Cadeira Compartilhada: ‘Airbnb da beleza’ transforma salões e empodera profissionais
Plataforma criada por duas mulheres conecta cadeiras ociosas em salões de beleza a profissionais autônomos, novo modelo de sustentabilidade no mercado
Beatriz Bevilaqua, 247 - O mercado da beleza no Brasil, um dos maiores do mundo, está passando por uma silenciosa revolução. E ela vem das bordas das experiências concretas de quem vive o dia a dia dos salões, dos desafios de quem precisa pagar boletos, sustentar filhos e ainda sonhar com mais justiça nas relações de trabalho. É nesse cenário que nasce o Cadeira Compartilhada, uma plataforma criada por Alexandra Romana e Bia Mattos para conectar cadeiras vazias em salões de beleza a profissionais independentes.
Mais do que um modelo de negócios, a iniciativa propõe uma nova forma de pensar o trabalho, o espaço e a autonomia no setor. O Brasil tem milhares de salões, e cerca de 40% das cadeiras ficam ociosas diariamente. Para Alexandra, que atua há mais de 25 anos na área e já foi mãe solo e desempregada, essa cadeira vazia virou uma oportunidade de transformação. “Essa cadeira é um ativo. É um serviço parado que pode gerar renda para quem tem o espaço e para quem precisa trabalhar.”
A plataforma nasceu de um encontro entre duas experiências complementares: Alexandra, profissional da beleza, e Bia, ex-franqueada de salão com experiência em gestão e estratégia. As duas se conheceram em um programa de ideação do Sebrae e perceberam que compartilhavam a mesma dor e a mesma vontade de resolvê-la. Uniram forças para criar um modelo que não dependesse da velha lógica do comissionamento, que muitas vezes gera tensão entre donos de salão e profissionais autônomos.
No Cadeira Compartilhada, o dono do espaço anuncia gratuitamente a cadeira ociosa e, quando o profissional autônomo faz o match, acontece a locação direta. É simples, direto e mais equilibrado. “A gente propõe uma nova lógica, que reconhece o valor do profissional e rentabiliza o espaço com mais inteligência”, diz Bia.
Empreender por sobrevivência e por propósito
A trajetória de Alexandra é comum a muitas mulheres brasileiras: empreendedorismo por necessidade. Desempregada, encontrou na beleza uma forma de sustento. Mais tarde, estudou estética, depois administração, e passou a olhar o setor com mais criticidade. “Empreender no Brasil é desafiador, mas quando você encontra apoio e uma comunidade, fica mais possível. Hoje, as mulheres estão tomando a frente dos seus negócios. É preciso reconhecer essa força.”
A ideia de "empreender com propósito" se fortalece na fala das duas. A sustentabilidade, para elas, não é apenas discurso: está no uso racional do espaço, na redução do desperdício, na flexibilidade para o profissional, na autonomia para quem já carrega muitos pesos no dia a dia. “O mundo está urrando por negócios sustentáveis”, diz Alexandra. “E sustentabilidade, para nós, é também pensar na água que se gasta no salão, no lixo que se produz, no impacto ambiental da beleza.”
As duas também apontam os limites da Lei do Salão Parceiro, que tentou formalizar a relação entre espaços e profissionais, mas ainda deixa muitos descontentes. “O profissional sente que ganha pouco, o dono do salão sente que paga muito. As forças seguem em conflito. Por que não propor um modelo novo, baseado em colaboração e autonomia?”, provoca Bia.
A proposta do Cadeira Compartilhada é essa: oferecer uma alternativa viável, sustentável e justa sem exigir que o profissional tenha que abrir o próprio espaço, com todos os custos que isso implica. Com a plataforma, ele pode circular, atender onde estiver sua clientela, cuidar da própria imagem, construir sua marca e ainda se livrar da rigidez dos contratos tradicionais. Hoje, a iniciativa atua no Rio de Janeiro com sete profissionais ativos e três salões parceiros, e tem planos de expansão.
O futuro da beleza é coletivo
Se o Brasil é um dos países que mais consome produtos e serviços de beleza, é hora de refletir sobre como esse consumo se organiza. “Hoje, o cuidado com o corpo tem mais propósito. É autoestima, é saúde, é presença. Mas também precisa ser justo, sustentável e acessível”, diz Bia. A dupla acredita que o mercado da beleza não precisa ser regido por precarização nem pelo individualismo e pode, sim, ser um espaço de autonomia, renda e dignidade.
Estas empreendedoras estão propondo algo muito maior do que uma solução para salões de beleza. Estão criando um modelo de economia compartilhada, de colaboração real e de protagonismo feminino num dos setores que mais empregam no país. Em um país onde empreender, para muitas mulheres, ainda é um ato de resistência, o Cadeira Compartilhada mostra que é possível começar pequeno, com uma cadeira vazia, e gerar impacto profundo.
Assista à entrevista completa aqui:
