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Juiz barra jingle municipal apropriado por Lacerda

Música composta pela dupla Cesar Menotti e Fabiano sob encomenda da administração de BH foi assumida pela campanha do PSB; adaptação "deixa o Marcio trabalhar" dava vantagem ao candidato; depois de duas negativas, juiz eleitoral deferiu reclamação da oposição; em 247, escritor Fernando Morais já havia registrado seu protesto frente ao abuso

Juiz barra jingle municipal apropriado por Lacerda (Foto: Edição/247)
Sheila Lopes avatar
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247 – Com 14 mil candidatos, em todo o Brasil, concorrendo a cargos de vereador e prefeito na condição de "Fichas Sujas", apesar da vigência da lei "Ficha Limpa", que, em tese, os impediria de concorrer, a legislação eleitoral vai sendo submetida a um duro teste. E não é certo que será aplicada com o rigor desejado pela sociedade, que aplaudiu o voto do STF pela constitucionalidade da Ficha Limpa. Tudo está na dependência de interpretação de juízes eleitorais municipais, estaduais e dos togados, em Brasília, do Tribunal Superior Eleitoral.

No campo da lei eleitoral mais ampla, que visa proteger o eleitor do uso abusivo da máquina administrativa por parte de prefeitos eleitos e coibir abusos de poder, Belo Horizonte deu um bom exemplo nestes dias. O juiz Maurício Soares, do TRE-MG, deferiu pedido de adversários do atual prefeito da capital Márcio Lacerda, para que fosse tirado de circulação na tevê, no rádio e nos carros de som o jingle om o refrão "Deixa o Márcio trabalhar". A música, na verdade, fora composta, por encomenda da Prefeitura de BH, no início da gestão de Lacerda, pela dupla Cesar Menotti e Fabiano. Eles foram pagos, pelo trabalho, com dinheiro da municipalidade, mas, apesar disso, a campanha de Lacerda julgou-se no direito de, mudando a palavra original "Prefeitura" pelo nome do candidato, usar a melodia na campanha do postulante do PSB à reeleição.

O uso explícito de um bem comprado pelo município em benefício de um interesse privado foi notado – e, com elegância, atacado – pelo escritor Fernando Morais, cujo posicionamento foi reproduzido na coluna de opinião d0 247. Ele observou que a campanha de Lacerda se apropriava indevidamente de uma música que martelou a cabeça dos belo horizontes nos últimos anos, dando-lhe vantagem ilegal frente aos adversários. Os dois primeiros juízes que julgaram as reclamações dos oposicionistas, porém, indeferiram os pleitos, mantendo a musiquinha da Prefeitura a favor do candidato a prefeito. Foi preciso uma terceira batida do martelo, a do juíz Maurício Soares, para que a igualdade concorrencial se restabelecesse. O PSB passou então a ser probido de veicular o jingle feito com base na composição de Cezar Menotti e Fabiano, mesmo que de maneira subliminar. Melhor, assim, para a democracia.

Abaixo, artigo do escritor e jornalista Fernando Morais, publicado em 247, no qual se chamou atenção para o crime eleitoral que estava sendo cometido:

Um jingle me envergonhou em BH

A REPETIÇÃO MUSICAL DO SLOGAN “DEIXA O MÁRCIO TRABALHAR” ME DEU A SENSAÇÃO DE DÉJÀ-VU. SERIA CAPAZ DE JURAR QUE JÁ TINHA OUVIDO AQUELA MESMA MUSIQUINHA NO RÁDIO MESES ANTES

Ao desembarcar no aeroporto da Pampulha, na semana passada, fui recebido com o abraço de um velho amigo mineiro. "Seja bem-vindo", disse ele. "Que bom que você está de volta a Belo Horizonte." Respondi que ninguém pode voltar a um lugar de onde nunca saiu. Parece um clichê, eu sei, uma frase retórica, mas é verdade. Nascido em Mariana, vivi na capital mineira até os 18 anos, quando me mudei para São Paulo. Um pedaço da minha alma, porém, ficou em Beagá, onde passei provavelmente os melhores anos da minha vida.

A caminho do hotel, ouvi no rádio do carro o jingle da campanha eleitoral do prefeito Márcio Lacerda, candidato à reeleição. A repetição musical do slogan "deixa o Márcio trabalhar" me deu a sensação de déjà-vu – ou déjà ouvi, para ser mais preciso. Seria capaz de jurar que já tinha ouvido aquela mesma musiquinha no rádio meses antes, quando estive na cidade para lançar um novo livro.

Para meu espanto, o amigo que me recebia explicou que não, eu não estava ficando louco. Adquirida pela prefeitura (com dinheiro público, naturalmente) e transformada em jingle oficial da administração, a música Não há lugar melhor que BH, da dupla César Menotti e Fabiano, foi martelada durante quatro anos na cabeça dos belo-horizontinos.

Quando chegou a campanha eleitoral, o que é que o prefeito fez? Subtraiu o refrão original "a prefeitura não para de trabalhar" e no lugar dele sapecou o "deixa o Márcio trabalhar". Isso mesmo, como se a melodia fosse sua propriedade particular e não um bem pelo qual os contribuintes haviam pago. A apropriação parece ainda mais escandalosa quando se sabe que o atual prefeito de Belo Horizonte ocupa o segundo lugar entre os candidatos mais ricos do país, dono de um patrimônio declarado de mais de R$ 50 milhões.

A surpresa não terminou aí. Mais tarde, soube que a Justiça Eleitoral mineira já havia denegado duas vezes o pedido da oposição para que o absurdo fosse coibido e a música tirada do ar. No avião, de volta para São Paulo, eu me perguntava: se um administrador público faz isso em campanha eleitoral, quando os políticos estão sob o olhar vigilante dos eleitores e da imprensa, o que não fará no lusco-fusco do exercício do mandato?

PS: Um e-mail me informa que o juiz Maurício Soares, do TRE, acaba de determinar "a imediata suspensão de toda e qualquer propaganda eleitoral veiculada pela coligação 'BH segue em frente' que utilize a música 'Não há lugar melhor que BH', mesmo que de forma subliminar e instrumental." Esse juiz viu, enfim, o que saltava aos olhos e ouvidos de Belo Horizonte: "É essa melodia, bem fixada na mente dos eleitores à custa do dinheiro público, que um dos candidatos usa em benefício de sua campanha, trazendo assim a desigualdade que a lei teve a intenção de proteger". Ufa! O espírito mineiro tarda, mas não falha!

Fernando Morais e jornalista e escritor.

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