Márcia Tiburi vê declínio da “onda fascista” no Brasil e alerta para papel decisivo do Judiciário
A filósofa afirma que bolsonarismo vive fase de desgaste e critica a “política como entretenimento”
247 - A filósofa e escritora Márcia Tiburi afirmou, em entrevista ao Brasil Agora, da TV 247, que o Brasil está vivendo o declínio da chamada “onda fascista”. Para ela, embora o bolsonarismo e seus representantes ainda tentem tensionar as instituições, a fase de maior ascensão já ficou para trás — e a resistência da sociedade civil e do Judiciário será fundamental para impedir retrocessos.
“Vivemos a onda fascista, ainda estamos nela, mas eu acho que estamos na queda dessa onda. O pico já foi e agora estamos na descida. Isso é preocupante, porque nunca se sabe se ela vai voltar com força, mas acredito que teremos um período de calmaria”, avaliou Márcia. Segundo a filósofa, o avanço democrático dependerá, sobretudo, da capacidade do Supremo Tribunal Federal (STF) de sustentar a Constituição diante de ataques da extrema direita.
O papel de Moraes e o risco institucional
Márcia destacou a atuação do ministro Alexandre de Moraes como central na defesa da ordem democrática, mas alertou para o grau de hostilidade que ele enfrenta. “O mais perigoso que pode acontecer é matarem o Alexandre de Moraes, porque ele não vai ceder. Ele sabe que está na mira e precisa vencer esses caras”, disse, ao classificar como “fascistas” parlamentares ligados a setores neofundamentalistas e neopentecostais.
A filósofa também lembrou que, apesar de não ser de esquerda e ter origem política ligada ao governo Michel Temer, Moraes se tornou uma figura decisiva para conter ações golpistas. Ela citou o episódio em que ministros do STF ligados ao bolsonarismo criticaram a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, reforçando que o ex-presidente é “um líder que não vingou” e que dificilmente será substituído por outra figura com a mesma força.
“8 de janeiro 2.0”
Para Márcia, a recente obstrução promovida por parlamentares bolsonaristas no Congresso Nacional foi uma tentativa de reeditar o espírito golpista do 8 de janeiro de 2023, mas com atores internos. “Eu chamei esse momento de 8 de janeiro 2.0. São caras imitando os invasores, só que de dentro”, afirmou.
Ela apontou que o Legislativo enfrenta hoje forte rejeição popular — que, segundo pesquisas, chega a cerca de 80% —, e que cada vez mais pessoas percebem que deputados e senadores atuam contra os interesses da população. “Aos poucos, o povo percebe que está sendo feito de otário. Não é só golpe contra a democracia, é golpe contra a vida de cada um”, disse, citando como exemplo a resistência do Congresso a medidas populares, como a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda.
No campo conceitual, Márcia explicou que o fascismo se sustenta num afeto negativo — o ódio —, contraposto aos afetos positivos, como o amor e a justiça, que fortalecem a democracia. “O ódio traz satisfação também, mas destrói quem odeia. O que vivemos na época de Bolsonaro foi uma sociedade movida pelo ódio, algo perverso no sentido psicanalítico”, avaliou.
Ela também criticou o uso do grotesco e do ridículo como “tecnologia política” — estratégia que, segundo ela, vem sendo explorada desde figuras como Marco Feliciano e Tiririca até performances atuais de deputados que se acorrentam ou colam esparadrapos na boca para criar conteúdo para redes sociais. “Transformaram a política num reality show. Só que agora a população não está achando bonito”, afirmou.
Esperança na “desimbecilização”
Apesar do cenário ainda polarizado, Márcia disse enxergar sinais de mudança na percepção popular, fenômeno que chamou de “onda de desimbecilização”. Para ela, cresce a consciência de que a desigualdade social não se resume à divisão entre ricos e pobres, mas também à relação entre “espertos e otários” no jogo político.
“Assim como houve a onda fascista de imbecilização que acompanhamos desde 2014, agora começa uma onda de nova consciência sobre a vida. Não é que as pessoas estejam pensando na democracia de forma abstrata; elas estão percebendo que estão sendo enganadas”, concluiu.



