Falta de crédito limita expansão do empreendedorismo negro no Brasil
Conferência Future in Black destaca desafios e iniciativas para garantir inclusão financeira e equidade racial no empreendedorismo brasileiro
247 - A dificuldade para obter crédito é um obstáculo comum a micro e pequenos empreendedores no Brasil, mas, para a população negra, esse caminho é ainda mais árduo. Segundo Fernando Soares, gerente do Mover – Movimento pela Equidade Racial, “pessoas negras têm três vezes mais dificuldade de acesso a crédito”. A declaração foi feita na abertura da conferência Future in Black, realizada em São Paulo (SP), que reuniu nesta quarta-feira (15) representantes de empresas e instituições públicas para debater inclusão e oportunidades no mundo dos negócios. A informação é do Sebrae Nacional.
De acordo com levantamento do Sebrae, existem cerca de 16 milhões de empreendedores negros no país, com faturamento médio mensal de R$ 2,5 mil. No entanto, apenas 26% desse grupo já conseguiu acessar algum tipo de crédito formal. A disparidade reflete um sistema financeiro ainda permeado por critérios excludentes, como explica Eraldo Ricardo dos Santos, gerente adjunto de Diversidade e Inclusão do Sebrae Nacional.
“A matriz de análise de crédito das instituições financeiras pressupõe garantias e o CEP da residência. Ocorre que mais de 80% da população negra não tem propriedades e a maioria dos endereços é considerada vulnerável, então o score cai”, destacou Santos, ao apontar que o sistema, mesmo indiretamente, acaba reproduzindo barreiras raciais.
Para reduzir essas desigualdades, o Sebrae e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) lançaram o Fundo Garantidor de Investimento (FGI), que cobre até 80% do valor do empréstimo em caso de inadimplência. Além disso, o Sebrae estuda, em parceria com o Mover, a criação de linhas de crédito exclusivas para pessoas negras.
A proposta também encontra respaldo no setor público. Daiesse Jaala, chefe de Auditoria de Licitações e Contratos da Advocacia-Geral da União (AGU), defendeu que “é necessário que o setor público cobre do setor privado o compromisso com a promoção da equidade racial como condição para a contratação de serviços”.
A realidade das barreiras financeiras é conhecida de perto por Anderson Marcelo, fundador da startup Delivery das Favelas, criada no Rio de Janeiro em 2021. A plataforma conecta comerciantes e consumidores em comunidades que, muitas vezes, são ignoradas por serviços de entrega convencionais.
“Foi muito difícil obter crédito, consegui em um banco privado, mas pagando juros altíssimos”, relatou Anderson. Ele destacou que sua empresa nasceu da própria experiência de exclusão: “As transportadoras não queriam entrar na favela alegando risco de violência. Em quatro anos de atividade, temos 0% de sinistro”, comemorou.
O Sebrae apoiou a participação de Anderson e de outros empreendedores no Future in Black, oferecendo espaço para divulgação e networking. No lounge da instituição, o destaque foi o chá de rooibos orgânico, apresentado por Flávia Barbosa, microempresária e fundadora da Capins da Terra, especializada em blends e workshops sobre chás.
“Dificuldades no mercado de trabalho me levaram a empreender. Era isso ou aceitar subempregos, basicamente”, contou Flávia, que atua no setor há sete anos e é cliente do Sebrae desde o início de sua trajetória.
Outros exemplos de inovação negra também chamaram atenção no evento. A Infleet, fundada em 2018 por engenheiros da Universidade Federal da Bahia (UFBA), desenvolve soluções tecnológicas para gestão de frotas, com foco em segurança e sustentabilidade. “Temos planos de expandir para a América Latina”, afirmou Vitor Reis, COO e um dos fundadores da empresa, lembrando que o negócio surgiu após participação no programa Inovativa, em 2017.
Já a Ideia Space, de Leonardo Souza, aposta na cultura maker e na educação espacial para alunos do ensino médio. “O espaço é acessível para todo mundo”, disse o empreendedor, reforçando a importância de democratizar o acesso à tecnologia e à ciência.
A terceira edição do Future in Black reforçou o papel das políticas de ação afirmativa no desenvolvimento econômico e social do país, com foco em oportunidades para empreendedores negros e periféricos.
“A gente precisa de ação! No nosso meio não tem meritocracia. Se não tivermos intenção de comprar de pequenos negócios afro, nossa realidade não vai mudar”, alertou Eraldo dos Santos, em um dos momentos mais aplaudidos do encontro.
O idealizador do evento, Douglas Vidal, anunciou que a conferência se tornará global em 2026, reunindo líderes de mais de 30 países. Ele também confirmou a criação do Instituto Future in Black, voltado a formar executivos negros em posições de liderança.
