Impeachment sem razão jurídica é golpe, diz professor da USP
"Qualquer tentativa de desrespeitar a soberania popular consagrada nas urnas deve ser repelida. O processo de impeachment é um poder a ser exercido com grande cautela em casos extremos de comprovada violação da Constituição, não podendo ser manipulado por interesses econômicos e políticos eventualmente contrariados", diz Gilberto Bercovici, professor da USP, sobre a tentativa de cassar o mandato da presidente Dilma Rousseff; "Venha de onde for, seja do Legislativo, de tribunal, palácio ou quartel, e atribua-se o nome que for, a natureza das coisas não muda: golpe é golpe"
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SP 247 – Em artigo publicado neste domingo, Gilberto Bercovici, professor de Direito da Universidade de São Paulo, condena duramente a tentativa de golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Leia abaixo:
Golpe sem fundamento jurídico
Os crimes de responsabilidade são atos do presidente que atentam contra a Constituição. A função do impeachment não é punir indivíduos, mas proteger o país de danos ou ameaças por parte de um governante que abusa do seu poder ou subverte a Constituição.
Todas as condutas listadas no artigo 85 da Constituição não são situações que comportam a omissão ou a culpa, mas a atuação deliberada e dolosa do chefe do Poder Executivo em contraposição direta à Carta Magna.
O artigo 86 da Constituição determina que os atos que caracterizam o crime de responsabilidade devem ser praticados durante o mandato presidencial, no exercício do cargo.
O fato de o presidente, caso reeleito, poder exercer a função por oito anos não transforma esse período em um mandato único. Pelo contrário, o mandato fixado na Constituição é de quatro anos (artigo 82) e, caso reeleito, o presidente inicia um novo mandato.
Embora o TCU (Tribunal de Contas da União) aprecie as contas prestadas anualmente pelo presidente, não é o órgão constitucionalmente competente para julgar essas contas. Esse poder compete exclusivamente ao Congresso.
O TCU analisa as contas e emite um parecer para que o Congresso possa utilizá-lo como eventual fundamento de sua decisão.
O parecer do TCU, rejeitando ou aprovando contas da Presidência, só tem efeitos jurídicos se for aprovado pelo Congresso no exercício de sua competência constitucional exclusiva de julgamento das contas presidenciais. A decisão do Congresso não está vinculada ao parecer do TCU, que pode ser acatado ou rejeitado, total ou parcialmente.
A eventual rejeição das contas presidenciais pelo Congresso não configura crime de responsabilidade. São duas decisões distintas. A aprovação ou rejeição ocorre por maioria simples de votos. Se a rejeição das contas implicasse necessariamente crime de responsabilidade, haveria a necessidade de ser decidida por quórum de dois terços, como determina o artigo 86, caput da Constituição.
Qualquer tentativa de desrespeitar a soberania popular consagrada nas urnas deve ser repelida. O processo de impeachment é um poder a ser exercido com grande cautela em casos extremos de comprovada violação da Constituição, não podendo ser manipulado por interesses econômicos e políticos eventualmente contrariados.
O impeachment é um processo político, mas depende de sólida fundamentação jurídica, sem a qual nada mais é do que um golpe de Estado. Um golpe patrocinado por parcela do Legislativo, o que não lhe confere legitimidade alguma.
Venha de onde for, seja do Legislativo, de tribunal, palácio ou quartel, e atribua-se o nome que for, a natureza das coisas não muda: golpe é golpe.
GILBERTO BERCOVICI, 41, é professor titular da Faculdade de Direito da USP
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