A Revolta do Vinagre

José Saramago estaria maravilhado e muito satisfeito com os protestos no Brasil. Esse grito difuso e indeterminado, sem palavra de ordem mas que mobiliza tanta gente – como poucas vezes mobilizou na história do Brasil. Fica a imprensa tentando adivinhar: o que esse povo quer? E cata cacos para listar palavras de ordem. E cada lista sai com um conjunto de pedidos diferentes. Direitos? Corrupção? PEC 37? Educação? Saúde? É tudo isso e é muito mais. Os políticos, atrás de suas mesas de gabinete, estão em desespero porque a dúvida deles é maior ainda. Pelo menos os que têm alguma inteligência. Porque burro não tem medo de nada. O que devemos fazer para atender esse povo? O que eles querem? A revolução socialista? Tirar a presidenta? Derrubar o governador? O prefeito? Achincalhar deputados? Provocar a polícia? Não, nada disso. Pelo menos não a esmagadora maioria. Aquela imensa aglomeração pacífica cercada por escorpiões que dão botes, quebrando, pichando, provocando e fazendo o que escorpiões fazem. Os políticos não sabem o que fazer. A imprensa não sabe o que dizer, apenas mostrar a minoria violenta. E até os partidos de esquerda, como no Ensaio sobre a Lucidez de Saramago, ficam a usar o argumento: “Se são contra o sistema é porque estão do nosso lado, porque também somos”. Mas se enganam. Distorcem a seu favor. E são rechaçados, às vezes expulsos das manifestações sob vaias e gritos de “sem partido”. E mais uma vez a multidão mostra uma sabedoria digna dos livros de Saramago. Só os manifestantes sabem muito bem o que querem. Sua voz entalada, calada há 20 anos. E que agora grita por renovação. Grita por justiça. Grita por respeito. Não existe bandeira política que traduza isso. Mas o futuro são páginas brancas que serão escritas por esse povo de voz sofisticada que marcha pacificamente pelas ruas do Brasil. Vida longa às manifestações brasileiras da Revolta do Vinagre.

Gerson Neto é ativista e produtor audiovisual