capacidade de gerir a política fiscal e cumprir as metas. Mas mesmo que, por alguma circunstância, isso não ocorra, há um conjunto de limitações que não são perenes e que podem, num curto espaço de tempo, colaborar para retomar a trajetória inicialmente estabelecida.

Vejo como uma decisão democrática do Congresso. Acho que foi muito importante mantermos a ideia de descriminalização da política fiscal. Ou seja, você tem que fazer tudo o que estiver a seu alcance, dentro de determinados limites, para alcançar as metas que você estabeleceu. Caso não alcance, há mecanismos de correção que são colocados na regra, mas não se cometeu um crime, não se personaliza e não se cria uma instabilidade política que inviabilize a continuidade do governo.

Também não se cria aquele incentivo para ficar mudando a meta a cada momento, porque não é crime. Então, acho que o desenho final, de alguma forma, contempla aquilo que mais nos preocupava. Não vejo problemas maiores desse ponto de vista.

IM: E os parâmetros?

Na nossa ideia, estabelecemos parâmetros para a gestão atual, que achamos adequados para a realidade brasileira atual, para a realidade fiscal do país e para as necessidades de recuperar um resultado primário positivo, estabilizar a dívida pública. Mas, em nosso desenho original, imaginamos que, a partir de determinado momento − ou de um novo governo ou quando estabilizasse a dívida pública −, seria possível repensá-los.

Isso (a delimitação dos parâmetros na própria lei complementar) também não impede o desenho da regra de se tornar perene. Se no futuro houver uma avaliação de que tudo mudou, as circunstâncias mudaram e é preciso fazer ajustes, sempre é possível fazê-los dentro da própria lei, mantendo o desenho. Mas essa não é nossa intenção. Nós já tínhamos nos colocado parâmetros que entendemos adequados para a realidade. O parlamento concordou, tanto que os aprovou, e aprimorou algumas questões.

Se esses parâmetros realmente vão se demonstrar adequados sempre ou se futuramente, em algum outro governo, houver a necessidade de ajuste de parâmetros, há sempre a possibilidade de correção do Congresso Nacional.

IM: Como resolver o problema dos precatórios? Alguns economistas defendem como solução reconhecê-los como uma espécie de despesa financeira. O que está sendo estudado pela pasta?

GM: Esse é um tema que herdamos. O governo anterior criou uma sistemática que adiou o pagamento de precatórios e soma um valor bastante expressivo − e vai precisar ser equacionado para 2027. Ainda não existe uma solução definitiva. Há pessoas trabalhando nas possibilidades e acredito que é importante que nós antecipemos algumas delas em algum momento ao longo deste governo. É um acerto de contas que o governo terá que fazer, ninguém está falando ou imaginando que não será pago. Existem várias possibilidades de como fazer esse acerto de contas.

IM: O que está sendo considerado?

GM: Esse é um tema que, ao longo do tempo vai precisar ser resolvido, mas que ainda não tem uma solução elaborada definida e definitiva. Assim que tiver alguma hipótese, isso vai ser anunciado. Nós estamos concentrados neste momento em reconstruir a perspectiva de previsibilidade e credibilidade da política fiscal, que vai nos permitir harmonizar a política macroeconômica. Esse (precatórios) é um fator que no futuro certamente vai entrar na contra, mas que no momento certo vai ser endereçado. Se junho é longo prazo, 2027 ainda há tempo para pensar em como lidar com essa herança preocupante que trazemos do governo passado.

IM: Agora que o novo arcabouço fiscal foi aprovado na Câmara dos Deputados, quais são os próximos passos da agenda econômica?

GM: Obviamente, o próximo passo é a votação no Senado Federal e a aprovação definitiva da lei. Mas agora também temos outras agendas que consideramos muito importantes para o Brasil, como a da reforma tributária, que está sendo discutida e vai ser votada nos próximos meses – a agenda da reforma sobre o consumo, e, no segundo semestre, a da reforma sobre a renda.

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