Povo Paiter Suruí transforma café e turismo em força de autonomia
Comunidade indígena em Rondônia ressignifica cafezais herdados, cria turismo sustentável e comunicação própria para fortalecer cultura e renda
247 - Do alto, a Terra Indígena Sete de Setembro, entre Rondônia e Mato Grosso, aparece como um grande retângulo verde em meio ao avanço do desmatamento. É o território do povo Paiter Suruí, que, em tupi-mondé, significa “gente de verdade”. São pouco mais de 1.200 pessoas distribuídas em cerca de 40 aldeias e 250 mil hectares de floresta protegida.
Segundo reportagem da Agência Sebrae de Notícias, os Paiter tiveram o primeiro contato oficial com não indígenas em 1969, em meio à política de ocupação da Amazônia pelo regime militar. Hoje, décadas após retomarem seu território, o povo transforma o que antes simbolizava invasão em fonte de autonomia, renda e preservação.
Café como símbolo de resistência e identidade

Quando os Paiter retomaram parte de seu território, encontraram os cafezais deixados por colonos. A princípio, havia resistência: o café era lembrança de um período de violência. Mas, como conta Celesty Suruí, primeira barista indígena do Brasil, “adotamos o café como se fosse nosso. Foi difícil, porque era símbolo de uma história de genocídio. Mas outra parte das lideranças viu ali algo especial, que poderia manter”.
Hoje, cerca de 176 agricultores de 35 aldeias cultivam café em sistemas agroflorestais, que integram árvores nativas e preservam o solo. O produto, batizado de Café Sarikab — nome de uma fruta da floresta com a qual os mais velhos confundiam o grão —, já conquistou o selo de café especial. Com notas de chocolate e castanha, é comprado integralmente pela Três Corações, dentro do projeto Tribos.
“Eu acredito que através do café temos o poder de mudar o futuro, de levar nossa cultura e tradição”, diz Celesty, que representa uma nova geração de empreendedores indígenas.
Turismo de base comunitária valoriza a floresta
Outra frente de desenvolvimento sustentável é o Complexo Yabnaby, um centro de turismo de base comunitária criado dentro da Terra Indígena Sete de Setembro. O projeto, idealizado por Almir Suruí, nasceu da necessidade de gerar renda e preservar a cultura tradicional.
“O turismo surgiu da nossa própria necessidade de gerar renda para as famílias do povo Paiter Suruí”, explica Almir. “No turismo estão educação, saúde, cultura e meio ambiente. Isso fortalece nossa comunidade e nossa autonomia.”
O Yabnaby recebeu cerca de 240 visitantes em 2024 e oferece experiências que incluem vivência com famílias locais, trilhas, culinária tradicional e visitas aos sistemas agroflorestais. O projeto recebeu apoio do Sebrae e do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio) para expandir a infraestrutura e capacitar moradores.
Comunicação feita pelos próprios Paiter
O protagonismo também chegou à comunicação. Jovens criaram o coletivo audiovisual Lakapoy, que produz vídeos e fotografias sobre o território e a vida nas aldeias. A iniciativa busca romper décadas de registros feitos apenas por olhares externos.
“O coletivo nasceu da necessidade de registrar o nosso povo com o nosso olhar”, afirma Ubiratan Suruí, um dos fundadores. O grupo atua em parcerias com documentaristas, realiza exposições e produz materiais em tupi-mondé. “Nosso sonho é que cada aldeia tenha um comunicador, para formar uma rede interna e também denunciar ameaças como o desmatamento”, diz ele.
