‘Nota da ATP é uma ameaça à população e ao Judiciário’
Bancada do PSOL reage ao protesto da Associação dos Transportadores e Passageiros de Porto Alegre contra liminar da Justiça que manteve o valor da passagem em R$ 2,85; “Sem licitação, qualquer cálculo utilizado para o valor da tarifa é irregular. Não tem como contestar isso”, alega o vereador Pedro Ruas sobre disputa judicial
Rachel Duarte
Sul21 - Por meio de anúncio pago em veículos de grande circulação, a Associação dos Transportadores e Passageiros de Porto Alegre – ATP alegou nesta segunda-feira (20) que a suspensão do aumento no valor das tarifas de ônibus está “causando danos de proporções catastróficas ao transporte coletivo municipal”. Com a decisão liminar da Justiça, em abril, para manter o valor da passagem em R$ 2,85, a qualidade do serviço estaria ficando comprometida, diz a ATP. Por esta razão, a entidade protocolou junto ao Executivo a suspensão temporária dos pagamentos dos encargos de ISSQN e a Taxa de Contribuição para a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). O governo municipal deve anunciar nesta terça-feira (21) a impossibilidade de atender ao pedido da ATP. Em coletiva de imprensa, a bancada do PSOL definiu o documento como “ameaça e intimidação ao Judiciário” – poder que ainda decidirá sobre a suspensão do aumento da passagem.
O anúncio da ATP acontece um mês depois da redução no valor da tarifa de ônibus em Porto Alegre, alcançada mediante sucessivos protestos populares nas ruas da capital gaúcha. O pedido para redução por via judicial foi feito pelos vereadores do PSOL, Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, e tinha como objetivo a suspensão do último aumento da passagem na capital, de R$ 2,85 para R$ 3,05, ocorrido no dia 21 de março. A ATP apresentou recurso e o mérito ainda deverá ser julgado.
Enquanto isso não acontece, as empresas de transporte público alegaram, na manifestação publicada em espaço nobre dos grandes jornais, que necessitam da redução dos impostos para “evitar o caos financeiro”.
Segundo a ATP, o prejuízo das empresas com a liminar está estimado em R$ 20 milhões. “A defasagem já ocorre desde o ano passado. Queríamos aumentar para R$ 2,90 e tivemos que ficar em R$ 2,85. Em 2012 nós tivemos aumento de mais de 20% nos custos de combustível, 20% de aumento nos veículos e acessórios, 7,5% em dissídios e reajustes dos rodoviários e não tivemos repasse tarifário”, falou o presidente da ATP, Ênio Roberto Reis. Segundo ele, nestes 45 dias sem aumento da passagem, as empresas deixaram de arrecadar cerca de R$ 10 milhões.
Na visão do vereador Pedro Ruas, advogado da bancada do PSOL na ação cautelar de suspensão do aumento da passagem, o valor representa, na verdade, uma economia para a população de Porto Alegre. “Os empresários é que tem uma dívida com os usuários pelos dias em que vigorou o aumento da passagem até a decisão judicial. A base de cálculo utilizada para chegar ao valor sugerido no começo do ano está viciada porque tem referência em planilha que o Ministério Público de Contas já apontou como superfaturada”, argumentou.
“Há 24 anos não há licitação. Qualquer cálculo é irregular”, alega Pedro Ruas
Segundo ele, o PSOL já havia apontado em uma Ação Popular de maio de 2011, que o sistema de transporte público de Porto Alegre opera de forma ilegal. “As únicas leis que podem balizar o cálculo é a Constituição Federal, a Lei 86.666 (Lei Federal das Licitações) e a Lei Orgânica Municipal que cria a EPTC. Nada que não esteja assegurado nelas está correto. Portanto, como Porto Alegre não tem licitação para o transporte coletivo há 24 anos, tudo que foi feito neste período é irregular”, defendeu.
O presidente da ATP, Ênio Roberto Reis, rebate os argumentos do parlamentar. “Discordo plenamente de que a população está economizando. Ela está acumulando prejuízos para o futuro. Já tivemos intervenções em Porto Alegre que implicaram nesta realidade que estamos alertando. As empresas tiveram que reduzir a tarifa e ficamos com uma frota sucateada. Eu tenho dúvida sobre o tipo de transporte que ele (Pedro Ruas) quer priorizar para Porto Alegre. Deve ser igual ao da Venezuela, Equador ou de Cuba. Sem pagar a passagem, com preconização do passe livre”, diz.
A entidade acusa os protestos realizados durante quatro meses de serem ações organizadas por interesses eleitorais e a serviço da depredação e violência. “Os protestos tiveram bandeiras partidárias. Foram pessoas de esquerda. Entramos com queixa-crime e estamos identificando as pessoas que fizeram o quebra-quebra. Os mandantes nem precisamos dizer que são todos conhecidos na cidade já. Mas não adiante meia dúzia de desocupados virem aqui quebrar tudo, achando que ficará assim”, falou, referindo-se ao fato de um dos protestos ter gerado depredação da sede da ATP.
O argumento de articulação ideológico-partidária para as manifestações em Porto Alegre é questionado pela vereadora Fernanda Melchionna. “O presidente da ATP deve ter estado fora de Porto Alegre (na época dos protestos) para poder dizer isso. Ele certamente não viu que as mobilizações envolveram milhares de pessoas indignadas. Não foram apenas dirigentes de partidos – apesar de, sim, terem pessoas do PSOL, por exemplo. Era uma maioria de estudantes independentes nas ruas”, salienta.
“Empresários tiveram lucro de R$ 72 milhões em 2012″, acusa Fernanda Melchionna
A vereadora recorda os argumentos do apontamento do Tribunal de Contas do Estado do RS (TCE-RS), que pediram revisão do cálculo das tarifas em Porto Alegre. Segundo o TCE-RS, o valor da passagem em Porto Alegre deveria ser R$ 2,60, se fossem respeitados os valores da planilha do transporte público. “O cálculo foi feito com base na frota que não estava operando e superfaturou a tarifa no ano de 2012, resultando em um lucro de R$ 72 milhões de reais aos empresários no ano passado”, afirma. A vereadora diz que o TCE-RS realiza nova auditoria para analisar o cálculo feito na proposta de reajuste deste ano. “Fora isso, também há elementos no novo pedido de auditoria, que diz que estes lucros indevidos podem e devem estar embutidos em outros setores que compõem a planilha tarifária”, alerta.
Conforme os dados divulgados pela vereadora, os gastos com pneus para os ônibus de Porto Alegre estão acima da média de toda a Região Metropolitana e além dos patamares da Agência Nacional de Petróleo. O valor do aumento de combustível está tarifado com 8,4% a mais do valor de mercado, superfatura também apontada nos gastos com pneus (14,6%) e no serviço de recapagem de pneus (11%). “Sem falar no valor dos custos de veículos, que está 52% acima dos valores da média do mercado e nas verbas de publicidade que, por lei deveriam ir exclusivamente para o Plano de Saúde dos Rodoviários e apenas 30% é destinado para isso”, acusa.
De acordo com o presidente da ATP, Enio Roberto Reis, o cálculo do reajuste da passagem é legal. “Calculamos o valor em cima de uma lei municipal aprovada na Câmara. Não há ilegalidade. Se houver mudança na metodologia, tem que mudar primeiro a lei. Estamos tentando mostrar isso para o judiciário com nosso questionamento. Nossa expectativa é de retorno positivo no julgamento do recurso”, diz.
Prefeitura não irá suspender tributos
Apesar do pedido da ATP, o Executivo municipal tende a não suspender o pagamento de impostos por parte das empresas privadas de transporte da capital. O presidente da EPTC, Vanderlei Capelari informa que o executivo fará o anúncio formal nesta terça-feira (21). “É impossível atender a este pedido. Não podemos abrir mão destes tributos. Tanto a taxa de gestão como o ISSQN são leis, não cabe ao gestor decidir se cobrará ou não”, disse. Ainda que o governo municipal optasse em suspender o imposto, haveria de ser reduzido também o valor da passagem, uma vez que a tarifa segue planilha calculada com base nestes tributos, explica Capelari. “Nem para Carris nós isentamos estes tributos. Na minha avaliação, não é isso que irá resolver o problema das empresas privadas”, fala.
O foco do questionamento da ATP deveria ser, para o presidente da ATP, solicitar ao Judiciário que tenha sensibilidade para julgar o mais breve possível o mérito sobre o aumento da passagem. “Temos uma decisão que mantém o valor em R$ 2,85.
Se ficar assim teremos que tomar uma série de medidas para reduzir os custos das empresas. Uma delas será reduzir o ar-condicionado dos veículos. Já mudamos o cálculo conforme exigiu o TCE-RS e ainda veio a liminar pedindo a redução. Temos um prejuízo de mais de R$ 1 milhão por mês, só na Carris”, fala Capelari.
Para Pedro Ruas, o argumento da liminar é inquestionável sob o ponto de vista do interesse público e ele confia na vitória judicial em favor da manutenção da passagem em R$ 2,85. “Não ter licitação é inquestionável. Isto é um cartel. A cada ano dizem o preço que querem com base em nada e ainda têm o peito de ameaçar a população com este anúncio caríssimo de uma página (inteira) nos jornais”, acusa o vereador.
Usuários são convidados a denunciar má qualidade dos serviços
Segundo ele, a bancada do PSOL irá recorrer a instâncias superiores caso seja necessário. Além disso, no âmbito municipal, os vereadores anunciaram uma fiscalização ofensiva ao sistema de transporte público da capital para evitar precarização como instrumento de pressão ao Judiciário. A partir desta terça-feira (21), os vereadores farão fiscalização sem aviso prévio do cumprimento da tabela de horário dos coletivos. Por meio de uma página na internet, a bancada espera contar com o auxílio dos usuários para coletar denúncias sobre irregularidades e má prestação dos serviços em Porto Alegre.
A EPTC garantiu que também está atenta à qualidade do transporte público. “Não vamos admitir queda dos serviços.
Estamos atentos e redobraremos nossa fiscalização. Em abril já constatamos mais de 500 horários descumpridos por parte das empresas”, fala o presidente Vanderlei Capelari. Já o presidente da ATP, Ênio Roberto Reis afirmou que nenhuma medida de precarização será tomada por parte dos empresários. “Não fizemos e nem vamos fazer nada disso. Admitimos que temos problemas no serviço hoje, mas deve-se ao grande congestionamento no fluxo do trânsito nas saídas das periferias e nas obras dentro da cidade”, alega.
A estimativa é de que existam 5 mil multas por má prestação de serviço por parte das empresas de transporte público de Porto Alegre.
