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'O Presídio Central parece um depósito de gente'

O major Dagoberto Albuquerque, atualmente diretor do Presídio Central de Porto Alegre, onde busca aplicar os conhecimentos adquiridos durante sua formação como sociólogo, criticou a forma como a penitenciária é gerida pelo governo estadual; "A única coisa que estamos fazendo é tirar a pessoa da sociedade e colocar dentro da cadeia, então aqui acaba virando um depósito de gente", disse; "O preso está aqui para cumprir pena e a gente não quer causar problemas para ele, apenas queremos que ele cumpra as regras aqui dentro e cumpra sua pena"

O major Dagoberto Albuquerque, atualmente diretor do Presídio Central de Porto Alegre, onde busca aplicar os conhecimentos adquiridos durante sua formação como sociólogo, criticou a forma como a penitenciária é gerida pelo governo estadual; "A única coisa que estamos fazendo é tirar a pessoa da sociedade e colocar dentro da cadeia, então aqui acaba virando um depósito de gente", disse; "O preso está aqui para cumprir pena e a gente não quer causar problemas para ele, apenas queremos que ele cumpra as regras aqui dentro e cumpra sua pena" (Foto: Leonardo Lucena)

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Débora Fogliatto, Sul 21 - O major Dagoberto Albuquerque passa longe do estereótipo popular sobre membros da Brigada Militar. Tranquilo e moderado, o homem de 41 anos que cresceu na Vila Jardim é atualmente diretor do Presídio Central de Porto Alegre, onde busca aplicar os conhecimentos adquiridos durante sua formação como sociólogo. Preocupado com questões de direitos humanos, ele ajudou a criar a ala de travestis do Presídio, está implantando um programa de curso de confeitaria para os detentos, os quais sempre chama pelo primeiro nome. "O preso está aqui para cumprir pena e a gente não quer causar problemas para ele, apenas queremos que ele cumpra as regras aqui dentro e cumpra sua pena", defende.

Sua estadia no cargo mais alto da administração do Presídio, no entanto, está com os dias contados. Nesta semana, deve chegar um tenente-coronel que irá assumir a direção e ele ficará como sub-diretor, cargo que já exerceu anteriormente.
Nesta entrevista, ele fala sobre o futuro do Central, sua própria trajetória e suas opiniões sobre redução da maioridade penal e presídios privados, além de analisar os motivos que levam ao encarceramento em massa e criticar a falta de ressocialização fornecida pelas prisões: "A única coisa que estamos fazendo é tirar a pessoa da sociedade e colocar dentro da cadeia, então aqui acaba virando um depósito de gente". Confira a íntegra:

Sul21 – O senhor em breve não vai mais ser diretor do Central. Já sabe quando vai ser isso e para qual função deve ir?

Major Dagoberto Albuquerque – Provavelmente na semana que vem. Já houve indicação de que virão para cá um tenente-coronel e um major, que é mais antigo do que eu, portanto eu devo ficar na terceira função de administração. Eu voltarei a ser subdiretor, como já fui anteriormente. Eles não são do Central no momento, mas acredito que ambos já passaram por aqui.

Sul21 – Há quanto tempo é a Brigada quem administra aqui?

Albuquerque – Há 20 anos. Chegamos para ficar seis meses e já estamos há 20 anos, eu brinco que são os seis meses mais longos da história. Na verdade estamos emprestados aqui. A gente está aqui fazendo uma coisa híbrida, porque somos BM administrando uma casa que é da Susepe. Então a intenção da Brigada é tirar a força-tarefa daqui e devolver para as ruas, mas a Susepe ainda não preparou os agentes para assumirem as casas prisionais, tanto aqui quanto a PED. Tem cursos em andamento, mas ainda é em número insuficiente.

Sul21 – São quantos brigadianos que trabalham aqui?

Albuquerque – Hoje temos aqui 228 policiais, o que parece bastante gente, mas precisaria mais ainda. A ONU prevê cinco detentos para cada agente de segurança, hoje temos cerca de 12 a 13 presos para cada agente.

Sul21 – Mas o número de detentos já começou a diminuir.

Albuquerque – Sim, principalmente em função à desativação do C e o próximo que deve cair é o D. Em 2010, já teve 5.300, foi a maior alta de efetivo prisional, enquanto hoje são 3.800. Essa elevação da população carcerária motivou uma série de interdições da vara de execuções prisionais, e hoje não pode o efetivo prisional passar de 4.650, até agora esse número vai ter que ser reformulado após a desativação do C.

Sul21 – E já se sabe como vai ficar essa desativação com o novo governo do Estado?

Albuquerque – Não se sabe ainda, ninguém deu uma posição concreta sobre isso, embora haja alguns indicativos. O principal é de que vai continuar a política de demolição de alguns pavilhões, mas mantendo estrutura para presos provisórios. Que essa casa foi feita para ser para presos provisórios, mas hoje a gente tem 1600 condenados aqui, que deveriam estar em uma penitenciária, não em presídio. Eles deveriam já ter saído e sido encaminhados.

Sul21 – Existe também uma preocupação com as visitas familiares nessa questão da transferência dos presos?

Albuquerque – Sim, inclusive por isso muitos presos preferem ficar aqui do que ir para outra unidade prisional. Muitas famílias não têm condições financeiras de ir duas vezes por semana para Charqueadas visitar eles, por exemplo, ou Arroio dos Ratos.

Sul21 – E há alguma forma de ser mantida parte da estrutura aqui?

Albuquerque – Existe um projeto, que se o antigo governador tivesse sido reeleito ele disse que aplicaria. Uma unidade prisional nova ali mantendo os pavilhões de 2009, que chamamos de “anexos” e fazendo uma cadeia lá perto do muro, com uma nova unidade de mil vagas. Uma cadeia totalmente nova os moldes de como é hoje Canoas. Teria a possibilidade de haver uma cadeia nova, moderna, com estrutura de trabalho e ensino, mais digna, para 1.500 presos. Isso evitaria que fossem mandados para outras cidades e nos ajudaria a erradicar as facções, que hoje é um dos grandes problemas aqui, porque não conseguimos manter os presos em celas.

Ou seja, uma galeria tem cerca de 30 celas, e temos que manter elas abertas e os presos circulando dentro das galerias, porque não há espaço. Se fossemos prender eles dentro das celas, teria que ter no pavilhão A, por exemplo, uma cela para 38 presos. E não tem como fazer isso. Uma cadeia nova já começaria preocupada com isso, com o tamanho e quantidade de celas adequadas. Hoje se há suspeita de que haja um celular em alguma galeria, por exemplo, temos que evacuar tudo e levar todos para o pátio e revistar um por um.

Sul21 – Não é no presídio de Canoas que tem uma maior participação dos detentos?

Albuquerque – Os projetos de tratamento penal nessas cadeias novas são muito melhores. Tratamento penal eu digo trabalho e estudo. Tem mais espaços adequados para isso. Hoje, por exemplo, tem um monte de presos querendo trabalhar e não tem espaço para eles trabalharem, não tem instalações adequadas, então mesmo que eu quisesse colocar mais presos trabalhando, eu não vou conseguir. Outra coisa que falta aqui é que as empresas venham trazer serviço para os presos, o que a gente chama de PAC (Protocolo de Ação Conjunta). Por exemplo: tem uma empresa que faz bijuterias e ela quer que os presos façam bijuterias, com salário remunerado e carteira assinada. Hoje essa empresa não pode vir pra cá, porque não tem espaço físico para isso. Nos presídios novos, já estão previstas áreas para isso. E eles querem trabalhar, porque a cada três dias trabalhados é um a menos na pena. E os presos também recebem uma remuneração, através da conta pecúlio que cada um tem.

Sul21 – Vocês já sabem como que vai ficar a ala das travestis nesse possível processo de demolição?

Albuquerque – Não sabemos ainda, mas eu acho que como os pavilhões novos serão mantidos, é bem possível que ela seja mantida. Mas se a gente analisar, nesta terceira galeria do pavilhão H (onde ficam as travestis, parceiros e alguns homens homossexuais) tem 26 pessoas, é uma das que menos têm. Então é complicado tu manter uma galeria com esse número muito pequeno de detentos, sendo que tem algumas que abrigam mais de 400 presos. Hoje eu digo que é necessário sim manter as travestis separadas, mas é complicado, porque dependendo do administrador, ele pode acabar com a galeria e misturar o pessoal, achando que essa galeria está sub-valorizada. A gente tem uma política de proteção física nesse espaço, tomando cuidado para que não se deixe de alcançar todo o tratamento penal que elas necessitam, como atendimento médico, acesso à defensoria pública, escola, psicólogo. A gente não pode segregar esse pessoal duas vezes, ou seja, separar elas e esquece. Eu até fiz uma proposta para que travestis de outros lugares venham aqui para o presídio, porque essa nossa galeria já serviu de modelo para outros presídios. Isso é uma conquista com muito suor.

Sul21 – Como que iniciou esse processo de implementação?

Albuquerque – O processo iniciou em 2011, então o diretor era o Tenente-Coronel Santiago, que conversou com a Marcely (Malta, líder da ONG Igualdade). Eles chegaram à conclusão de que não poderiam deixar a população das travestis sofrendo violência no meio dos outros presos. E eram muitos tipos de violência. Então eles convenceram o juiz da Vara de Execuções Criminais, que aceitou e fizeram um trabalho consistente, que vem se mantendo há três anos já. E cada vez que tem algum evento, como no lançamento do livro, a gente acaba fortalecendo a ideia, então fica mais difícil de alguém desconstituir isso. Eu acho um espaço muito adequado para aquilo que a gente se propõe, que é justamente de adequar aquelas diretrizes dos direitos humanos. A gente tem muitos presos aqui, mas temos pouquíssimos problemas, porque o que eu passo para os meus subordinados é que eles tratem os presos bem, por exemplo, chamando-os pelo nome, não pelo apelido. O preso está aqui para cumprir pena e a gente não quer causar problemas para ele, apenas queremos que ele cumpra as regras aqui dentro e cumpra sua pena. Desde 2008 a gente não tem homicídios aqui no presídio, por exemplo. Claro, brigas sempre ocorrem, mas briga a gente tem em todos os lugares.

Sul21 – Tu encontraste algum tipo de resistência nesse trabalho de se preocupar com direitos humanos aqui no presídio?

Albuquerque – A gente sempre enfrenta resistência interna, porque é uma coisa que não é da nossa cultura. Aqui a gente reaprende o nosso trabalho, como brigadianos, porque trabalhamos com outro público. Temos que tentar implantar uma cultura dentro do que já existe é difícil, porque quando a gente está trabalhando na rua, tem outro trato, queremos capturar a pessoa e prendê-la. Quando se passa a trabalhar aqui, a gente vira responsável pelo preso, temos que prover alimentação, atendimento médico, atendimento jurídico, então é outro tipo de trabalho. A nossa estratégia aqui dentro é de conversa e diálogo com o preso, não de violência. A Defensoria Pública, a Vara de Execuções Criminais e o Ministério Público atuam aqui e acabam distensionando o ambiente. E todo preso aqui sabe que ele tem acesso à Justiça. O juiz tem uma sala aqui e recebe os presos e auxilia eles no andamento do processo de cada um. Aqui o pessoal conhece o juiz, então eles sentem que têm acesso à Justiça.

Sul21 – O que tu achas que poderia ser feito para diminuir esse problema que é o aumento constante do encarceramento?

Albuquerque – A minha formação é Sociologia, então o que eu acho que faz com que tenha tantas pessoas presas é a desigualdade entre as pessoas. As pessoas se perguntam por que em países muito pobres não têm os mesmos índices de criminalidade que tem no Brasil. Porque a maioria das pessoas é pobre, então as pessoas são iguais. Nós temos um caso de um senegalês preso aqui e conversando com ele, ele me disse que no Senegal ninguém pega o dinheiro um do outro. Aqui o consumismo é muito explorado e exagerado. Por exemplo: uma empresa lança um tênis de mil reais. O rico vai lá e compra à vista, no cartão. O pobre vai lá e parcela em 10 vezes. Já quem é paupérrimo e não tem dinheiro nem pra comprar em 10 vezes, parte para outro mundo, para subtrair o tênis de outro. Então a desigualdade é muito grande.

Não digo que o pobre é sempre ladrão, mas a possibilidade de se ganhar cada vez mais atinge todo mundo, tanto o pobre como o rico, tanto é que tem rico que rouba, porque ele percebe que tem possibilidade de ganhar mais. Os casos de corrupção demonstram isso, que o rico pode ganhar mais. Então eu acho que essa disparidade que existe é a grande responsável pelo índice de prisões. Outra coisa que eu acho que ajuda muito é o consumo e tráfico de drogas. Hoje, 55% das pessoas presas estão aqui por causa de algo relacionado com as drogas, e isso é muita coisa. Eu não posso falar com certeza, mas pelo que eu observo muitos presos que estão aqui não são traficantes, mas sim usuários, porque pela atual legislação não existe uma quantidade certa de droga para afirmar quando se é usuário ou traficante. Como acabar com essa desigualdade também depende de outras pessoas e instituições, como a saúde, escola, religiões, que podem ajudar muito, e a gente percebe como ajudam aqui dentro. Então precisa fazer isso antes das pessoas virem parar aqui. Eu acho que a comunidade tem que se envolver mais, cobrando e fazendo menos vistas grossa.

Sul21 – Existe também uma cultura muito forte de fazer justiça com as próprias mãos, isso também é uma coisa que precisaria mudar. Como a gente poderia mudar isso na sociedade?

Albuquerque – O mais interessante é que as pessoas que apoiam a pena de morte não atirariam em alguém se tivessem uma arma em mãos e isso muitas vezes é delegado para a polícia. E muitas vezes questionam porque a gente (a polícia) não matou algum criminoso, mas quando questionamos se a pessoa atiraria, ela diz que ela não. Então por que eu tenho que matar? Eu, como brigadiano, não estou aqui pra matar, estou para prender. As redes sociais têm mostrado hoje muito essa coisa das pessoas quererem fazer justiça com as próprias mãos e isso é muito delicada. Aqui no Presídio Central temos muitos presos e não podemos querer que todas as pessoas que cometeram um erro sejam mortas, até porque todo mundo comete erros, desde passar o sinal vermelho a furar fila de padaria.

Mas uma coisa que eu sou contra é a progressão do regime. Se alguém tem que cumprir um tempo de prisão, ele tem que ficar esse tempo fora da sociedade, porque não cumpriu uma regra social. Deveria haver penas mais brandas, mas que fossem cumpridas integralmente, além de ter que haver uma ressocialização, para que os presos estudem e trabalhem. Os presos, na maioria dos casos, não estudaram e não tiveram uma boa base familiar, então de uma maneira ou de outra ele se desajustou socialmente. Então ele está aqui, na teoria, para se ressocializar, mas aqui a gente não pode passar esses valores pra ele. A única coisa que estamos fazendo é tirar a pessoa da sociedade e colocar dentro da cadeia, então aqui acaba virando um depósito de gente.

Sul21 – E o que tu achas da ideia de reduzir a maioridade penal?

Albuquerque – Eu acho uma bobagem, porque vai abarrotar ainda mais as cadeias de gente. O nosso problema não está na idade do cidadão quando comete o crime, mas sim na formatação do cidadão. Nós temos que formar bons cidadãos. Porque se fosse assim, a cadeia não ia ter 4800 presos, mas sim 7600.

Sul21 – Outra ideia que tem se falado ultimamente é a da privatização dos presídios. O que tu achas?

Albuquerque – Também sou contra. Porque imagina se nós aqui nessa sala fossemos uma empresa. A gente entraria em uma licitação com preço baixo e ganharia, pagaria um pouco para cada funcionário, ganharia um monte e dividiria entre nós o lucro. Então quanto mais presos na nossa cadeia, mais ganhamos. É o raciocínio de qualquer negócio.

Sul21 – Como foi tua trajetória para chegar até aqui?

Albuquerque – Eu nasci na Vila Jardim, depois me mudei pro Rio de Janeiro quando meu pai faleceu. Morei lá no Morro da Providência, uma das favelas mais antigas do Brasil, onde estudava. Depois voltei pra Porto Alegre, no Bairro Partenon e tem um dia em especial que marcou minha trajetória. Eu queria um tênis e eu não tinha dinheiro, todos os meus amigos tinham o tênis menos eu. Eu tinha uns 15 anos e resolvi trabalhar para comprar o tênis, falei para a minha mãe isso. E ela me disse que me daria o tênis se eu quisesse, porque ela trabalhava em dois empregos, que trabalhava para me sustentar. Ela disse: “a única coisa que tu tens que fazer é estudar”. Aquela conversa fez diferença pra mim.

Outra coisa que fez muita diferença foi quando estava no 8º ano, eu juntei um dinheiro e pintei uns muros dos vizinhos para fazer a minha inscrição no Colégio Tiradentes, da Brigada Militar, e passei. O ensino era de altíssima qualidade e no começo foi difícil pra eu me acostumar, mas depois deu certo. Quando saí, passei em Engenharia Elétrica na UFRGS e para academia da Brigada no mesmo ano. Acabei optando pela carreira militar. Aí depois de me formar, entrei na faculdade de Ciências Sociais da UFRGS, onde agora vou fazer um mestrado. Então sempre estudei, sempre gostei de ler. Já fiz pós-graduação em Segurança Pública também. E todas as coisas que estudo eu tento trazer pro meu trabalho na Brigada, porque a Brigada me ajudou muito.

Sul21 – E desde quando tu estás aqui no Central?

Albuquerque – Fez três anos dia 15 de dezembro, mas eu sou diretor mesmo desde setembro e provavelmente semana que vem chega um novo diretor pra assumir aqui.

Sul21 – E tu gostarias de permanecer aqui no presídio?

Albuquerque – Sim, quero ficar pelo menos mais um ano. É uma boa experiência trabalhar aqui, se aprende muito. Tem muitas possibilidades se quiser trabalhar mesmo de fazer um trabalho novo. Agora estamos com um projeto muito legal, que modéstia à parte eu fiz, que é de oficinas de confeitaria e panificação para os detentos. É uma cozinha-escola. Os caras já trabalham na cozinha, mas é tudo muito empírico, um ensina o outro. Agora eu ganhei do Ministério Público do Trabalho R$ 210 mil para montar isso, vou montar um espaço com parceria de uma empresa. E o Senac já sinalizou que pode fazer os cursos para nós. A ideia é conseguir fazer nosso próprio pão, por exemplo, ao invés de comprar como atualmente. E eles ganham o certificado do Senac, se for mesmo o parceiro.

Essas iniciativas, se o cara quiser trabalhar aqui e fazer, tem a possibilidade. A gente tem que trabalhar focando em não esvaziar o discurso, aliar a prática com o discurso. Se eu tenho um discurso de proteção da população LGBT, quando tem alguma reclamação não posso tentar abafar, por exemplo. Ano passado conseguimos dar um passo que parece pequeno, mas foi gigante, que foi colocar um homossexual a trabalhar junto com os outros presos na Oficina de Arte. E o cara é um baita de um artista, mas eu tive que brigar para conseguir colocar ele lá, reunir os presos e explicar. Porque o preconceito é gigante aqui, tive que convencer eles, dizer “ele é uma pessoa como qualquer um de nós, vocês quando saírem daqui vão conviver com homossexuais e travestis na fila da padaria, no ônibus, nos lugares públicos e tem que aprender a convivência já aqui dentro”. E eles toparam, ele está lá trabalhando bem contente.

Sul21 – Inclusive teve exposições desse projeto ano passado, certo?

Albuquerque – Sim, teve várias. Duas na Casa de Cultura, uma no IPA, na Assembleia Legislativa. Lá no IPA a gente fez durante a semana acadêmica, colocamos em uma sala os quadros e esculturas e eu comecei a circular e vi que já estavam muitos com placas de “vendido”, venderam quase tudo em poucos minutos. O retorno é legal, porque a gente traz para eles aqui o dinheiro das obras e conta que vendeu, e eles se remotivam para continuar. Isso é o resgate da cidadania, um cara que tem uma capacidade produtiva e se vê preso e não pode mais produzir. E aqui a gente dá a oportunidade para os pintores produzir, pintar.



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