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O capitalismo fraudulento, aula de antieconomia para iniciantes

Não podemos mais conviver com esse arremedo de capitalismo que só serve para manter alguns poucos mais ricos e a imensa maioria na pobreza

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Algumas pessoas, e não só os meus colegas economistas, acreditam piamente no capitalismo, e não enxergam nada além deste pardacento horizonte. Mais que isso, creem, com indisfarçável fanatismo, na liberdade total dos mercados e autonomia plena dos agentes econômicos. Acreditam que o instinto  empreendedor dos empresários nos conduzirá ao desenvolvimento e ao Estado de bem-estar Social. Acredite se quiser.

 A despeito de toda propaganda enganosa dos grandes veículos de comunicação e de seus “analistas” e “especialistas” de plantão, que martelam diuturnamente a cantilena falaciosa e ufanista desse modelo de capitalismo, aprendemos todos, a duras penas, lição após lição, que em verdade o capitalismo é uma fraude.

Por quê? Explico a seguir. O padrão monetário internacional é uma ficção. Sobre a falsa paridade do dólar e sua falta de lastro já se tornou redundante e/ou ocioso discorrer. ”O dólar é moeda falsa!” – já nos alertara o sábio Tom Zé nesses tempos arriscados de globalização financeira. Sobre o montante da dívida norte-americana, tampouco. Não se deve tratar de “obscenidades explícitas” nesse espaço.

No passado recente, você certamente ainda se lembra, tivemos o caso das manipulações contábeis dos balanços das grandes corporações – aqui no Brasil, nos EUA e na Europa. Numa simples manipulação de rubricas, o que era despesa virava receita; o que era gasto transmutava-se em investimento. Detalhe: essas empresas vendiam suas ações em bolsas de valores. Ou seja, os investidores compravam gato por lebre; compravam, muitas vezes, um papel cujo valor no pregão ou no mercado não correspondia ao seu valor real. Aliás, esse conceito de “valor”, bem como o de “liberdade” e “justiça”, no capitalismo, são bastante “frouxos” ou “elásticos”. Esses valores são quase sempre corrompidos pela usura e pela ganância.

Quer um conselho de um “antieconomista”? Pequeno investidor, fuja da bolsa! Prefira a boa e velha poupança.

Em seguida tivemos a crise do subprime que veio num crescendo até explodir em 2008. Títulos hipotecários “podres”, até então considerados “bons”, “”líquidos” e “certos” e aceitos como se moeda-corrente fossem. Eram “derivativos”, espécie de “moeda da moeda”, que chegaram ao paroxismo de serem consideradas como uma “quase-moeda”; um valor consequente/derivado  de um outro valor (daí o termo “derivativo”). Créditos assim eram oferecidos à larga, lastreados em hipotecas de segunda linha, de liquidez duvidosa – em verdade, liquidez inexistente (daí o termo “subprime”). 

Isso tudo é passado, já passou, decerto? Nem tanto. Suas consequências danosas são perceptíveis ainda hoje. Muitas vidas foram arruinadas e muitas famílias literalmente conheceram a rua da amargura. E, apesar das evidências, as vozes do atraso e do conservadorismo empedernido insistem em martelar: “A livre iniciativa, sem a presença reguladora do Estado “leviatã”, nos conduzirá ao paraíso!”.  O Estado, para fiscalizar, é “leviatã”; já para socorrer empresários inescrupulosos e/ou falidos é a “providência divina”. Música para embalar o sono dos inocentes.

Agora temos o “escândalo” do caso das manipulações das taxas de juros por grandes instituições bancárias internacionais. Chega-nos a notícia de que o Royal Bank of Scotland pagará às autoridades dos EUA e Reino Unido algo em torne de US$613 milhões, e que assumiu culpa por operações fraudulentas no Japão – essa vultosa soma paga seria um “acordo de cavalheiros” (cavalheiros?!) para arquivar as acusações de que manipulou juros. Ou seja: assumiu a fraude. Isso é o capitalismo.

Estaria então o capitalismo condenado pela sua obsolescência intrínseca?

Não. Nem de longe sou daqueles que são radicalmente contrários ao sistema capitalista, tampouco sou socialista [mas, por favor, não diga isso aos meus amigos socialistas]. Até que gostaria de viver num capitalismo, mas num “de verdade”, pra valer, com empresas que realmente funcionem de fato e vendam produtos ou serviços com a mínima qualidade esperada. 

Defendo aquilo que chamo de “sociocapitalismo” ou “capitalismo de Estado”. Isso dito assim em poucas palavras, pois o espaço aqui exige um poder de síntese que não sou possuidor. Um capitalismo sob a égide da regulação do Estado, e que vise uma divisão mais equânime da riqueza e da renda. Em síntese: o capital com justiça social. 

São características desse modelo utópico de capitalismo a predominância de bancos públicos em lugar dos privados, o estabelecimento de uma Lei de Responsabilidade Social como cláusula pétrea da Constituição, que seria, portanto, parte integrante de uma política de Estado, não de governo; controle e taxação dos grandes salários e fortunas; redução e fiscalização rigorosa dos gastos dos partidos; racionalidade tributária; carga de trabalho de 6 horas/dia; fortalecimento do Estado e dos órgãos de controle: MP, PF, Tribunais de Contas; fortalecimento do Judiciário, dos sindicatos, dos órgãos de imprensa etc.; dentre outras medidas.

Não podemos mais conviver com esse arremedo de capitalismo que só serve para manter alguns poucos mais ricos e a imensa maioria na pobreza. Aliás, esse é, desde sempre, infame lugar-comum, o grande pecado e vergonha da economia e da humanidade – ou da falta desta. 

A crise na Europa é uma lição emblemática que, aparentemente, nos recusamos, novamente, a assimilar. 

Não, a culpa não é do ministro Mantega.

 

 

Lula Miranda

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