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Economia

Operação Ouro Branco

Nesta última quinta-feira, 18 pessoas de uma cooperativa foram condenadas por adulteração. E não se fala mais em Parmalat – até porque nós fomos as principais vítimas de todo esse processo

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Outubro de 2007. Estávamos há pouco mais de três anos à frente da subsidiária brasileira da Parmalat. No fim de 2003, após a descoberta da maior fraude contábil de todos os tempos, a empresa quase foi à falência na Itália e nos países onde mantinha atividades – o Brasil era um de seus principais mercados.

Em quatro anos de trabalho, recuperamos a credibilidade da marca e reconstruímos as relações com fornecedores e clientes. Naquele mês de outubro, a Parmalat era novamente líder de mercado, tanto em volume de produção como em margem operacional, e estava pronta para dar seu grande salto. Faríamos um lançamento de ações para colocar em marcha um plano que poderia revolucionar o mercado de leite no Brasil, melhorando a qualidade dos rebanhos e a produtividade das bacias leiteiras.

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No nosso time, havíamos nos dividido em road-shows nacionais e internacionais. Todo o processo atraía o interesse de grandes investidores, animados não só com a recuperação da Parmalat brasileira, mas também com a perspectiva de que o Brasil se tornasse um grande fornecedor global de lácteos, similar ao que faz com proteína animal, por vocação.

Tudo estava pronto quando, de repente, veio o pesadelo. Um jovem delegado da Polícia Federal convocou a imprensa, para denunciar que havia soda cáustica no leite da Parmalat. A denuncia se baseava na Operação Ouro Branco, investigação que deflagrou a contra duas pequenas cooperativas de leite, Coopervale e Casmil, que estariam adulterando sua produção, com a adição de soda cáustica ao leite, e fornecendo esse leite a empresas que o industrializavam.

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Dias depois, começamos a perceber que, por trás de tudo, poderiam estar interesses não compensáveis. As primeiras notícias de jornal davam conta de o leite dessas cooperativas era comprado por empresas pequenas e também pela Calu, quando o fato concreto era que, sim, tais cooperativas vendiam para todas as empresas do mercado, inclusive Perdigão, Danone e Nestlé, mas não leite adulterado. Até porque, companhias de maior porte, como a Parmalat, sempre analisavam os produtos antes da entrada nas fábricas – mais de 15 mil carretas/ano eram devolvidas aos fornecedores Poe qualidade inadequada à produtos Parmalat.

Mas as intenções ficavam cada vez mais claras quando colunistas, de grande prestígio, começam a disseminar a informação de que, depois da Operação Ouro Branco, o lançamento de ações deveria ser cancelado.

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Estávamos diante de várias crises paralelas, relacionadas a vários públicos: potenciais investidores, imprensa e autoridades. No meu caso, interrompi minhas atividades e desembarquei em Uberaba, centro das investigações, para dialogar com policiais e promotores envolvidos. Havia, de forma deliberada ou não, uma espetacularização de tudo. Uma dessas autoridades chegou até a comprar uma caixa de leite longa vida da Parmalat no supermercado, que havia sido produzida com leite de vacas holandesas em Carazinho, no Rio Grande do Sul, e não na região das cooperativas fraudadoras, para aplicar um teste que sequer estava no rol dos testes oficiais – o que, horas depois, apareceria no Jornal Nacional.

Em paralelo, as autoridades não assumiam suas responsabilidades. O então ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, que deveria tranquilizar a população em relação ao consumo de um produto de primeira necessidade – note-se que o longa vida responde por mais de 70% do consumo de leite no Brasil – jogou mais lenha na fogueira. Disse que não bebia leite de caixinha, só leite fresco. E pior, não esclareceu que o teste aplicado para avaliar o leite suspeito – teste de alcalinidade das cinzas – simplesmente não é recomendado para ser utilizado em leite longa vida. O leite longa vida contem substâncias para alongar a vida útil, e por este motivo sempre acusa alcalinidade em suas cinzas. O mesmo não somente deixou de esclarecer que o teste estava errado, como tambem deixou de esclarecer que decidiu aplicar tal teste equivocado no leite.

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O ministro então soltou uma ordem para recolher o produto supostamente contaminado. Entretanto, por um “erro”, a ordem de recolhimento não mencionava o numero do lote fazendo com que os supermercados do pais devolvessem todo o produto que tinham em estoque. Apesar da imediata reação da Parmalat, o ministro demorou semanas para esclerecer o mercado, o que custou centenas de milhões de reais de prejuízo à Cia. Adicionalmente o ministro, com muito estardalhaço, interviu e fechou fabricas da Parmalat em todo o país, mesmo sabendo que estas fabricas ficavam a centenas de kilometros da área de atuação da cooperativas fraudadoras.

Enquanto tentávamos apagar o incêndio, que claramente beneficiava nossos concorrentes, preocupados com a volta da Parmalat não só ao mercado, mas também ao mercado de capitais, recebíamos uma informação preocupante: o preço de lançamento de ações deveria ser reduzido de R$ 14 para cerca de R$ 7. Ou seja, se prosseguíssemos com a oferta de ações, captaríamos cerca de R$ 500 milhões, e não R$ 1 bilhão, como estava previsto.

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Tínhamos que tomar uma decisão rápida: abandonar todo o processo ou prosseguir, mesmo diante do choque provocado pela Operação Ouro Branco. Para isso, foi fundamental a reflexão tomada pelo controlador da companhia, Marcus Elias, que decidiu seguir em frente e realizar um prejuízo de R$ 500 milhões.

Olhando em retrospectiva, foi a melhor coisa a fazer. Sem o IPO, os ataques tenderiam a se intensificar. E a empresa talvez fosse levada à falência – o que poderia ser a intenção daqueles que se aproveitavam da Operação Ouro Branco para defender seus interesses particulares. O enfraquecimento da Parmalat poderia favorecer especialmente duas empresas: a Nestlé, que pretendia se lançar no mercado de leite fluído com a marca Ninho, como de fato fez, e a Perdigão, que havia adquirido as marcas Batavo e Elegê.

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Hoje, mais de quatro anos depois da Operação Ouro Branco, que prejudicou dramaticamente uma empresa, seus investidores e desorganizou o próprio mercado de leite no Brasil, o que resta? Nesta última quinta-feira, 18 pessoas da cooperativa foram condenadas pela adulteração. E não se fala mais em Parmalat – até porque nós fomos as principais vítimas de todo esse processo.

Eis aí um caso típico da irresponsabilidade de agentes públicos e dos riscos desnecessários que ainda estão associados à atividade empresarial no Brasil. Estamos falando de fazer negócios no Brasil, e não na Rússia.

Othniel Lopes é executivo e já atuou em empresas como Bunge, Macri e Parmalat. Escreve regularmente no 247 sobre o tema gestão

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