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Os vivos e os mortos. Vínculos com os que partiram permanecem

Carregamos dentro de nós o genoma de nossa família, não somente na sua dimensão física, mas também psíquica. Somos herdeiros dos afetos emocionais daqueles que vieram antes de nós.

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Por Pascale Senk – Le Figaro

Em um «post» no Facebook, Isabelle relata o evento perturbador que ela viveu ao sair do hospital onde sua mãe tinha acabado de falecer. «Eu me sentei em um barzinho para me recompor.… Uma pequena pluma desceu do céu, muito perto de mim e me disse: “Que este rei das florestas possa te guiar na sua próxima viagem.” Eu senti que este visitante absurdo era um mensageiro entre ela e eu.» Ao contar este episódio para seu grupo de amigos, Isabelle lhe deu uma dimensão ritual e prolongou a vida de sua mãe para a qual ela criou um lugar no mundo, bem vivo dos internautas.

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Este lugar das pessoas desaparecidas, em nosso tempo não para de se  intensificar. As séries de televisão pelas quais nos apaixonamos, Six Feet Under ou Les Revenants, não se enganaram ao apresentar heróis que perpetuavam relações emocionais com seus mortos. Na Internet, a questão das «eternidades numéricas» explode: o que fazer destas páginas de Facebook mantidas vivas ao passo que seu criador faleceu e que foram espontaneamente transformadas em altares virtuais? Doravante, a Web revela uma verdade há muito tempo escondida no segredo dos corações: os vivos precisam manter um vínculo com aqueles que foram embora.

Em um livro que acaba de ser publicado, pessoas publicas, como Juliette Binoche, Christian Bobin ou Amélie Nothomb revelam seu modo específico de continuar a honrar pessoas próximas que foram embora (Les Morts de notre vie, de Jean-Philippe de Tonnac e Damien Le Guay, Albin Michel), e como sinal desta evolução coletiva, a filósofa Vinciane Despret realizou uma pesquisa para simplesmente ouvir centenas de vivos falarem de pessoas que já se foram.

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Fazer os mortos viver novamente

Esta necessidade de ficar conectado internamente com aqueles que já foram embora, não é nada surpreendente para Bruno Clavier, psicólogo e especialista em psicanálise transgeracional. «Antes, como é o caso da China, por exemplo, ou em sociedades tradicionais, podíamos perpetuar o culto dos antepassados e honrar estes últimos que eram como guias em nossas vidas. Mas para as religiões monoteístas, estes mortos, que ainda participavam da vida familiar, se tornaram ídolos para se destruir. Essas práticas individuais foram suprimidas.»

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Esta tabula rasa que deu às religiões o monopólio das relações entre vivos e mortos, não levou em consideração uma lei humana que o psicanalista – que publicou Les Fantômes familiaux (Editora Payot) – continua a observar na sua prática diária: «Nossos ancestrais continuam a viver dentro de nós, eles estão todos aí », ele afirma. Um tio que nos marcou, uma avó para a qual sempre fazíamos receitas com carinho… Todo um ramo da psicanálise, chamada transgeracional, que se interessou especialmente nas diversas gerações que habitam o inconsciente de cada um. E Bruno Clavier sente prazer em ver que as últimas descobertas em epigenética confirmam esta intuição clínica: «Carregamos dentro de nós o genoma de nossa família, não somente na sua dimensão física, mas também psíquica. Somos herdeiros dos afetos emocionais daqueles que vieram antes de nós», ele explica.

VSCD: experiências subjetivas de contato com os mortos

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Esta conexão, sempre possível, com as experiências emocionais passadas, ainda nos dá a sensação de fazer os mortos viverem: uma pessoa sentirá isso ao caminhar na floresta exatamente como seu companheiro gostava; outro, ao levantar os olhos para o céu, achará que está dialogando com seu pai que era aviador… Na sua pesquisa, Vinciane Despret relata estas «muitas maneiras como  os vivos conseguem acolher a presença dos mortos». Isso não passa necessariamente por mesas giratórias que Victor Hugo gostava de questionar ou por uma sessão de «channeling» (procedimento que reevindica a comunicação entre um ser humano e uma entidade pertencente à outra dimensão, como um anjo, por exemplo), mas sim pela impressão que alguém está respirando na sala, está andando ao seu lado ou lhe dá uma resposta pertubadora em um sonho …

Desde já, mesmo a ciência dá um nome para estas experiências: os VSCD (Vécus Subjectifs de Contact avec les Défunts  - Experiências Subjetivas de Contato com os Defuntos). Acabou-se o tempo em que o enterro ou a cremação selava o fim da relação com o morto. Hoje, este último pode se tornar nosso guia, fazer renascer nosso desejo de viver ou nos ajudar a ter menos medo da morte ao guardar um lugar em nossas experiências emocionais. «Porém, tenha cuidado para que estes vínculos não sejam muitos pesados », adverte Bruno Clavier. «Quando estamos habitados pelos afetos dos mortos, que não eram conhecidos – como é frequentemente o caso onde houve segredos de família - alguns sintomas funcionam então como “fantasmas”, e é como se não tivéssemos feito a paz com os nossos mortos. Aliás, estes últimos, devem permanecer separados de nós.» De fato, se os ritos existem, não é somente para ligar os vivos e os mortos. É também para evitar que os dois mundos distintos não se misturem.

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