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‘Aumento de preços é uma certeza’, diz engenheiro sobre Eletrobras

Engenheiro Ronaldo Custódio também avalia que a privatização da Eletrobras é um erro conceitual por tratar a eletricidade “como uma mercadoria” e não como um serviço essencial; ex-diretor técnico da Eletrosul, e professor no curso de especialização em Energias Renováveis da PUC-RS, ele explica que a decisão governamental vai na contramão da política energética adotada na maioria dos países, que em geral vêem a eletricidade como patrimônio do Estado ou de soberania nacional; “E sequer houve debate com a sociedade. As pessoas, de maneira geral, não sabem o que está acontecendo. É um patrimônio construído durante décadas que de repente, em trinta dias, resolve-se alienar”, diz

Engenheiro Ronaldo Custódio também avalia que a privatização da Eletrobras é um erro conceitual por tratar a eletricidade “como uma mercadoria” e não como um serviço essencial; ex-diretor técnico da Eletrosul, e professor no curso de especialização em Energias Renováveis da PUC-RS, ele explica que a decisão governamental vai na contramão da política energética adotada na maioria dos países, que em geral vêem a eletricidade como patrimônio do Estado ou de soberania nacional; “E sequer houve debate com a sociedade. As pessoas, de maneira geral, não sabem o que está acontecendo. É um patrimônio construído durante décadas que de repente, em trinta dias, resolve-se alienar”, diz (Foto: Leonardo Lucena)
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Gregório Mascarenhas, Sul 21 - A privatização da Eletrobras – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – empresa brasileira de geração, transmissão e distribuição de energia – significa, para o engenheiro Ronaldo Custódio, um erro conceitual por tratar a eletricidade “como uma mercadoria” e não como um serviço essencial. Ele é ex-diretor técnico da Eletrosul, idealizador do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul e professor no curso de especialização em Energias Renováveis da PUC-RS, e explica que a decisão governamental vai na contramão da política energética adotada na maioria dos países, que em geral vêem a eletricidade como patrimônio do Estado ou de soberania nacional. “E sequer houve debate com a sociedade. As pessoas, de maneira geral, não sabem o que está acontecendo. É um patrimônio construído durante décadas que de repente, em trinta dias, resolve-se alienar”, critica.

O plano do governo brasileiro, anunciado na semana retrasada, é ampliar o capital da empresa para assim o Estado, como acionista, reduzir sua participação proporcionalmente. “É um artifício que muitas empresas do mundo utilizam para ampliar capital, até mesmo algumas estatais”, explica o especialista. Hoje, a Eletrobras é uma sociedade de economia mista e capital aberto, sob controle acionário do governo.

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Nos últimos dias, editoriais de revistas e jornais de circulação nacional elogiaram a decisão de Temer, que se insere em um programa de desestatização cujas ações são tomadas pelo Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, o peemedebista Moreira Franco – que é um dos principais idealizadores da “Ponte para o Futuro”, documento publicado pelo PMDB no final de 2015, no qual estão muitas diretrizes adotadas após o impeachment de Dilma Rousseff, há um ano. Para entender as possíveis consequências desse processo, o Sul21 conversou por cerca de 40 minutos, por telefone, com Ronaldo Custodio. Ele, atualmente, reside em Florianópolis e é engenheiro de projetos de geração da Eletrosul, subsidiária da Eletrobras no sul do país.

Sul21: Embora o governo alegue que o motivo da privatização passa pelas dívidas da estatal e por uma alegada “ineficiência” das empresas públicas, fica claro que essa venda se insere em uma resposta à conjuntura econômica brasileira de crise. Uma privatização ocorrida nesse contexto tem quais consequências?

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RC: Trata-se de vender ativos estratégicos para tapar um buraco de caixa mínimo. É um governo que gasta mais com compra de votos através de emenda parlamentar do que poderá arrecadar com a venda de ações. 20 bilhões, talvez, é algo pequeno em relação a, por exemplo, perdoar 40 bi das empresas telefônicas que são fruto da privatização dos anos 1990. Dadas como exemplo de eficiência, embora prestem um dos piores serviços do mundo. Não é uma atitude de gestão, mas ideológica. Se fosse pela gestão, jamais se faria isso: as contas não fecham. É uma solução de curto prazo que não resolve nada estruturalmente. Além disso, se há um problema tão grave a ponto de vender ativos tão centrais, por que perdoar dívidas de empresas concomitantemente? Houve, neste ano, inúmeras notícias de socorro financeiro a empresas por parte do Tesouro. Isso evidencia que são desculpas para justificar algo injustificável.

Sul21: A Eletrobras é a maior empresa do setor na América Latina, e, por sua magnitude, comenta-se que a privatização representa algo próximo ao processo de venda de estatais ocorrido nos anos 1990. O senhor concorda com isso?

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RC: Eu acredito que é um processo parecido. Nos anos 90 foi privatizada toda a área de telecomunicação e mineração. O setor elétrico é economicamente intensivo, requer investimentos muito mais volumosos. Investir em telefonia, por exemplo, é relativamente barato em comparação. A Eletrobras tem em seus ativos algo próximo de 370 bilhões de reais. São investimento de décadas que, ao contrário de outras áreas, dependem de ativos; não de valor agregado ou tecnologia. É preciso fazer uma análise econômica mais pormenorizada, mas acho que é comparável não só pela importância da energia, mas também pela característica de haver investimentos muito intensos.

Sul21: Como funciona em outros países?

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RC: Para dar um exemplo didático representativo para nossa sociedade: nos Estados Unidos, país do mercado de capitais e referência do liberalismo, 73% das hidrelétricas são públicas. As outras plantas energéticas têm possibilidade de investimento, mas, nesse caso, é mais do que apenas energia – é água, controle dos rios, garantia de soberania energética que as hidrelétricas [pela sua capacidade de armazenamento] garantem. As que não são estatais pertencem a empresas de pequeno e médio porte. As estratégicas e importantes são estatais. 21% das hidrelétricas são do Exército, no caso das que têm reservatórios de acumulação, com capacidade de regularização do nível dos rios e de controle de cheias. São consideradas partes da segurança nacional. Usinas análogas a essas, hoje no Brasil, são de controle da Eletrobras, e 70% da capacidade de armazenamento de água no país está nas mãos da estatal. O que vai privatizado, ao vender a empresa, é isso: o patrimônio nacional que garante a autonomia como Nação. Na França, os rios importantes são gerenciados por estatal. Não só as hidrelétricas, mas também os transportes, as eclusas. Canadá, Noruega e Austrália são outros exemplos de países que hidrelétricas pertencem ao Estado. No caso dos EUA, não somente as hidrelétricas – estatais por conceito – são públicas, mas também algumas usinas termelétricas importantes estrategicamente.

Sul21: Um argumento muito comum de governos de orientação desestatizante diz que há uma ineficiência atávica às empresas públicas e que o acúmulo de dívidas torna inviável sua manutenção. O que o senhor pensa disso?

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Ronaldo Custódio: Isso é uma inverdade. Hoje, a empresa mais eficiente do setor energético no Brasil é a Eletrosul, portanto não há necessariamente ineficiência de gestão em estatais. É claro que há assédios políticos e intervenções, historicamente. É um problema mal resolvido. A solução de uma doença, todavia, não é matar o paciente. A estatal tem problemas que precisam ser enfrentados com governança e com profissionalismo – nunca se enfrentou na plenitude, somente de maneira parcial. Tenho orgulho de dizer que aqui na Eletrosul chegamos a ser a empresa com os melhores índices operacionais no setor energético brasileiro, e com resultado financeiro. Superávit operacional anual, toda sua saúde financeira e técnica adequada. Não é possível dizer que estatais são mal geridas e empresas privadas têm boas administrações. Há, inclusive, interferência privada em estatais e em empresas privadas. Se há um problema, que seja resolvido. Isso faz parte de uma estratégia de difamar as empresas estatais para justificar a venda. Há profissionais muito qualificados no sistema energético brasileiro que podem gerir adequadamente qualquer empresa. A ideologia, entretanto, do Estado mínimo, é de um Brasil colonial que apenas produz insumos para alimentar o mercado internacional. Ainda não mudamos essa cultura – de produzir soja e carne para mandar às grandes economias. Termos autonomia, auto-suficiência e relevância não é importante para eles. Não querem economia interna forte, e, ao não querê-la, destrói o patrimônio estatal.

Sul21: A possível concentração de poder nas mãos de acionistas privados pode acarretar no aumento de preços a consumidores?

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RC: O aumento de preços é uma certeza. A ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], recentemente, realizou um estudo cujos resultados mostram que só a “descotização” das usinas vai aumentar cerca de 17,5% o preço da energia. E é um estudo que trata só de uma parte do sistema, pois as usinas de cotas não representam sequer 20% do mercado. O impacto pode ser muito maior do que isso. Somado, vem o fato de que a energia vira uma mercadoria que pode ser especulada. Sabemos, portanto, que o impacto é maior do que o calculado pela agência, mas isso depende também do apetite especulativo de quem comprar a energia.

Sul21: Os preços podem subir também para o consumo industrial? O que isso representa para a economia?

RC: Só não vai subir para os consumidores industriais que investirem em geração própria. Entre as medidas que estão nas proposições do Ministério, está a possibilidade de as indústrias se transformarem em um produtoras independentes. Isso significa que plantas eletrointensivas [isto é, que utilizam energia em larga escala, como as siderurgias] podem construir ou comprar usinas para produzir energia de forma mais barata e vender o excedente livremente no mercado. É uma medida interessante, porque ao invés de o consumidor eletrointensivo pedir subsídio para o Estado, ele pode produzi-la. Não acho que as medidas são todas erradas, algumas eram realmente necessárias. O que está errado é o conceito, o eixo de tratar como mercadoria e privatizar o recurso, além da ausência de discussão, pois a sociedade mal entendeu o que acontece. O preço do megawatt vai subir para as indústrias, mas não para aquelas que produzirem – e são as grandes indústrias que vão fazê-lo e ainda vão ganhar com essa venda. Quem perde é o consumidor normal, residencial ou no caso de pequenas indústrias. É uma ação concentradora de renda. Quem é grande pode ganhar com isso. Pequenos e médios, todavia, vão pagar a conta.

Sul21: Geopoliticamente, como essa diluição do controle estatal se insere no contexto internacional dos negócios de energia? 

RC: Embora eu não seja economista, a percepção geopolítica é natural para quem trabalha com isso. O Brasil, primeiramente, perde sua importância no setor. Energia é o maior patrimônio das sociedades, a humanidade faz guerras por isso. Nós estamos abrindo mão disso, e muito possivelmente para estatais de outros países. As grandes empresas do setor energéticos são, na sua maioria, estatais que, aqui, aparecem como organizações privadas. O que é estranho, pois descaracteriza o termo “privatização”, ao vender a Eletrobras para estatais de outros países. Entregando para o controle de outros Estados. A ação de outros governos, porém, é de dar autonomia a elas, a ponto de comprarem outras empresas. Todas as instituições chinesas que estão no Brasil pertencem ao Estado; a EDF [Electricité de France], que está aqui, é estatal francesa. Vamos perder recursos, pois essas empresas vão mandar dividendos para fora. O que antes era reinvestido no país agora vai para a matriz investir onde quiser. Por conta da visão colonizada da qual falei.

Sul21: O que essa mudança representa no sentido da busca por matrizes mais limpas, no contexto das mudanças climáticas? O Brasil vinha tendo uma política coerente com a realidade do aquecimento global?

RC: O país vinha tentando, embora nem sempre tivesse os resultados que gostaria. Estava clara, na legislação e nos planejamentos, a preferência por energias renováveis como a hidrelétrica – como carro chefe, lutando para licenciar usinas no Norte do país – ou eólica, tentativa de caminhar pela manutenção de uma matriz renovável. Há uma mudança nisso ao acabar com subsídios às fontes renováveis, que têm incentivos em sua cadeia. Cria também um conceito de energia como mercadoria – e matrizes que não têm acumulação, como eólica ou solar, ficam de fora para vender do mercado livre. Não são energias garantidas e por isso não fazem contratos de longo prazo, têm dificuldades de financiamento. O mundo inteiro procurou incentivos, estímulos e programas específicos para essas fontes. Dentro desse projeto, as únicas fontes que atendem a todos os requisitos para vender energia “em lastro” [ algo como o potencial de produção de energia elétrica] são termelétrica a gás natural, querosene, óleo diesel ou derivados de petróleo. A termelétrica a carvão mineral atende a boa parte dos requisitos, a hidrelétrica não atende à maioria, e a eólica e solar não atendem a nenhum. Ou seja: aposta-se, com políticas e base regulatória legal, em geração via combustíveis fósseis. Não se pode dizer, com isso, que não haverá mais projetos renováveis no Brasil, mas certamente há um desestímulo a isso. É uma espécie de mudança de alinhamento com as metas ambientais que o país tinha assumido. Leio com muita preocupação e creio que teremos dificuldade – os indicativos estão na contramão do que seria necessário para atingir as metas. Certamente vamos nos desenvolver muito menos no ponto de vista da geração de energias renováveis.

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