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Ciência brasileira em 3D: startup da Unicamp leva biotecnologia de saúde ao cenário internacional

Criada por Bruna Manzini, a 593iCAN desenvolve impressoras e softwares para produzir tecidos artificiais, testar medicamentos e chega à Europa

Bruna Manzini, doutora pela Unicamp e cofundadora da 593iCAN Soluções em Impressão 3D (Foto: Divulgação )

Beatriz Bevilaqua, 247 - A ciência brasileira ganha novos contornos quando tecnologia, universidade pública e empreendedorismo se encontram. É o caso de Bruna Manzini, doutora pela Unicamp e cofundadora da 593iCAN Soluções em Impressão 3D, empresa que desenvolve impressoras e softwares capazes de produzir tecidos artificiais, testar medicamentos e revolucionar rotinas hospitalares e farmacêuticas. O projeto, criado por ela e pelo marido, o professor e cientista José Luis Dávila Sánchez, acaba de ser selecionado pela ApexBrasil e pelo Sebrae para um programa de internacionalização que levará apenas dez startups brasileiras a Lisboa.

A trajetória de Bruna, porém, começou muito antes do reconhecimento oficial. “Sempre fui curiosa. Meus brinquedos preferidos eram microscópios e jogos de montar”, lembra. O caminho natural foi a ciência: formou-se em Farmácia, trabalhou em hospitais, ingressou no mestrado e doutorado em Engenharia de Tecidos, área da medicina regenerativa que combina células e biomateriais para criar tecidos artificiais e estudar doenças complexas.

Durante esses anos, Bruna e Dávila enfrentaram um obstáculo comum na pesquisa brasileira: a falta de equipamentos acessíveis e adequados. “Quando percebemos que as impressoras 3D necessárias para nossos estudos não existiam no Brasil, entendi que era hora de criar uma solução”, conta. Assim nasceu a 593iCAN, que hoje desenvolve impressoras capazes de trabalhar com géis e hidrogéis nos quais é possível misturar células humanas e imprimir estruturas que simulam tecidos reais.

A impressão 3D utilizada pela empresa consiste no depósito sucessivo de camadas de hidrogel a partir de seringas acopladas à máquina, permitindo a criação de estruturas tridimensionais semelhantes a tecidos biológicos. Esse processo possibilita misturar diferentes tipos de células dentro do gel, de forma a reproduzir tecidos como a pele, investigar o comportamento de doenças e testar medicamentos em modelos personalizados, inclusive com células de pacientes que apresentam resistência a determinados fármacos. 

A mesma tecnologia também vem sendo aplicada em pesquisas alimentares, no desenvolvimento de formulações para idosos com dificuldade de deglutição e na criação de géis capazes de reunir vários princípios ativos em uma única dose mais fácil de consumir.

Do laboratório ao impacto social

Muitas dessas tecnologias, até pouco tempo atrás, permaneciam restritas a laboratórios e raramente chegavam ao mercado. Hoje, a 593iCAN rompe essa barreira ao produzir soluções inteiramente nacionais que atendem demandas reais de pesquisadores e instituições públicas. “É muito gratificante saber que produzimos no Brasil equipamentos que ajudam pesquisadores a acelerar descobertas e, futuramente, melhorar tratamentos que chegam à população”, afirma Bruna.

A maioria dos clientes da startup já está no setor público: universidades estaduais e federais, institutos ligados ao Ministério da Ciência e Tecnologia e laboratórios acadêmicos. A empresa atua em nove estados brasileiros. O próximo passo é ainda mais ambicioso: entrar no mercado de medicamentos personalizados e colaborar diretamente com hospitais, farmácias de manipulação e, potencialmente, com o SUS.

Bruna participa de um projeto que busca desenvolver tecnologias aplicáveis à rede pública. “É uma forma de devolver para a sociedade o conhecimento que recebi da universidade pública”, diz.

A seleção para o programa da ApexBrasil e do Sebrae foi recebida com surpresa e entusiasmo. “Demorou para cair a ficha. É uma honra representar a ciência brasileira”, diz a empreendedora, reconhecendo que o mercado global é competitivo, mas também cheio de oportunidades. Concorrentes chineses e europeus se movem rápido, o que torna ainda mais valiosa a presença no ecossistema europeu, onde a empresa busca parcerias, validação regulatória e aprimoramento de novos modelos.

Com a aceleração tecnológica constante, Bruna acredita que o diferencial da 593iCAN está na profundidade científica da equipe. “Somos um time de mestres, doutores e profissionais atentos às tendências. A inovação só se sustenta com pesquisa séria, e isso sempre foi nosso ponto forte.”

Empreender na ciência 

Para quem está na academia e sonha em empreender, Bruna deixa um recado. “É possível e necessário romper a barreira histórica entre laboratório e mercado”, disse. Ela defende a participação em programas de inovação, o estudo de conceitos de empreendedorismo e o desenvolvimento de habilidades de gestão, comunicação e liderança, que se somam à base técnica da pesquisa. Mais do que isso, recomenda ouvir a própria vocação: “Muita gente ama ciência, mas não quer seguir carreira acadêmica. Empreender pode ser o caminho para transformar conhecimento em impacto real.”

A história de Bruna Manzini mostra que o Brasil tem tecnologia, ciência e capacidade de produzir soluções de ponta, desde que existam pontes entre universidades, políticas públicas e ecossistemas de inovação. 

Assista na íntegra aqui: