Luta pelos direitos LGBTs ganha visibilidade nas eleições da capital
Os avanços conservadores na política, com o aumento de força da bancada evangélica no Congresso e a retirada de questões relacionadas à identidade de gênero e orientação sexual dos planos de educação em todo o país são algumas das ameaças políticas enfrentadas pela população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais); constantemente invisibilizadas, as pessoas que assim se identificam têm pouca representatividade em termos de política: no Congresso, apenas Jean Wyllys (PSOL) é gay assumido; no Executivo, a situação é semelhante, e em Porto Alegre, até hoje, nunca houve um prefeito ou vice-prefeito LGBT
Débora Fogliatto, Sul 21 - Os avanços conservadores na política, com o aumento de força da bancada evangélica no Congresso e a retirada de questões relacionadas à identidade de gênero e orientação sexual dos planos de educação em todo o país são algumas das ameaças políticas enfrentadas pela população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Constantemente invisibilizadas, as pessoas que assim se identificam têm pouca representatividade em termos de política: no Congresso, apenas Jean Wyllys (PSOL) é gay assumido. No Executivo, a situação é semelhante, e em Porto Alegre, até hoje, nunca houve um prefeito ou vice-prefeito LGBT.
Este ano, a candidatura de Silvana Conti (PCdoB), postulante a vice-prefeita na coligação Porto Alegre Democrática, pretende mudar esse quadro. Ela é lésbica assumida, militante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e carrega a pauta como uma das bandeiras que defende em sua campanha. Já para o Legislativo, no entanto, não há nenhuma mulher lésbica dentre as candidatas. Porto Alegre tem três mulheres trans, cinco homens gays e um homem bissexual dentre os que concorrem a uma vaga à Câmara Municipal, embora nem todos tenham esse como seu principal eixo de campanha.
Na legislatura atual, Carlos Casartelli (PTB), que é gay assumido, foi vereador por cerca de um ano e, embora não seja ligado à militância LGBT, foi uma das principais vozes a favor da permanência das questões de gênero e diversidade no Plano Municipal de Educação, quando foi votado na Câmara. Ele, que é médico e também já foi secretário da Saúde, não irá concorrer à reeleição.
Entre os candidatos deste ano, há algumas semelhanças além da militância LGBT: três são de religiões de matriz africana, quatro têm menos de 30 anos, quase todos começaram suas militâncias ainda enquanto estudantes e cinco concorrem pela primeira vez em uma eleição. Conheça os candidatos que lutam por seus direitos e buscam uma vaga na Câmara Municipal:
PSOL
Ana Paula Sander: Filiada há cerca de três anos no PSOL, Ana Paula escolheu o partido exatamente pela identificação da sigla com o movimento LGBT, ao acompanhar a campanha de Luciana Genro à presidência em 2014. Mulher transexual, ela afirma não se considerar militante do movimento, embora tenha integrado a ONG Igualdade, e foi levada a concorrer pelo seu desejo por um mundo e, nesse caso, uma cidade, melhor e sem preconceitos. Desempregada no momento, Ana Paula já atuou como cabeleireira no passado e cursa Licenciatura em História na PUCRS.
A questão da falta de oportunidades para pessoas trans, muitas das quais acabam se prostituindo, é um dos pontos centrais da sua campanha. "É uma questão de querer uma sociedade com respeito, educação, mais oportunidades de trabalho para LGBTs, especialmente para pessoas trans", relata ela.
Luciano Victorino: Aos 22 anos, Luciano concorre pela primeira vez, mas já tem história política pra contar. Logo que entrou na UFRGS como estudante de Jornalismo passou a militar no movimento estudantil, envolvendo-se com o Diretório Acadêmico da Comunicação e, mais tarde, com o Diretório Central da universidade. Ao mesmo tempo, começou a militar no movimento LGBT, o que também ajudou em sua própria aceitação e a se assumir como gay. "Foi através da própria militância que consegui me afirmar como LGBT e me assumir pra mim mesmo e pra família, me ajudou muito na resistência e auto-afirmação", relata. Na mesma época, passou a participar do movimento Juntos, ligado ao PSOL, e se filiou ao partido.
Atualmente estudante de Direito, Luciano participou das campanhas de Fernanda Melchionna para Câmara em 2012 e para a Assembleia Legislativa em 2014, quando ela não se elegeu. Por dois anos, atuou como assessor parlamentar no mandado dela, exonerando-se agora para concorrer. "Ela também é um exemplo da trajetória do movimento estudantil, provando que fazemos política diferente, que estamos ali em todos os espaços que se faz política para apresentar uma alternativa real vinculada", acredita. Para ele, o vínculo com Jean Wyllys, que apoia a candidatura de Fernanda e a dele, pode ser importante na disputa. A pauta LGBT é a principal bandeira da candidatura de Luciano, que acredita na importância de um vereador que carregue essa luta para "impulsionar diversos movimentos na cidade".
Marcelo Rocha Garcia: Militante a favor do SUS, médico de família, gay e de matriz africana. É assim que se identifica Marcelo, de 28 anos, que foi criado em terreiro e começou sua trajetória política após entrar na Faculdade de Medicina, em 2007. Até 2012, militou de forma independente no movimento estudantil, afro-religioso e em defensa da saúde pública, antes de ingressar no PSOL, onde também passou a se ligar mais no movimento LGBT. "Eu carrego essas três pautas. Todo o povo necessita de saúde e com o governo interino ilegítimo o SUS está sendo muito atacado. Ao mesmo tempo, como LGBT minha própria existência é uma manifestação política, não posso de maneira nenhuma deixar de tocar nessa pauta, assim como da religião, que é uma questão do povo negro e dos quilombolas que não posso deixar de defender", afirma.
Assim como Luciano, com quem namora há três anos, Marcelo também apoiou Fernanda Melchionna nas eleições de 2012 e 2014. Ele optou pelo PSOL, que chama de "o partido gay", por sempre ter tido orientação de esquerda e por ter identificar a questão LGBT de forma explícita. "Tive muita dificuldade de me assumir durante minha adolescência, sinto a necessidade de uma política que defenda abertamente as pessoas LGBTs. E é o único partido que faz isso, foi o primeiro lugar que entrei e me senti acolhido, não me imagino em nenhum outro partido", afirma Marcelo, que trabalhava na UBS Macedônia, na Restinga, até começar a campanha.
Roberto Seitenfus: Militante LGBT desde 1999, antes disso Roberto iniciou sua carreira no movimento estudantil e de rádios comunitárias, ainda no Ensino Médio. Ao concluir esta etapa dos estudos, já começou a se envolver com a Parada Livre de Porto Alegre, da qual foi um dos organizadores por muitas edições com o grupo Desobedeça. Há cerca de três anos, o coletivo optou por criar a Parada de Luta LGBT, pautada "numa visão de movimento de fato", conforme define. A candidatura também nasceu desta relação com o movimento, e não necessariamente por uma questão interna do partido, segundo ele.
Ao mesmo tempo, Roberto destaca que participou da fundação do PSOL e que sua trajetória está ligada à de Luciana Genro desde a época em que ela era do PT e ele, do movimento estudantil. Concorreu pela primeira vez em 2004, com o objetivo de mostrar que o PSOL estava alinhado à pauta LGBT. "Participei das duas eleições subsequentes, pra vereador e deputado federal, mas nunca numa perspectiva de disputa de fato, e sim programática, de disputar ideias da sociedade, fazer esse debate", afirma. Em 2010, porém, já não tinha mais vontade de concorrer, mas este ano, por pressão do movimento LGBT e do povo de terreiro, do qual faz parte, decidiu lançar seu nome novamente. Desta vez, ele afirma que está na disputa de fato, não apenas para lançar a pauta, mas sim com chances reais de conquistar uma cadeira na Câmara.
PT
Luisa Stern: Mesmo antes de se perceber como mulher trans, Luisa já se identificava com pautas de esquerda: nos anos 1980, militava na Pastoral da Juventude, "quando a Igreja era progressista", segundo define. Em 1985, aos 19 anos, filiou-se ao PT, e desde então teve momentos de maior e menor aproximação com o partido ao longo de sua trajetória. Na época de sua transição de gênero, aos 40 anos, acabou se afastando, por exemplo. "Eu não estava bem naquele momento, e aí depois de assumida, em 2009, comecei a me envolver mais com o movimento LGBT", relata. Advogada e militante dos direitos humanos, ela tornou-se um nome de referência no movimento.
A partir de 2011, começou a unir a atuação no movimento LGBT e a política partidária. Em 2014, candidatou-se como deputada estadual, mas afirma que foi uma campanha "decidida de última hora", que serviu como um teste para o pleito à Câmara deste ano. "Agora foi praticamente natural minha candidatura à vereadora, o pessoal estava pedindo. Eu já estou conhecida pela militância nos movimentos sociais, movimentos contra o golpe, já tinha virado um nome de referência", afirma. Ela fala com orgulho que, caso eleita, será a primeira vereadora trans em uma capital brasileira, o que é importante no momento conservador pelo qual o país passa. "Isso seria um marco histórico, mas não quero me limitar a fazer pauta trans, também procuro dialogar com todas as outras minorias, populações vulneráveis", garante.
Thiago Braga: Sem se apegar a rótulos, Thiago inicialmente afirma que "fica com quem tem vontade", independente da pessoa ser homem ou mulher. Após refletir, porém, define-se como bissexual, mas sua própria sexualidade não é o principal motivo para ele considerar a luta pelos direitos da população LGBT um de seus principais temas de campanha. "Frequento espaços LGBT, sou bissexual, mas não sou um militante do movimento em si. Mas eu tenho legitimidade com a população [LGBT] e há muitos militantes me apoiando", explica.
Filiado ao PT desde os 15 anos, começou a participar de política mais ativamente com 20 e poucos, durante a discussão sobre ações afirmativas e cotas para a UFRGS, as quais sempre defendeu. Participou do movimento contra a ex-governadora Yeda Crusius (PSDB) e foi o responsável por colocar uma bandeira com os dizeres "Fora Yeda" no Laçador, estratégia que sempre gostou de utilizar: "a ação direta de forma criativa, que chame atenção para determinada causa". Há nove anos, começou a trabalhar com a deputada federal e ex-ministra Maria do Rosário, com quem atuou com movimentos sociais e pela memória e justiça. Este tema, aliás, é uma de suas áreas de militância, especialmente porque seu avô foi torturado durante a ditadura — recentemente, sua família recebeu o pedido de desculpas do governo federal. Nos últimos anos, participou da criação do Bloco da Diversidade e do coletivo Porto Alegre Cidade Criativa, que busca humanizar e aproximar a cidade das pessoas.
PCdoB
Lucas Maróstica: Morador de Porto Alegre há oito anos, Lucas é natural de Guaporé, cidade do interior que classifica como "bastante conservadora", onde lembra de ter sofrido preconceito quando criança e adolescente. Essa experiência foi exatamente o que o impulsionou a fazer parte da política, destaca. Sua militância começou em 2010, com o movimento estudantil enquanto estudante da PUC, onde participou do movimento 89 de Junho, que garantiu a realização de eleições para o Diretório Central dos Estudantes da Universidade. "Foi daí que percebi que quando a juventude se mobiliza, pode mudar sua vida, seu bairro, diretório acadêmico. A política pode mudar nossa vida e foi isso que me cativou", relata.
A partir daí, teve contato com o movimento LGBT e passou a ter essa pauta como central em sua vida pessoal e política, as quais estão interligadas. Já foi integrante do Juntos, coletivo ligado ao PSOL, antes de se filiar ao PCdoB, e atualmente é presidente da União Nacional LGBT no Rio Grande do Sul. "Sempre procurei dialogar com todos os movimentos, combato a fragmentação que existe no movimento social, acho que podemos estar unidos nas nossas bandeiras", afirma. Aos 25 anos, sua candidatura também procura representar o público jovem, e conta com o apoio de deputada estadual Manuela D'Ávila, que também carregou essa bandeira em diversas eleições. "Queremos envolver os movimentos e as pessoas, que estão distantes da política partidária nesse momento", menciona.
PMDB
Glória Crystal: Conhecido nome do movimento LGBT gaúcho, Glória milita há 30 anos, principalmente pelo direito de mulheres transexuais e travestis. Ela, inclusive, conta ter sido a primeira travesti a participar de uma eleição no Rio Grande do Sul, em 2010. Dois anos depois, candidatou-se para a Câmara, ficou como suplente e logo assumiu a secretaria-adjunta de Livre Orientação Sexual da Prefeitura, cargo que exerceu até se licenciar para se candidatar. Nascida em Bagé, foi em Porto Alegre que Glória pode assumir quem realmente era, e foi aqui também que ela tornou-se conhecida com a realização de performances e shows. Atualmente, é a apresentadora da Parada Livre da capital gaúcha.
Desde 2009 é filiada ao PMDB, do qual se aproximou a partir do amigo Sérgio Silva, já falecido, e garante estar segura de sua decisão. "A gente precisa de um partido para poder fazer a nossa política e eu escolhi o PMDB. Gosto do partido, me representa, me respeita", afirma. Sua candidatura está baseada na preocupação com as pessoas LGBTs, vítimas de violência e assassinatos no país. Só em 2016, segundo ela, foram quase 200 mortes dessa população, a maioria de travestis e transexuais. Para ela, no entanto, ser a única pessoa LGBT na Câmara não faria tanta diferença. "Nós temos condições de colocar mais de um LGBT na Câmara. Se existem bancadas fundamentalistas, por que não uma bancada LGBT? Precisamos de mais LGBTs engajados em movimentos sociais, em política, participando das eleições, independente de partidos", acredita.
PSL
Juan Savedra: Juan não se define como um candidato "única e exclusivamente LGBT", mas sim como alguém que defende ideias liberais, entre elas a livre concorrência e a livre iniciativa, assim como a defesa de que "pessoas possam viver de acordo com suas próprias convicções sem se submeter a leis que impeçam direitos civis", conforme define. Ele é, principalmente, um defensor das liberdades individuais, onde aponta que entra a questão LGBT. "Essa pauta está na minha campanha, da mesma forma que as questões religiosas, como a laicidade do Estado, por eu ser de matriz africana", explica.
Ele se envolveu com o PSL a partir do movimento Livres, do qual faz parte, que diz estar "renovando o partido internamente". A candidatura, por sua vez, foi uma consequência da sua entrada na legenda, mas não foi o que o motivou a se filiar. Ele garante que o PSL tem afinidade com a pauta LGBT, embora não da maneira como esse assunto é normalmente tratado atualmente. "O PSL tem espaço e isso vai crescer cada vez mais no segmento das pautas LGBTs, essa abordagem um pouco diferente das atuais", acredita. Aos 28 anos, ele é advogado e está terminando a especialização em Direito e Processo do Trabalho. Nascido em Uruguaiana, Juan mora em Porto Alegre desde os dois anos, então se considera porto-alegrense "de coração".
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