Governo de SP pode abrir processo contra torcida
Secretaria da Justia e da Defesa da Cidadania diz ao 247 que vai apurar conduta de integrantes da Mancha Verde que empunharam faixa pr-discriminao; lei estadual contra homofobia prev punio para atos como esse; caso Richarlyson alimenta preconceito nas redes e nos campos
Diego Iraheta _247 - Uma nova demonstração de ódio a gays de alguns torcedores palmeirenses pode parar na Justiça. Na última quarta-feira, a faixa "A Homofobia veste verde" foi empunhada por integrantes da Mancha Verde, a maior torcida organizada do Palmeiras, na reapresentação do elenco do time na Academia de Futebol, em São Paulo. A mensagem tinha alvo certo: a diretoria do clube, que, no fim do mês passado, estudava a contratação do volante Richalyson. Apesar de não se declarar homossexual, o jogador enfrentou resistência dos palmeirenses e figurou entre os assuntos mais comentados das redes sociais na semana passada. Conforme o Twitter registrou, o nome do jogador foi associado centenas de vezes a mensagens discriminatórias.
A Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo estuda abrir processo administrativo para investigar o uso da faixa declaradamente homofóbica por membros da Mancha. Como existe uma lei estadual que prevê punição para discriminação por orientação sexual, os responsáveis pelo ataque devem ser convocados a prestar esclarecimentos e poderão ser multados. "É dever do Estado garantir o respeito pelas diferenças. Essa atitude que ocorreu no centro de treinamento é uma forma clara de desrespeito às pessoas que têm orientação sexual diferente da grande maioria da população", disse ao 247 a assistente técnica da Coordenação de Políticas para Diversidade Sexual da Secretaria de Justiça, Deborah Malheiros.
Em entrevista ao 247, ela reflete sobre preconceito nos campos de futebol e explica que homofobia não é necessariamente cometida contra homossexuais. "O ataque ao pai e ao filho em São João da Boa Vista, por exemplo, foi homofobia porque foi um ódio direcionado a gays, porque eles foram confundidos com gays", explica.
Leia a íntegra:
247: A faixa criada por alguns torcedores dizia "A homofobia veste verde". Mesmo que o Richarlyson não se declare gay, podemos dizer que há homofobia?
Deborah Malheiros: Homofobia é uma discriminação dirigida a uma pessoa que, comumente, é gay, lésbica. Mas não necessariamente a pessoa que sofre homofobia é gay. De repente, alguém vê um cara mais feminino, que não é gay, e usa palavras ofensivas. A pessoa está cometendo homofobia com um cara heterossexual. Um exemplo típico ocorreu na Avenida Paulista [em novembro de 2011], quando um menino foi atacado com lâmpadas porque foi confundido com gay. Outro caso foi o ataque ao pai e o filho em São João da Boa Vista, que foram confundidos com um casal gay. Foi um ataque homofóbico também; homofobia é o ódio direcionada à pessoa que se pensa LGBT.
247: Qual é a avaliação da senhora sobre novo ato de alguns torcedores palmeirenses - levantar a bandeira pró-homofobia?
Me parece que houve uma manifestação de intimidar a diretoria do clube para impedir a possível contratação do Richarlyson. Mostra claramente um desinteresse da torcida pela figura do jogador. É claramente uma manifestação homofóbica.
247: É passível de alguma punição essa manifestação homofóbica?
No Estado de São Paulo, existe a Lei 10.948, sancionada em 2001. Ela proíbe a discriminação em razão de orientação sexual e de identidade de gênero. Essa lei prevê penalidades no âmbito administrativo. Várias empresas já sofreram penalidades - desde advertências, multas, até alvará cassado.
247: Mas, no caso de integrantes de uma torcida organizada, qual é o procedimento?
Pode-se abrir um processo administrativo contra a Mancha Verde. Se a Secretaria de Justiça entender que há indícios suficientes de homofobia, o processo será instaurado, com certeza. Assim, a torcida organizada terá que apresentar à comissão processante motivos, esclarecimentos para ter feito aquela faixa.
247: Nesse caso, não há dúvidas de que há "indícios suficientes" de homofobia...
Pois é, na minha concepção, isso não é livre expressão. É, na verdade, uma forma de discriminação. Quando eu convivo socialmente, eu preciso respeitar todos, independentemente de cor, raça, orientação sexual... É dever do Estado garantir o respeito pelas diferenças. Essa atitude que ocorreu no centro de treinamento é uma forma clara de desrespeito às pessoas que têm orientação sexual diferente da grande maioria da população. Eles estão dizendo: "Nós, da torcida verde, vestimos a homofobia". Eles não querem pessoas que sejam gays, lésbicas, travestis. É minha interpretação.
247: Como a senhora avalia essa forte discriminação contra gays nos campos de futebol?
É uma questão cultural, do que tange a gênero. O que é ser homem no nosso País? O que é ser macho? A construção do masculino e do feminino é uma construção cultural. Será que o fato de um homem passar creme o torna mais ou menos viril? É uma construção da cultura machista em que vivemos. Um homem mais vaidoso - caso do Richarlyson - já é motivo suficiente para que os torcedores manifestem claramente que ele nao é uma pessoa benquista por aquele time. É manifestação de homofobia.
247: Quais as ações da Coordenação de Políticas para Diversidade Sexual, da Secretaria de Justiça, que podem "aliviar" o preconceito nos campos de futebol?
Essa coordenação foi criada em 2009 e tem uma série de ações prioritárias. Nesses três anos, nós estamos ampliando a divulgação da lei estadual contra a homofobia. Por causa disso, estamos recebendo muito mais denúncias. As denúncias e as punições para casos de homofobia têm caráter educativo. Aquele comerciante que foi punido por discriminar um cliente serve de exemplo para outros comerciantes, que deixarão de discriminar muitos outros clientes.
247: Há algum exemplo específico?
O Carrefour, uma rede enorme, já tomou três punições do governo de São Paulo. Clientes gays foram desrespeitados dentro do supermercado. Hoje, a rede vem investindo na sensiblização de seus funcionários no combate à homofobia.
247: Mas, nos campos de futebol, o nível de tolerância parece mais complicado...
É preciso um investimento muito grande para que possa haver mudanças significativas. A educação é a base de tudo, das ações da população geral - inclusive nos estádios. Em 2011, a Secretaria de Justiça ofereceu um curso de ensino à distância sobre diversidade sexual. Capacitamos dois mil servidores públicos em um ano. Aproximadamente 70% das pessoas capacitadas eram da área de Educação. É uma forma de reverter a lógica do preconceito - que é muito primária. A gente reproduz sem pensar. Enquanto a gente não parar para refletir o quanto é primário, não vai haver mudanças.
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