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Escorbuto. A velha doença dos marinheiros reaparece agora nos meios urbanos

A carência grave de vitamina C, que pode ser mortal, devastou inteiras tripulações de marinheiros durante viagens de longo curso até meados do século 18. Ela voltou agora a se manifestar no seio dos países ricos, e os médicos têm dificuldade para compreender claramente o que está acontecendo.

Escorbuto. A velha doença dos marinheiros reaparece agora nos meios urbanos

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Por: Soline Roy 

 

Existem doenças que se enraízam em situações de isolamento. Antigamente, esse era o caso dos marinheiros que viajavam pelos oceanos do globo; hoje, o problema existe dentro das cidades, atingindo aqueles que comem demasiado pouco, ou demasiado mal.

No final de novembro passado, uma publicação da Diabetic Medicine ofereceu à mídia mundial alguns títulos bem chamativos. A professora Jenny Gunton, pesquisadora na Universidade de Sydney, na Austrália, descreveu onze casos de escorbuto surgidos em pacientes diabéticos cuja alimentação era muito pobre em frutas e legumes frescos. O escorbuto, doença provocada por uma carência de vitamina C e que, com uma mortalidade entre 50 a 80%, dizimava as tripulações de longo curso até o século 18, poderia reaparecer no século 21, no seio de um país rico?

O homem é incapaz de produzir a vitamina C

O ser humano compartilha com alguns mamíferos (certos primatas de grande porte, o porquinho-da-Índia e uma espécie de morcego) o triste privilégio de ser incapaz de produzir por si mesmo e de estocar a vitamina C, também chamada de ácido ascórbico. A culpa é de uma mutação genética ocorrida há cerca de 40 milhões de anos que bloqueou a transformação da glucose em ácido ascórbico. Para contornar essa dificuldade, a superfície dos glóbulos vermelhos carrega uma grande quantidade de uma proteína encarregada de transportar a todo o organismo a vitamina C captada através da alimentação.

E no caso dos inuits (os antigos esquimós) que vivem nas regiões permanentemente congeladas do Ártico? “Existe vitamina C nas glândulas suprarrenais de certos animais marinhos, e foi isso que possibilitou aos Inuits viver sem comer frutas e legumes”, explica o professor Jean-Michel Lecerf, nutricionista no Instituto Pasteur da cidade de Lille, na França.

O ácido ascórbico é essencial à vida. Ele “ajuda” as fibras de colágenos a se organizar corretamente em forma de tripla hélice; ao induzir anomalias na estrutura do colágeno, as carências graves acarretam hemorragias e problemas de cicatrização. A vitamina C contribui também para o sistema imunológico, favorece a absorção do ferro e possui uma ação antioxidante. O ser humano a absorve através da sua alimentação, ao ingerir e metabolizar frutas e legumes. O ácido ascórbico também é muito utilizado na indústria como aditivo alimentar. “mas não em doses que permitam um real efeito nutricional, com exceção dos produtos especializados como é o caso dos leites que estimulam o crescimento e o fortalecimento dos ossos e demais tecidos do corpo.”, completa o Dr. Lecerf.

Uma melhora espetacular

Três meses de carência de vitamina C são suficientes para desenvolver o escorbuto. A evolução dessa síndrome pode ser dramática: agravamento da síndrome hemorrágica, aumento dos riscos de infecção, convulsões, e inclusive ataques cardíacos”, escreveu em 2013 o professor Olivier Fain, especialista de medicina interna no Hospital Jean-Verdier de Bondy. A administração de um simples suplemento de vitamina C, no entanto, permite uma melhora espetacular  no giro de poucos dias,  desde que o problema seja devidamente identificado.

“Ela tinha sangramentos inexplicáveis e produzia hematomas com muita facilidade. Seu regime alimentar era totalmente desequilibrado, composto essencialmente de fast-food, hamburguers, batatas-fritas, coisas do gênero...”, comenta o professor Simon Parreau referindo-se a uma sua paciente.

“É difícil dosar a Vitamina C: ela é muito sensível à luz, e a retirada do sangue deve ser feita em um tubo especial”, explica o médico Eric Fontaine, presidente da Sociedade Francófona de Nutrição Clínica e Metabólica. O exame, assim sendo, é pouco realizado. Soma-se a isso o fato de que os médicos perderam o hábito de pensar na possibilidade da carência de vitamina C quando diagnosticam”, diz Lecerf.

O risco é mais bem conhecido no caso de pessoas em situação de grande precariedade, os sem-teto, os alcoólatras, ou de indivíduos muito de-socializados (idade muito avançada, sem trabalho, solitários, etc) que são incapazes ou não mais se preocupam com uma alimentação rica e diversificada. Apesar disso, certos casos provocam real espanto. O médico Simon Parreau, por exemplo, conduziu um estudo com amostragem de 63 pacientes que apresentaram uma carência de vitamina C. Entre eles, dez casos de escorbuto perfeitamente tipificado foram encontrados. “No início, conta o médico, estávamos intrigados diante do perfil de uma jovem que não possuía de nenhum modo o perfil de um escorbútico. Ela tinha sangramentos inexplicáveis e produzia hematomas quase todos os dias. O exame mostrou que ela tinha um regime alimentar totalmente desequilibrado”.

O caso de uma criança de três anos

Há um ano, uma equipe de Grenoble relatou em um jornal de pediatria a descoberta de um caso de escorbuto em uma criança de apenas 3 anos e meio, e que no entanto não pertencia a um meio social desfavorecido. Levada ao pronto-socorro em um estado geral bastante alterado e com dores para caminhar, essa criança já tinha passado por todo tipo de análises, radiologias e exames diversos. Fora sugerida inclusive a possibilidade de algum tipo de câncer, até que a mãe explicou que a criança, que sofria de um distúrbio do comportamento alimentar, era nutrida exclusivamente com leite integral.

“Basta que o aporte de vitamina C seja pequeno ou insuficiente para que se desencadeie um escorbuto”, diz ainda o médico Lecerf. Uma única porção de frutas ou legumes contem de 20 a 30 miligramas de vitamina C, o que já é suficiente para se evitar o escorbuto. Mas essa quantidade ainda está bem abaixo da dose diária recomendada que é de 100 miligramas por dia para um adulto, ou seja, cinco porções diárias de frutas e legumes. “Sem chegar à gravidade de uma síndrome de escorbuto, a verdade é que pelo menos um terço da população tem um déficit de vitamina C. Isso aumenta os riscos de doenças neurovegetativas (cardiovasculares, cânceres, etc”, alerta o professor Lecerf.

 

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