“Transformei minha dor em serviço de impacto positivo”, diz criadora da peça Mãe Arrependida
Solo teatral de Karla Tenório discute maternidade real e se consolida como negócio de impacto com rede de acolhimento entre mães
Beatriz Bevilaqua, 247 - Com 25 anos de carreira nos palcos e telas, a atriz Karla Tenório decidiu transformar uma experiência profundamente pessoal em um projeto artístico que hoje impacta milhares de mulheres: o solo teatral Mãe Arrependida. Mais do que uma peça, o espetáculo se tornou um movimento que une arte, saúde mental e uma crítica contundente à idealização da maternidade.
“A dor virou serviço de impacto positivo”, afirma Karla, ao explicar a origem do projeto, que já passou por cinco temporadas presenciais e acumula mais de 1.600 ingressos vendidos, além de 63 mil seguidores nas redes sociais. A obra nasceu de um incômodo real: o silêncio em torno do arrependimento materno e a ausência de uma rede de apoio concreta para as mulheres.
Quando sua filha nasceu em 2010, Karla se viu às voltas com um cenário bem diferente da maternidade que imaginava. “Eu me senti enganada. Tinha uma maternidade idealizada na cabeça. Ninguém falava da exaustão, do isolamento, da sobrecarga”, relembra.
A virada aconteceu durante a pandemia, ao tomar conhecimento do caso de uma mulher que tirou a própria vida com o bebê no colo. "Ali eu percebi que o silêncio era perigoso demais. Era preciso falar", conta. Foi então que Karla lançou, primeiro online, o projeto que mais tarde se tornaria o espetáculo Mãe Arrependida.
A peça aborda de forma crua e sem moralismo o tema do arrependimento materno. “A discussão que eu trouxe é justamente para que as mulheres se sintam livres de poder odiar a função da maternidade. Nem que seja por um instante. O problema é que essa palavra virou pecado. Mexe com religião, moralismo, com a estrutura do patriarcado”, disse.
Empreendedorismo feminino: sobrevivência e revolução
Por trás da potência artística, está também uma jornada de sobrevivência e reinvenção. Karla se define como uma empreendedora da própria vida — uma mulher que precisou transformar a arte em fonte de renda e resistência. “O que eu faço tem tudo a ver com empreendedorismo. Autonomia emocional começa com autonomia financeira”, afirma. “E nós, mulheres, não fomos subjetivadas para sermos autônomas financeiramente.”
Segundo ela, o espetáculo e o movimento nas redes sociais representam mais do que um trabalho artístico: são estratégias de autossustentação. “Sou mãe solo. Nunca tive um homem provedor. Vender minha peça é garantir meu sustento e da minha filha. É vender também acolhimento, é acolher essas mulheres com a minha história.”
Mãe Arrependida extrapola os limites do palco. Diariamente, Karla recebe dezenas de depoimentos de mulheres que compartilham suas dores, dúvidas e culpas. A iniciativa já mobilizou psicólogas e psiquiatras que oferecem apoio gratuito, especialmente a mães em situação de vulnerabilidade social.
“Muitas estão tão deprimidas que não conseguem nem pensar em empreender. A saúde mental deteriorada paralisa. E a culpa é uma ferramenta de controle do patriarcado. Ela impede qualquer movimento de emancipação.”
Além das mulheres, homens também participam das apresentações, muitas vezes levados por parceiras ou pela própria curiosidade. “Eles precisam ouvir. Não é só uma pauta feminina. É uma pauta da sociedade como um todo. Todo mundo é filho de uma mãe viva ou não viva.”
Maternidade compulsória e o trabalho invisível
A peça também toca em feridas estruturais. “Hoje, o trabalho de cuidado não remunerado, feito majoritariamente por mulheres, gera cerca de 10,8 trilhões de dólares para a economia global — mais do que toda a indústria da tecnologia”, afirma. Mas esse trabalho continua invisível, sem reconhecimento ou remuneração.
Essa sobrecarga, somada à falta de apoio e de políticas públicas, contribui diretamente para o adoecimento mental de milhões de mães. “Time is money? Só para quem não cuida. A conta não fecha para as mães. E isso também faz parte do arrependimento materno”, enfatiza Karla.
Karla deixa claro que seu propósito vai além da crítica. “O meu ofício é a arte. Meu propósito é oferecer serviço de impacto positivo através dela.” Para manter o projeto, ela também atua em publicidade e realiza parcerias com marcas lideradas por mulheres e alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
A próxima apresentação do espetáculo “Mãe Arrependida” já tem data marcada: 15 de maio, no Teatro Prio, no Rio de Janeiro. Os ingressos estão disponíveis para compra pela plataforma Sympla. Assista a entrevista na íntegra:
