Gripe espanhola de 1918 gerou a semente do SUS
"Todas as classes, desde os humildes trabalhadores até aqueles que gozam do maior conforto na vida, foram alcançados pelo flagelo terrível, que bem parece universal", discursou o deputado Sólon de Lucena (PB) na época. Assim como o coronavírus, epidemia se alastrou pelo país em 1918 e gerou a necessidade de um sistema público de atendimento à população
247 - Em 1918, o Brasil viveu o mesmo precedente de preocupação enfrentado com o novo coronavírus: a gripe espanhola. A mutação do vírus veio a bordo do navio Demerara, procedente da Europa, em setembro daquele ano, em que passageiros infectados desembarcaram no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro.
Em pouco tempo, o vírus se espalhou e o país inteiro estava submerso numa devastadora epidemia. Hospitais ficaram abarrotados, escolas suspenderam as aulas, os bondes trafegam quase vazios e o comércio baixou as portas, com exceção das farmácias, onde a população disputava remédios que prometiam curar as vítimas da doença.
Assim como o coronavúrus, a gripe espanhola se espalhou pelo mundo e foi causada por uma estirpe do vírus Influenza A do subtipo H1N1. A doença contaminou mais de 500 milhões de pessoas.
No Brasil, a pandemia chegou a matar mais de 35 mil pessoas, mas o número deve ter sido muito maior porque muitas pessoas morreram sem diagnóstico. A doença vitimou até o Presidente da República, Rodrigues Alves, em 1919.
"Todas as classes, desde os humildes trabalhadores até aqueles que gozam do maior conforto na vida, foram alcançados pelo flagelo terrível, que bem parece universal", discursou o deputado Sólon de Lucena (PB) na época.
Reportagem do El Pais lembra que no período, como os coveiros, em grande parte, estvam acamados ou morreram, a polícia saiu às ruas capturando os homens mais robustos, que são forçados a abrir covas e sepultar os cadáveres. "Os mortos são tantos que não há caixões suficientes, os corpos são despejados em valas coletivas e o trabalho se estende pela madrugada adentro", destaca.
SUS
O El País resgata ainda a história que deu os primeiros passos para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de uma fake news da época que dizia que a Santa Casa de Misericórdia, do Rio de Janeiro, para abrir novos leitos, acelerava a morte dos doentes em estado terminal por meio de um chá envenenado administrado aos pacientes na calada da noite, o chamado “chá da meia-noite”. A história repercutiu nos jornais que apelidam o hospital de “Casa do Diabo”.
"O povo, não sabendo a quem incriminar pela desgraça que o ferira e pelo abandono em que se achou, revoltou-se contra a Santa Casa de Misericórdia, que representa quase toda a assistência pública desta capital. O povo parece não saber que a Santa Casa, afora um subsídio pequeno que lhe concede o governo, vive do favor do público, desse espírito de filantropia tão vivo no seio da nossa população", rebateu o deputado Azevedo Sodré, indignado com a campanha de difamação.
Em reação a notícia e para conter a indignação da população, prefeitos e governadores iniciam um processo de distribuição de remédios e alimentos, improvisam enfermarias em escolas, clubes e igrejas e convocam médicos particulares e estudantes de medicina.
O deputado Sodré critica a postura do governo federal diante da epidemia e cobra da Diretoria-Geral da Saúde Pública, órgão responsável pela saúde em âmbito federal, responsabilidade por ter subestimado as notícias da gripe espanhola no exterior e não ter imposto quarentena aos navios vindos de fora, como o Demerara.
O parlamentar apresenta um projeto de lei que promoveria a diretoria a Ministério da Saúde Pública. O projeto não avança, mas resultou na sanção pelo então presidente Epitácio Pessoa da reforma na estrutura federal de saúde.
"Assim, de forma indireta, a gripe espanhola planta tanto a semente do Ministério da Saúde, que surgirá em 1930 (como Ministério dos Negócios da Saúde e da Educação Pública), quanto a do Sistema Único de Saúde (SUS), que será previsto na Constituição de 1988", destaca o El País.
