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Geral

'País está dividido entre golpistas e não golpistas'

Deputada estadual Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) adverte para o crescente clima de agressividade física entre os setores conservadores que querem derrubar a presidenta Dilma; “Quem serão nossos aliados no ano que vem? Para mim existem dois grandes campos: golpistas e não golpistas", disse ela, que aparece nas pesquisas em primeiro lugar para a disputa pela prefeitura de Porto Alegre; segundo a parlamentar, a crise política não é do PT, e sim "da esquerda e da democracia brasileira"

11/12/2015 - PORTO ALEGRE, RS - Entrevista exclusiva com a deputada estadual Manuela D'ávila. Foto: Caroline Ferraz/Sul21 (Foto: Leonardo Lucena)
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Marco Weissheimer, Sul 21 - Jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Manuela d’Ávila foi eleita em 2004 a mais jovem vereadora de Porto Alegre, pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Em 2006, foi eleita a deputada federal mais votada do Rio Grande do Sul. Quatro anos depois, em 2010, foi a deputada mais votada do Brasil com quase meio milhão de votos. Em 2008 e 2012 concorreu à prefeitura de Porto Alegre, ficando em segundo lugar na segunda tentativa. Em 2013, essa trajetória sofreu uma guinada radical, para os padrões da política tradicional. A deputada do PCdoB decidiu voltar a viver no Rio Grande do Sul e trocou a disputa pela reeleição à uma cadeira na Câmara dos Deputados pela eleição a cadeira na Assembleia Legislativa. Mas a mudança mais significativa foi o nascimento da filha Laura, sua prioridade e companheira inseparável desde então.

Agora, em 2015, ela aparece nas pesquisas, em primeiro lugar na preferência do eleitorado para a disputa pela prefeitura de Porto Alegre, em 2016. Em entrevista ao Sul21, Manuela d’Ávila fala sobre as razões que embalaram o seu retorno ao Rio Grande do Sul, analisa a atual conjuntura nacional e a relação desta com as eleições municipais do ano que vem. Para ela, a atual crise política modificou completamente o quadro de especulações sobre candidaturas e alianças que estava colocado até bem pouco tempo. Ela garante que não tomou uma decisão ainda sobre concorrer ou não à Prefeitura de Porto Alegre e que não faz sentido especular sobre isso agora, pois há algo muito maior em jogo. A deputada adverte para o crescente clima de agressividade física entre os setores conservadores que querem derrubar a presidenta Dilma Rousseff e conta como ela e a filha Laura já foram alvo de agressões.

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“Quem serão nossos aliados no ano que vem? Para mim existem dois grandes campos: golpistas e não golpistas. Há sete meses não era isso. Eu entendo que as pessoas especulem sobre a prefeitura, mas eu não sei qual o ambiente político que o Brasil vai ver daqui a uma semana, quiçá daqui a oito ou nove meses. Eu tenho um sonho de administrar Porto Alegre, mas o que está em jogo agora é muito mais sério e grave do que disputar uma prefeitura”.

Sul21: Você foi eleita muito jovem vereadora em Porto Alegre e depois deputada federal, com grandes votações. Mais recentemente, fez um movimento que não é típico entre a maioria dos políticos. Trocou a disputa pela reeleição à deputada federal para se tornar deputada estadual. Voltou ao Rio Grande do Sul, sendo apontada como uma possível candidata à prefeitura de Porto Alegre e, há cerca de três meses, nasceu a Laura. Isso em um momento de agravamento da crise política no país. Como definiria este momento onde se cruzam o acirramento da conjuntura política e mudanças significativas na tua vida?

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Manuela d’Ávila: Há muitas coisas dentro da tua pergunta que são importantes. A primeira delas é que, se eu não tivesse sido eleita tão jovem vereadora e depois duas vezes deputada federal, e se não tivesse tido todas as oportunidades que a vida e o meu partido me permitiram ter em Brasília, talvez eu não tivesse feito esse movimento de voltar para o Rio Grande do Sul. Eu voltei por três razões que acho que a vida mostrou estarem certas. Em primeiro lugar, eu fiquei oito anos em Brasília e cumpri muitos desafios e tarefas partidárias. Presidi a Comissão de Direitos Humanos, fui líder do meu partido, coordenei a bancada do nosso Estado. Eu vivi boa parte da minha juventude em Brasília, dos 25 aos 32, 33 anos de idade. Isso representa um ciclo da vida muito importante. Só que realmente eu comecei a me sentir muito distante fisicamente da minha origem política que é o movimento social. Eu fui eleita vereadora estando no movimento estudantil. Eu me licenciei da UNE para concorrer à vereadora.

Em 2013, que foi o ano da minha decisão, já houve um prenúncio do que a gente vive agora. Eu queria entender o que estava acontecendo. Por mais que eu voltasse todos os finais de semana e por mais que a minha vida sempre tenha sido aqui, era como se o que eu tinha acumulado na minha militância antes de ser parlamentar tivesse se esgotado. Eu sentia que precisava me reenvolver, reanimar e me ressignificar nesta militância. É como se a gente tivesse uma fonte de energia e Brasília a sugasse. Para ter uma boa atuação em Brasília é preciso se dedicar 24 horas por dia. É preciso ter uma atitude de Dom Quixote o tempo inteiro. De onde tirar essa força? A minha vem do movimento social, da militância no meu partido, naquilo que eu acredito. Então, eu decidi voltar, politicamente, por isso.

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Mas também houve um motivo de ordem pessoal. Eu jamais teria um filho indo e voltando de Brasília o tempo todo. É uma opção minha que tem a ver com coisas relacionadas à primeira infância nas quais acredito. Se eu ficasse mais quatro anos de Brasília, sairia de lá com 38 anos. Ainda poderia engravidar, mas decidi que só teria um filho se eu pudesse morar na mesma cidade com essa criança nos seus três primeiros anos. A terceira razão é que eu queria voltar a estudar. Um militante que se propõe a ser um quadro de um partido como é o PCdoB precisa estudar. Não sou uma fanfarrona. Sempre estudei. Eu não consegui, talvez por limite meu, conciliar uma pós-graduação com o meu mandato de deputada federal.

Sul21: Você chegou a tentar fazer uma pós-graduação?

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Manuela d’Ávila: Eu cogitei fazer Relações Internacionais na UFRGS, que tinha aulas aos sábados. Mas sábado é o dia em que os deputados federais fazem roteiros pelo Estado. Então, quando eu chegasse aqui teria que ir para as aulas na UFRGS e ainda fazer roteiros. A minha decisão, portanto, englobou três coisas e eu acho que agi certo. O meu mandato na Assembleia tem conseguido manter um diálogo permanente com os movimentos sociais. Assim que chegamos na Assembleia houve aquele episódio de combate às religiões afro, no qual o nosso mandato teve uma atuação muito forte.

Neste período, fiz uma cadeira como aluna especial em um mestrado na Comunicação da PUC e fui aprovada agora no mestrado em Políticas Públicas na UFRGS. E engravidei da Laura. Foi uma combinação de coisas. Mas essa combinação não foi toda planejada. A minha decisão era voltar e ter um mandato ligado ao povo. Eu engravidei um mês depois que tomei a decisão de engravidar. Tem um elemento de sorte aí. Eu poderia ainda estar tentando engravidar e poderia ter sido reprovada nas provas. Eu estudei para as provas com a Laura no colo.

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Quanto ao tema “prefeitura de Porto Alegre” eu acho que não é o momento de discutirmos 2016. Não é o meu momento e tenho direito a isso. Tenho dezessete anos de militância política onde a minha prioridade foi ser militante e dirigente do meu partido. Agora, envolve outra pessoa que não sou eu e que tenho a responsabilidade de cuidar. Mas também acho que não é momento por que o clima político exija que a gente debata o dia de hoje. Especulações sobre candidaturas e alianças perderam o sentido que tinham até bem pouco tempo. Aliança com quem? Quem vai estar em que posição no ano que vem? Há sete meses, as alianças políticas se desenhavam dentro de um campo…

Sul21: A conjuntura parece ter alterado radicalmente esse quadro de possibilidade de alianças…

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Manuel d’Ávila: Mudou tudo. Quem serão nossos aliados no ano que vem? Para mim existem dois grandes campos: golpistas e não golpistas. Há sete meses não era isso. Há dois anos, era completamente diferente. Eu entendo que as pessoas especulem sobre a prefeitura, mas eu não sei qual o ambiente político que o Brasil vai ver daqui a uma semana, quiçá daqui a oito ou nove meses. Então, acho precipitado abrir esse debate agora. Eu fui candidata à prefeita duas vezes e sei que candidato a prefeito se veste para a guerra desde sempre. Eu não estou vestida para a guerra, pelas minhas razões pessoais, mas também porque acho que, quem se veste para essa guerra da prefeitura agora, não entendeu o que está acontecendo no nosso país. O que está em jogo é muito mais sério e grave do que disputar uma prefeitura. Eu tenho um sonho de administrar Porto Alegre porque amo viver nesta cidade. Eu saio com a Laura caminhando às sete da manhã e levo horas para voltar, pois adoro caminhar pela cidade.

Sul21: Na última semana, o jornal Zero Hora chegou a anunciar que você já tinha decidido não disputar a prefeitura. De fato, já tomou uma decisão sobre isso?

Manuela d’Ávila: Não, eu não tomei uma decisão sobre isso, mas, como eu disse, não estou vestida para a guerra pela prefeitura neste momento. A disputa central que o País vive agora não é por uma prefeitura municipal. Acho que vivemos um momento de unir forças para garantir que o Brasil siga uma democracia estável com uma economia estável. Brincar com democracia tem impactos na economia. O que o pessoal que brinca de democracia não se dá conta é que eles estão prejudicando a economia e a vida do povo brasileiro, para além do ambiente democrático. Esse é o momento que o Brasil vive.

Sul21: Se, por um lado, a conjuntura parece não exigir vestir-se para a guerra para uma eleição municipal, por outro, parece justamente colocar essa exigência no tema da defesa da democracia, não acha?

Manuela d’Ávila: Para essa guerra eu estou pintada, tanto é que os poucos momentos que eu tive de militância desde que estou de licença maternidade foram relacionados a esse tema. É para isso que a nossa militância tem que estar preparada. A eleição de 2016 vai ser uma consequência do que está acontecendo agora. Tratá-la como algo dissociado disso é algo pirado. Quem faz isso não está percebendo o que o nosso país e o nosso campo político está vivendo. Essa não é uma crise do PT. O PT tem seus problemas e tem que discuti-los internamente. O que é preciso ter em mente é que essa é uma crise da esquerda e da democracia brasileira.

A gente não sabe o que vai acontecer na semana que vem. O que o Supremo vai decidir? Vai valer aquela comissão paralela anti-partidos eleita na Câmara dos Deputados? Vai valer uma comissão onde quem julga a presidente da República é um bando de gente envolvida em crimes, inclusive do Rio Grande do Sul. Não vi isso em nenhum jornal. O Bairrista debocha que, em tudo o que acontece, a gente sempre encontra um gaúcho. O cara que limpou a prancha do Gabriel Medina morou em Bagé. Agora, onde apareceu que os dois gaúchos que estão na comissão são investigados na Lava Jato? Não li isso em lugar nenhum. São essas pessoas que vão julgar uma presidenta eleita pelo povo. Esse é o grau de problemas e desafios políticos que o país vive. 2015 ainda tem muito pano para manga antes de nos preocuparmos com 2016.

Sul21: Na última semana, o vice-presidente Michel Temer esteve em Porto Alegre para participar de uma palestra e de um encontro com o governador José Ivo Sartori no Palácio Piratini. A impressão que deu, a todos que acompanharam essas agendas, é que já havia um séquito em torno dele como se fizessem parte de um futuro novo governo. Além disso, também na semana que passou, o PSDB anunciou apoio formal ao impeachment. Como é que qualificaria a evolução deste cenário político nos últimos dias?

Manuela d’Ávila: Acho que este é o momento mais grave que a gente vive desde a redemocratização. As últimas eleições, em 2010 e 2014, já tinham dado uma reconfigurada nos partidos tradicionais do país. O PSDB é um exemplo disso. Era um partido neoliberal, mas não era propriamente um partido conservador. Era um partido com quadros, como o próprio Fernando Henrique Cardoso, com posturas muito avançadas relacionadas a temas morais, por exemplo. Em 2014, o PSDB já virou algo novo e que não mereceu muita atenção até aqui, tornando-se um partido neoliberal conservador. Estamos tratando agora com um partido que se aliou aos segmentos mais conservadores da sociedade brasileira pela disputa de poder.

Hoje, a oposição a presidente Dilma perde completamente sua identidade e seu vínculo com as lutas democráticas. Isso era algo que não existia no Brasil. Os Democratas e o PP, que têm origem no partido da ditadura, sempre tiveram essas pautas guardadas na gaveta. Hoje, esses setores reassumem e comandam partidos que tinham um alinhamento de direita, mas não flertando som esses segmentos que na Europa já existem há muito tempo e que namoram o fascismo.

Outra coisa são os movimentos do PMDB. Em primeiro lugar, é importante assinalar que o governador Sartori, ao não assinar o manifesto contra o impeachment, frustra todos aqueles que acharam que ele tinha essa tradição democrática. Sartori, embora tenha posições econômicas bastante ortodoxas e muito próximas ao que a gente convencionou chamar de neoliberalismo, era um homem com posições progressistas. Na votação do Plano Estadual de Educação, por exemplo, o secretário Vieira da Cunha foi à Assembleia e trouxe a questão de gênero. Conseguimos vitórias que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre não conseguiu. É óbvio que isso tem vínculo com uma determinada história de integrante do pecebão (PCB). Ao não assinar o manifesto contra o impeachment, ele esquece isso pela mera disputa de poder. Foi o que questionei no texto que escrevi em relação ao posicionamento da Luciana (Genro). Se há insatisfação popular, ele que não paga salário em dia pode ser “impitimado” também? Se vamos seguir essa lógica, qualquer coisa é impeachment. É diferente do episódio da Yeda que alguns, como o Ricardo Noblat, invocaram como comparação. A Yeda virou ré em uma investigação na época. A Dilma não.

O PMDB do Rio Grande do Sul nunca apoiou o governo Dilma. Tem cargos no governo e gosta de ter, mas nunca apoiou o governo. Então não surpreende que eles estivessem pintados ao lado do Temer, como se estivessem prontos a assumir o governo. E acho que o Temer está cumprindo o papel que ele melhor sabe cumprir, que é o de uma eminência parda que não é parda. Fica nos bastidores, como se fosse sombra, mas sendo luz. Ele tem essa característica. Foi assim como presidente da Câmara, foi assim na construção da aliança com a presidente Dilma e está sendo assim agora, um pouco mais magoado talvez, como a gente vê nas cartas que ele escreve.

Sul21: Na última semana, tivemos também o episódio da ministra Kátia Abreu jogando um copo de vinho na cara do senador José Serra, que parece indicar duas coisas. Uma delas é a elevação da temperatura dos ânimos políticos no país. Outra é uma questão de gênero que também está relacionada à figura de Dilma Rousseff como presidenta. Na tua opinião, há essa dimensão de gênero presente também na crise atual?

Manuela d’Ávila: Sim, acho que existe. Um repórter da Zero Hora chegou a comentar que a Kátia Abreu tinha vingado a legião de repórteres maltratados pelo Serra. Todo mundo que conviveu com o Serra foi vítima de alguma piada infeliz ou de algum comentário agressivo e não apropriado dele. Essa é uma marca do Serra e todo mundo sabe disso. Esse não é, porém, um caso isolado. Todos os meses, em Brasília, nós temos algum episódio forte de gênero.

Quando saí de lá, no meu último mês, houve o episódio com o deputado Duarte Nogueira, presidente do PSDB de São Paulo. A deputada Jandira Feghali tomou um tabefe do Roberto Freire, presidente nacional do PPS. Em outro episódio, ela foi agredida verbalmente pelo deputado Alberto Fraga, que disse que, quem lutava que nem homem, tinha que apanhar que nem homem. A deputada Alice Portugal teve o microfone cortado pelo secretário da mesa da Câmara, que não era deputado. Na última sessão que eu participei no Congresso, enquanto a senadora Vanessa Grazziotin falava, deputados da oposição gritavam “vagabunda, vagabunda”. Estou falando só de alguns casos que eu me lembro de cabeça, pois a bancada do PCdoB tem o maior número de mulheres no Congresso.

O que a Kátia Abreu viveu foi algo que as mulheres vivem na política sempre. As críticas a Marta Suplicy, para falar de alguém que agora está do outro lado, sempre foram que ela se separou, que era namoradeira, que fazia plástica, que usava joias, que a saia era curta ou que a saia era comprida. Quando me elegi com uma votação elevada, disseram que foi por que eu era bonitinha. Sempre tem uma valoração do que é privado, do que é íntimo da mulher na vida pública. Sempre. É a mal comida, a mal amada ou a puta. São as duas opções: ou tu dá pra todo mundo ou não dá pra ninguém. Além disso, o que a Kátia Abreu fez é sintomático do ambiente de tensão política que Brasília vive hoje. Todas nós fomos agredidas e nenhuma de nós jogou um copo em alguém, porque o ambiente era mais tranquilo.

Em relação a presidente Dilma, desde sempre Brasília teve problemas com o fato dela ser mulher. Lembra no primeiro governo, em que estava tudo bem e em um período de lua de mel, que ela reivindicou que os partidos indicassem mulheres para os ministérios. Teve chefe da Casa Civil mulher e Graça Foster presidindo a Petrobras. Tereza Campello foi e segue sendo uma ministra importante, Miriam Belchior era ministra do Planejamento. Houve um momento de demarcação com o fato de que Brasília não reconhece suas mulheres. E todas essas mulheres acabaram sendo escolha pessoal dela. Nenhuma delas era tida como uma indicação partidária. A própria Kátia Abreu se enquadra nesta categoria.

No caso da presidenta Dilma há um elemento agravante que é o fato dela ser uma mulher com uma trajetória política diferente da dos políticos tradicionais que passa muito por dentro do Congresso. Ela chegou à presidência vinda de fora desse ambiente político. Talvez a caricatura do machismo do nosso Congresso seja aquele adesivo feito em Recife que mostrava a Dilma de pernas abertas no tanque de gasolina. Nunca vi algo similar acontecer com o Lula.

Sul21: Com o Lula se explorou muito o fato dele não ter um dos dedos da mão…

Manuela d’Ávila: Sim, foi isso e, mais recente, a figura dele preso, com o tal de pixuleco que eles fizeram. Mas não foi o Lula com mulheres ou de pinto pra fora. Outra coisa são os adjetivos usados para se referir a ela. O tempo todo são comentários do tipo “ah, tu defende aquela puta da Dilma, aquela vagabunda da Dilma. Além disso, devemos lembrar que ela é a primeira presidente que não é a líder do seu partido. Fernando Henrique Cardoso era o principal tucano e Lula era o principal petista.

Sul21: Na tua avaliação, há um risco real dessa elevação de temperatura política transbordar para as ruas?

Manuela d’Ávila: Eu acho que não há risco, já é uma realidade. Na última vez que ocorreu uma marcha pró-impeachment, num domingo, eu estava na rua com a minha filha e tive que voltar meio que escondida pra casa. Já fui agredida sozinha, fui agredida grávida e fui agredida amamentando a minha filha.

Sul21: Como foi este episódio?

Manuela d’Ávila: Foi num show do Duca (Leindecker) em Garibaldi. Eu estava amamentando a Laura que estava neste sling e uma mulher se aproximou, agarrou e começou a bater no sling, perguntando se era da Coreia do Norte, de Cuba, de Miami ou de Nova York. Com a Laura dentro, ou seja, bater no sling significa bater nela. Quando eu estava grávida e houve aquele episódio do Humaniza, a minha perplexidade não foi a raiva deles, que eu conheço de muito tempo, mas sim foram os comentários deles saindo da Assembleia dizendo que não tinham conseguido me desestabilizar apesar de eu estar grávida. Eles certamente sabem como uma mulher grávida fica mais fragilizada. Eu podia ter perdido a minha filha naquele momento em que eles armaram aquele circo.

Às vezes, quando a gente fala que esse pessoal é fascista, algumas pessoas de direita reagem. Quem quiser ser neoliberal ou liberal – apesar de o liberalismo não ser nada disso que essa gente diz que é – que seja. Agora, quem agride uma mulher amamentando por diferença de opinião política, é um fascista. Se não quiserem ser chamados de fascistas, que não se juntem com essa gente. Então, não é que eu ache que o clima vai esquentar. Se o clima esquentar mais do que está, o que vai acontecer?

Sul21: A tua licença maternidade termina agora em dezembro. Você deve reassumir na Assembleia ainda este ano?

Manuela d’Ávila: Volto para as sessões extraordinárias do Sartori. E a Laura vai junto. Algumas pessoas podem pensar que é algum privilégio pelo fato de eu ser deputada. Não se trata disso. É um direito dela, não meu, ser amamentada exclusivamente até o sexto mês. A Assembleia, que faz leis e concede esse direito a suas funcionárias, deveria fazer uma reflexão levando em conta que somos poucas mulheres na política, em idade de engravidar menos ainda, e que se não transformarmos essas mulheres em um símbolo do que nós defendemos – a amamentação exclusiva até o sexto mês -, a gente serve para quê mesmo? Fazemos um monte de discursos na semana do bebê, sobre a importância da amamentação exclusiva, do aumento de imunidade, da diminuição dos gastos com saúde. Então, esse direito é dela. Eu nem queria que ela estivesse lá, queria me dedicar exclusivamente a ela até o sexto mês como tenho feito até aqui. Mas, para garantir o direito dela, terá que ir e aguentar todos aqueles discursos.

Sul21: Como está o ambiente político na Assembleia. O acirramento do clima que ocorre em nível nacional chegou ao parlamento gaúcho?

Manuela d’Ávila: Até aqui o ambiente na Assembleia tem sido bom e bastante respeitoso. Temos um foco de contaminação desse clima de acirramento, mas é alguém caricato que quer aparecer e, como diriam os mais antigos, se tem em alta conta. Mas é um caso isolado. Nenhum dos deputados reconhece as práticas desse elemento como práticas políticas adequadas na Assembleia. Por outro lado, é um momento muito difícil porque o governo Sartori estabeleceu um padrão de rupturas econômicas e de direitos com os trabalhadores, numa velocidade muito grande. Estou fora da Assembleia há três meses e meio. A dinâmica do governo é promover, a cada semana, uma esticada de corda, como o parcelamento e atraso no pagamento dos servidores, propostas de privatizações e extinção de fundações. O ambiente político é muito quente na política em função dessa agenda absolutamente conservadora e antagônica em relação a conquistas estabelecidas no governo Tarso Genro.

Mas precisamos ficar muito atentos. Tenho dito desde a eleição do ano passado que o grau de agressividade física desses setores conservadores, que têm um elemento que os representa dentro da Assembleia, é assustador. Na eleição de 2014, eu sempre dizia para o meu pessoal: “eu não faço campanha sozinha”, Eu tinha medo. Eu estava tomando um café com o meu marido e um cara me agrediu por causa da Palestina. Do ano passado para cá, isso só cresceu. Aquilo que o Olavo Carvalho pede, para que seus apoiadores nos constranjam, não é algo verbal, mas sim físico. Eu nunca havia processado ninguém. Agora, mudei de posição. Uma médica chegou a escrever questionando o meu parto, porque eu defendo o parto humanizado e depois de 24 horas de trabalho de parto tive que fazer uma cesariana. É um grau de loucura e fascismo impressionante. Entrei com um processo criminal contra o Políbio Braga pelas coisas que ele disse sobre mim. Atos criminosos têm que ser tratados como tal. Esses episódios demonstram que eles perderam absolutamente o controle. Não é uma brincadeira. Esse pessoal está enlouquecido mesmo.

Sul21: Você pertence a um partido que tem um histórico de enfrentamento muito duro contra a ditadura e uma memória dessa experiência histórica. Como é que está avaliando a posição da esquerda brasileira de um modo geral neste processo de crise política?

Manuela d’Ávila: Eu estou muito feliz com o meu partido. Em dois episódios da história política recente do país, tivemos uma facilidade de nos posicionar com lucidez. Estamos tendo agora um papel protagonista neste processo de impeachment, não por conta de nossa relação com o PT, mas sim por uma questão de defesa da democracia. É até irônico. Quando querem nos atacar nos acusam de ser um partido autoritário. Mas o partido que tem mais episódios de sofrer com a falta de democracia, desde o Estado Novo e passando pela ditadura, é o nosso. A nossa capacidade de reação é muito rápida.

Acho que a esquerda, como campo político, passa e continuará passando por um grande processo de reorganização. A reflexão partidária e organizativa desse momento que a gente vive tem que acontecer. Existe algo que é a agenda que o outro lado nos impõe. Agora, por exemplo, estão nos impondo uma agenda golpista, que nos coloca como central a defesa da democracia. Mas existe também a nossa agenda que diz respeito à nossa capacidade de construir mudanças estruturais na política, à nossa forma de se relacionar com o povo. No início da década de 80, o PT reinventou uma forma de se organizar, de se relacionar com a sociedade e de absorver pautas. Eu tinha uma inveja boa de ver o Marcon, por exemplo, como deputado ligado ao MST, dando protagonismo aos que não tinham protagonismo e não só a quadros intelectuais.

Nós vamos ter que passar por isso de novo. Como é que a gente se relaciona com esses movimentos que estão surgindo, que têm uma identidade de esquerda, mas não querem se organizar nos nossos partidos? Será que eles estão errados, ou será que os nossos partidos são estruturas hoje sem capacidade de absorver essas lutas? Tendo a achar que é a segunda alternativa. Em 2001, no primeiro Fórum Social Mundial, os movimentos do nosso campo tinham um questionamento forte aos partidos. Os partidos não podiam nem participar, o que, na minha opinião, era um absurdo, pois eles são organizações que fazem parte da democracia. Nossa discussão tem que ser como tornar os partidos mais inclusivos. Isso ressurge agora. Ao mesmo tempo em que temos uma crise que atinge os governos do nosso campo no nosso continente, como vemos na Argentina e na Venezuela, também ressurge essa questão relacionada aos partidos. A nossa militância não vacilou, foi para dentro dos governos e construiu políticas e mudanças fantásticas no Brasil e na América Latina. Mas, na medida em que esse projeto vai mostrando que precisa ser renovado, a questão dos partidos ressurge.

Esse é um desafio que está diante de nós há 16 anos praticamente. Infelizmente, esse questionamento às vezes é dirigido para uma posição anti-partido. Eu sou totalmente a favor dos partidos. Queremos disputar o poder e, numa democracia, poder se disputa com partidos. Mas precisamos repensar a forma de atuação dos nossos partidos e acho que isso vai acontecer, seja qual for o desfecho da crise atual.

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