Familiares de vítimas da Boate Kiss pedem justiça
Presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio da Silva entregou dois ofícios, um para Comissão de Saúde e outro para a de Direitos Humanos; à primeira foi solicitado apoio para a viabilização de cinco demandas na área da saúde, como atendimento psicológico e fornecimento de medicamentos; já para a segunda comissão, a entidade pediu o acompanhamento do trabalho do Ministério Público no caso que, segundo os familiares, "deixou muito a desejar" quanto à responsabilização de um maior número de pessoas pela tragédia
Jaqueline Silveira, Sul 21 - O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Sérgio da Silva, entregou dois ofícios, um para Comissão de Saúde e outro para a de Direitos Humanos. À primeira foi solicitado apoio para a viabilização de cinco demandas na área da saúde, como atendimento psicológico e fornecimento de medicamentos. Já para a segunda comissão, a entidade pediu o acompanhamento do trabalho do Ministério Público no caso que, segundo os familiares, "deixou muito a desejar" quanto à responsabilização de um maior número de pessoas pela tragédia.
Na abertura da audiência, o presidente da Comissão de Saúde, o deputado santa-mariense Valdeci Oliveira (PT), fez um relato desde a data da tragédia até os dias de hoje, afirmando que o incêndio na Boate Kiss é a quarta maior tragédia mundial em ambientes fechados e que é preciso prevenir para evitar outros episódios como esse. Também falou da luta dos familiares desde o fato e as dificuldades enfrentadas por elas. "Elas precisam ser ouvidos principalmente em saúde e Justiça", enfatizou Valdeci.
Tragédia na Argentina
Em seguida, falou a coordenadora da ONG La Vida, da Argentina, que reúne vítimas e familiares do incêndio na Boate Cromañón, ocorrido em 2004, em Buenos Aires, e que matou 94 pessoas e deixou mais de 1,5 mil feridos. Nilda Gomez afirmou que a ONG foi instituída para atuar em duas frentes: uma para fazer justiça e outra para mostrar que a tragédia no seu país não foi um acidente. Isso porque, conforme ela, a boate funcionava sem condições adequadas, inclusive com a licença vencida. “194 vidas foram perdidas por negligência”, garantiu Nilda.
A coordenadora relatou ainda que todos os responsáveis por permitir o funcionamento da Cromañón foram julgados e condenados e o intendente de Buenos Aires, equivalente a prefeito no Brasil, sofreu um processo de impeachment e foi destituído do cargo. Já a coordenadora de saúde da La Vida, Lila Tello, abordou as sequelas e doenças em consequência do incêndio. De acordo com ela, alguns sobreviventes cometeram suicídio e “são incontáveis” casos de depressão e fobia, entre outros problemas.
Vídeo emociona
Depois, o diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Paulo Carvalho, apresentou uma cronologia desde o início do funcionamento da Boate Kiss, em 2009, até os desdobramentos atuais. Antes, porém, ele veiculou uma homenagem aos pais com imagens das 242 vítimas sozinhas e junto a familiares, emocionando as pessoas que acompanhavam a audiência pública. “Meu filho! É por ti que eu luto”, gritou uma mãe, de um canto da sala do plenarinho. “É um momento de dificuldades, somos solidários”, afirmou Valdeci, que presidia a audiência, diante da emoção dos familiares, ao mesmo tempo em que justificou que a reunião precisava continuar.
Carvalho afirmou que a Polícia Civil fez “trabalho exemplar” em 55 dias indiciando proprietários, músicos e agentes públicos pelas falhas e irregularidades no funcionamento da boate durante o inquérito. Entretanto, o Ministério Público responsabilizou criminalmente, em um primeiro momento, somente oito pessoas, entre as quais nenhum representante da prefeitura. O diretor jurídico da associação criticou os argumentos usados pelos promotores que atuam no caso para não responsabilizar um número maior de pessoas, tanto criminalmente quanto por improbidade administrativa. “Só se consegue paz quando se faz a Justiça. Esse dia para os pais não termina”, declarou Carvalho. “Vocês têm de dar uma resposta para nós. Isso é uma palhaçada!”, desabafou o presidente da associação, em tom de revolta, referindo-se ao MP.
Ajuste no atendimento à saúde
Na época do incêncio na Boate Kiss, em janeiro de 2013, alguns serviços de saúde foram viabilizados como o Centro de Atendimento às Vítimas de Acidente (Ciava), que funciona no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), o Acolhe Saúde, além de ações no Centro Regional de Saúde do Trabalhador (Cerest). No Husm, 636 vítimas foram atendidas, afora familaires e profissionais que trabalharam no dia do incêndio, somando cerca de mil pessoas. Mas atualmente, conforme a associação, esses serviços precisam de adequações para atender as novas demandas dos pacientes, principalmente quanto às questões psicológicas. “Houve uma dedicação no primeiro momento, mas esquecem que as pessoas continuam sofrendo”, justificou Silva, pedindo que o Ministério da Saúde e as secretarias municipal e estadual de saúde façam um encontro em Santa Santa Maria para avaliar o atendimento.
“Eu sou mãe de um sobrevivente e enfrento problema desde que meu filho deu alta, como falta de medicamento. Eu que tenho de correr atrás de medicamento, de consulta, um empurra para o outro. É um descaso total”, reclamou Zilda Patatti. Alguns pais também se queixaram da falta de “um plano” para atender aos familiares que não são de Santa Maria, já que muitas das vítimas eram de outras regiões do Estado.
Todos os representantes da área da saúde, tanto municipal quanto estadual, concordaram que é preciso fazer ajustes diante das novas necessidades. “Temos de novamente reunir os entes para fazermos uma sintonia fina e retomarmos alguns pontos”, avaliou Elson Romeu Farias, representante do secretário estadual de Saúde, João Gabbardo. Já a secretária de Saúde de Santa Maria, Vânia Olivo, disse que a prefeitura está responsável pela rede de atenção básica e pelo atendimento psicossocial, por meio do Acolhe, e que o serviço continua funcionando. Contudo, ela admitiu que é preciso fazer ajustes. “Estamos abertos a corrigir rumos”, afirmou Vânia.
MP foi alvo de muitas críticas
Apesar das reclamações na área de saúde, o alvo dos familiares das vítimas da Boate Kiss foi o Ministério Público. Eles se disseram descontentes com o trabalho e também reclamaram do tratamento que alguns pais têm recebido dos promotores do caso, quando cobram providências. Queixas essas que foram encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos. “Agora, ninguém é culpado, estou decepcionada, aquele (incêndio) é o verdadeiro holocausto”, desabafou a professora de História Elizete Andeata, que perdeu um filho de 18 anos na Kiss.
Banner proibido
“O Ministério Público está deixando a desejar”, reclamou Vanda Dacorso, que perdeu uma filha de 22 anos. Ela criticou ainda o fato de o MP alegar que irregularidades e falhas apontadas no inquérito da Polícia Civil não se configuraria improbidade administrativa da prefeitura, uma vez que “não existiu má-fé”. Muitos pais insinuaram que teve favorecimento do Ministério Público em relação aos gestores municipais, ao não responsabilizá-los por “negligência e omissão” na expedição dos alvarás de funcionamento da boate.
Familiares chegaram, inclusive, a espalhar banners por Santa Maria com uma charge em que o promotor encarregado pela fiscalização da Kiss e agentes da prefeitura, Corpo de Bombeiros e Brigada Militar aparecem do mesmo lado e os pais, de outro lado. O promotor Ricardo Lozza entrou na Justiça, alegando que o material estava o prejudicando e a Justiça mandou a associação retirá-lo. Na audiência pública do plenarinho, eles penduraram o banner, que em Santa Maria está proibido. O episódio só aumentou a tensão entre MP e familiares.
Alguns familiares também questionaram o fato de os suspeitos da fraude no leite e os réus no caso do assassinato do menino Bernardo Boldrini, estarem todos presos e os responsáveis pelo incêndio, soltos.
Presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Sérgio Harris ressaltou que o MP “de uma certa forma sempre se fez presente em todas as oportunidades nesse caso da Boate Kiss”. Ele argumentou ainda que o MP pensou que “era uma forma maior de respeito” aos familiares o fato de o Ministério Público “expor as razões” das suas decisões. Harris acrescentou que o MP já denunciou, ao longo desses 28 meses, 53 pessoas criminalmente e mais quatro por improbidade administrativa pelo incêndio da Boate Kiss.
Apesar de ser membro da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Pedro Ruas (PSOL) afirmou que não representava o órgão na audiência, mas que, como parlamentar, irá tomar as providências que entender necessárias ao receber o documento da associação. O presidente da comissão, Catarina Paladini (PSB), não estava presente. Já o presidente da Comissão de Saúde agendou uma reunião para o dia 10 de julho com os representantes da área da saúde em âmbito municipal, estadual e federal para resolver as questões do atendimento às vítimas e familiares. A audiência durou quase quatro horas e terminou no começo da tarde de quarta-feira. Antes de voltarem para suas cidades, os familiares participaram de uma missa na Igreja Nossa Senhora do Rosário, na Capital, em homenagem às vítimas.
Reivindicações à Comissão de Saúde
– Reunião com todos os órgãos envolvidos no atendimento às vítimas– Secretária Municpal de Saúde, Secretária Estadual de Saúde e Ministério da Saúde – para verificar a situação
– Promover um mutirão, a exemplo do ocorrido em 2013, com vítimas, familaires e trabalhadores que atuaram no dia do incêndio para levantar as necessidades psicológicas, psiquiátricas, sociais, fisioterapêuticas, além da previdência social
– Revisão da lista de medicação psiquiátrica disponivel pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
– Manter a estrutura do Acolhe Saúde com equipe mínima
– Renovação dos contratos dos trabalhadores atuais, evitando nova troca de profissionais e o rompimento do vínculo estabelecido
– Verificar como ficou a rede de apoio em Santa Maria de políticas públicas oferecidas pelo governo anterior do Estado
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