Cachorro é gente. Quando os animais nos ajudam a viver melhor
Cães em casa de repouso, cavalos na frente do prédio, bares de gatos para cidadãos estressados... A mediação animal está indo de vento em poupa. Entrevista com o psicólogo clínico Philippe Hofman (*) Philippe Hofman é psicólogo clínico francês . Ele acaba de publicar «Cachorro é gente. Psicologia das relações entre o ser humano e seu cão” (Editora Albin Michel).
Por Pascale Senk – Le Figaro
Sua foto-retrato invadiu a Internet em algumas horas:Diesel, cão da raça pastor belga malinês que perdeu a vida no ataque terrorista de Saint-Denis, em Paris, no dia 18 novembro passado, se tornou um heroi para muita gente. Claro, quando vários internautas se atreveram a postar #jesuischien (sou um cão), algumas vozes ofendidas se manifestaram: «Como se rebaixar a este ponto?» «Se identificar como um cachorro, que horror!» Mas na sua maior parte, o público aprovou a homenagem feita a Diesel: sobre ele, falou-se em «dedicação», «obediência» e «coragem». Nas palavras de Pierre Desproges: «Quanto mais eu conheço os homens, mais eu amo meu cachorro.»
Este lugar dado a um «simples mamífero» não surpreende Boris Albrecht, diretor da Fundação Adrienne e Pierre Sommer. No centro do seu trabalho está o apoio à mediação animal, independentemente das áreas (sociais, educativas ou terapêuticas), que resultará em uma grande conferência internacional no próximo verão. «Desde 2003, mais de 500 projetos nos quais o animal melhora as condições de vida dos seres humanos se tornaram realidade através do nosso trabalho », diz seu diretor.
Diesel, o pastor belga que virou herói nacional na França por sua atuação durante atentado terrorista em novembro último.
Facilitar as relações
Há dez anos, estávamos apenas discutindo a respeito das contribuições dos cães e gatos em casas de repouso; hoje, é um fato para todos: os quadrúpedes domesticados incentivam os moradores mais velhos a se levantarem, andar, serem ativos. Mas benefícios inesperados também foram observados. «Descobrimos especialmente que os cães facilitam também as relações entre os profissionais da saúde », explica Boris Albrecht.
Marine Grandgeorge, doutora em psicologia, que realiza pesquisas no laboratório de etologia animal e humana de Rennes, confirma, e ainda se surpreende: «O animal é realmente um “terceiro regulador”, é por isso que ele é tão bem vindo na mediação. Sua presença influencia os comportamentos dos seres humanos entre si. Estudos até mostram que se ele estiver presente, as pessoas se olham, conversam mais… E as pessoas com deficiência, se elas estiverem acompanhadas por um animal, triplicam a quantidade de olhares sobre elas.» Sem dúvida, o animal tem, segundo os pesquisadores, um papel de «lubrificante social», ainda mais evidente quando as ligações entre os homens ficam mais pobres. Por que tanto sucesso?: «O animal não julga, especifica Marine Grandgeorge. Podemos, portanto passar por ele para romper as barreiras.»
A maior parte dos cães demonstram grande senso de responsabilidade e afetividade no contato com os bebês e crianças da casa.
Cavalos na frente do prédio
Agora, o recurso à mediação animal está se expandindo em muitas áreas: justiça (para a vida na prisão), mundo da deficiência (tanto problemas físicos quanto psicomotores), cuidados paliativos, etc. E esta aliança assume formas renovadas. Em Dole, em pleno centro da cidade, um centro equestre foi estabelecido na frente dos prédios de modo que todos os dias, jovens problemáticos venham alimentar e cuidar dos cavalos ; os moradores também colaboram, o que promove a comunicação local. Na Fazenda de Nat, em Maine-et-Loire, pessoas com deficiências múltiplas vêm desfrutar de momentos especiais com asnos, animais muito procurados atualmente por sua inteligência (pois é!), sua curiosidade e seu sentido de contato. «Com o animal, o vivo e o sensível se impõem em qualquer situação », resume Boris Albrecht.
Na hora das relações através de telas interpostas, esses animais reconectam os seres humanos a algo primordial de que as pessoas hoje se esquecem: «Como as cabanas na natureza ou a prática do tricô, eles nos fazem lembrar como a simplicidade alimenta », observa Marine Grandgeorge. E a pesquidora menciona «os bares de gatos» preenchem a falta de contatos táteis dos cidadães estressados. «Nós, homens, precisamos ser tocados e tocar, ela afirma. Um estudo mostrou especialmente que, quando um médico, toca o braço do paciente no final da consulta, a adesão aos tratamentos deste último melhora… E sua saúde também.»
Na Europa e nos Estados Unidos, várias clínicas para pacientes terminais usam cães para fazer companhia aos doentes, com resultados excelentes.
Do animal-ferramenta para o animal-parceiro
Esses animais também podem nos ensinar muito em termos de comunicação: «O cão e o cavalo, especialmente, sabem detectar nossas mudanças emocionais e hormonais ao observar certos indícios em nossas expressões faciais », explica Marine Grandgeorge. Através desse talento, eles passaram do animal-ferramenta para o animal-parceiro. Quanto ao gato, sua capacidade de atenção deve nos inspirar. «Todos esses animais nos ensinam que somente a verdadeira presença funda um relacionamento de qualidade.»
Nossos queridos companheiros revelam assim as questões sociais que ainda não foram resolvidas. «Cuidado, adverte Boris Albrecht, é preciso pensar no futuro antes de integrar um animal à nossa vida, pois ele pode cristalizar tanto os benefícios quanto as falhas de uma estrutura!» E eventualmente pagar o preço com a sua própria vida. De onde a nova pergunta emerge: «Como preservar o bem-estar dos animais colocados em situação de mediação?»
ENTREVISTA COM PHILIPPE HOFMAN
Le Figaro - Geralmente, os veterinários ou os etólogos são as pessoas que estudam as relações entre o homem e o animal. Por que, como psicólogo, você está tão interessado no assunto?
Philippe Hofman - Como especialista em crianças e adolescentes, e também em gerontologia, tenho observado bastante a evolução da família, e especialmente sua extensão. Com a multiplicação das famílias mistas, a visão que eu poderia ter, ampliou e, gradualmente, os animais domésticos apareceram para mim como membros de pleno direito dessas famílias: eles incitivam as crianças a se levantaram e andar, se tornam os confidentes dos adolescentes, são objeto de conflitos no momento de separações. Constatei também que no caso de famílias fechadas, em que os familiares eram fechados, eles eram às vezes, uma solução rápida para estabelecer algum contato.
Você diz que o cachorro, em especial, promove a vida social. Como?
Ter um cão estimula o contato social. É ainda melhor do que crianças: passeie com um animal de estimação na coleira e naturalmente você irá trocar algumas palavras com alguns transeuntes ou outros proprietários que irá encontrar. Às vezes, os encontros geram verdadeiras confidências. O pretexto do cão leva a falar sobre si mesmo, sem complexos, sem tabu, na imagem de nosso cão que entra em contato direto, por vezes trivial com seus congêneres. Neste compartilhamento social, os cães nos ensinam a alteridade, a ligação com o desconhecido e, nesse sentido, eles contribuem para nossa humanização. Em um mundo egocêntrico e higienizado, eles nos remetem ao compartilhamento, ao contato e à animalidade.
Do ponto de vista afetivo, particularmente, você afirma que eles são parceiros incomparáveis.
Sim, porque com eles nossa comunicação é ao mesmo tempo direta e autêntica. Não há necessidade de fazer joguinhos! Com os seres humanos, as ligações são sempre um pouco complexas, cheias de questões inconscientes, é preciso «nos domar»… O cão, especialmente, mais constante que o gato, nos convida a uma relação imediata inequívoca. Em seu olhar, ele parece absorver toda a nossa dor moral e nos remete a uma dimensão cuidadora. Eu acho que com nosso animal de estimação, cão ou gato, podemos encontrar as emoções das trocas primárias. Nesse sentido, para aqueles que estão em uma angústia profunda, mentalmente deficientes a ponto de estarem na rua, por exemplo, uma regressão suave e natural é feita através do animal que as acompanha.
Esta conexão específica também pode ajudar em caso de dor e provação?
Inegavelmente. Sabemos que em caso de luto, a presença e a manutenção do vínculo com o animal doméstico são primordiais: ele faz você viver, continuar, apesar da ausência daqueles que você perdeu. Em caso de doença grave, eles são poderosos: nosso gato ou nosso cão têm tal vitalidade que, estando enfraquecidos, podemos confiar-lhes nossa tristeza ou angústia profunda, enquanto que com nossos parentes é mais delicado. Eu acredito que nos serviços de cuidados paliativos, especialmente, os animais poderiam ajudar a exorcizar e apaziguar a angústia da morte dos pacientes moribundos, e também a dos seus familiares.
(*) Philippe Hofman é psicólogo clínico francês. Ele acaba de publicar «O cão é uma pessoa. Psicologia das relações entre o ser humano e seu cão” (Editora Albin Michel).
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