Pessoas em situação de rua cobram serviços e fim da ‘higienização’ na capital
Dezenas de pessoas em situação de rua lotaram a Câmara de Vereadores para debater assuntos relacionados a serviços voltados para eles, cobrar políticas e relatar violações de direitos; um dos assuntos abordados foi a Escola Porto Alegre (EPA) que a Prefeitura insiste em fechar para usar o espaço como escola de educação infantil, mas as defensorias do Estado e da União conseguiram liminar que proíbe a alteração
Débora Fogliatto, Sul 21 - Dezenas de pessoas em situação de rua lotaram o Plenário Ana Terra da Câmara de Vereadores nesta terça-feira (23) para debater assuntos relacionados a serviços voltados para eles, cobrar políticas e relatar violações de direitos. O evento foi promovido pela Comissão de Direitos Humanos e do Consumidor (Cedecondh) e teve como tema "Situação da População de Rua em Porto Alegre: avanços e desafios – Remoções e o novo plano de Atenção à População de Rua". O seminário continuou durante a tarde, após intervalo para almoço, tratando de avanços e desafios das política para essa população.
Antes de começar o evento, houve uma confusão devido ao local em que aconteceria: havia dois seminários agendados na Câmara. O da população de rua seria no Plenário Otávio Rocha e o outro, promovido pela Comissão de Transporte e Habitação (Cuthab), deveria ocorrer no Ana Terra, que é menor. No entanto, os moradores de ocupações — assunto que seria abordado na outra audiência — chegaram mais cedo e entraram no Otávio Rocha, recusando-se a sair. Para evitar "colocar povo contra povo", a proponente do seminário e presidente da Cedecondh, vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), concordou em trocar o local.
Um dos assuntos abordados foi a Escola Porto Alegre (EPA), visivelmente querida por todos os presentes, que a Prefeitura insiste em fechar ainda este ano para usar o espaço como escola de educação infantil. A instituição é a única na cidade que se propõe a atender, de forma diferenciada, pessoas em situação de rua e de vulnerabilidade. O poder Executivo prometeu fechar as portas da escola em junho, mas as defensorias do Estado e da União conseguiram liminar que proíbe a alteração. “Essa é uma conquista enorme da luta de vocês, mas infelizmente a política do governo é mais uma demonstração da lógica de higienização social”, introduziu Fernanda Melchionna.
A defensora Alessandra Quimes, do Núcleo de Direitos Humanos, destacou que caso o município feche a escola, estaria “descumprindo ordem judicial e teria que arcar com consequências bem maiores dessa decisão”. No entanto, a Prefeitura já entrou com recurso para tentar derrubar a decisão liminar, que ainda não tem data para ser julgado. “Vamos precisar do comparecimento em massa de vocês no dia do julgamento desse recurso do Tribunal de Justiça, podemos participar demonstrando interesse. A pressão social e as audiências foram fundamentais no processo, temos que manter a mobilização”, convidou.
Habitação
Fernanda destacou que o Plano Nacional de Direitos Humanos coloca a população em situação de rua como prioridade nos planos habitacionais, mas as pessoas presentes afirmaram que isso não acontece na prática. Isso foi reiterado pelo defensor público da União Geórgio Carneiro da Rosa, que disse ter tomado a iniciativa de fazer um levantamento dos dados das pessoas interessadas em participar do programa de aluguel social para fazer um requerimento coletivo na segunda-feira (26). “Não ter moradia dificulta para ter acesso a outras políticas públicas”, afirmou ele, que começou a recolher os dados ainda durante o seminário.
Nesse quesito, a Superintendente de Ação Social do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), Maria Horácia Ribeiro, relatou que de 216 encaminhamentos feitos pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) para aluguel social, apenas 66 continuaram o processo. Ela destacou que, agora, há um aluguel social específico para situação de rua, no valor de R$ 500, que dura 12 meses. Já a chefe de gabinete da Fasc, Marta Maciel, disse que a instituição “sempre foi acolhedora e respeitosa”. Por sua vez, o representante da Secretaria de Meio Ambiente (Smam), Léo Bulling, disse que “muitas vezes as pessoas estão em locais inadequados e tem situações de mau uso” em praças da cidade.
As falas das representantes do Executivo indignaram a população de rua, que demonstraram discordar do que elas disseram. “Ela falou de números, mas essas pessoas estão em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes, não comparecer não é desistência, é falta de condições de chegar lá”, criticou a diretora da EPA, Jacqueline Junker.
Sobre a fala do representante da Smam, algumas pessoas presentes relataram que na última reunião do comitê que trata da população em situação de rua, organizado pelo Executivo, Bulling disse que a secretaria não realizava mais remoções forçadas em praças, mas no mesmo momento uma delas estava ocorrendo na Praça da Matriz. Ao fim do seminário, ele afirmou não ter sido informado sobre a remoção antes dela ocorrer.
Diversas questões sobre moradia surgiram por parte da plateia: “Eu estou inscrito desde 2009, já fui várias vezes lá, só me dão papel e papel”, relatou Antônio Milton; “Estou inscrita pro Demhab desde 2011 para o empreendimento São Guilherme, ligo e eles dizem que vão entregar em novembro, dezembro, não dão nenhuma resposta concreta”, disse Jaqueline; “O aluguel social dura seis meses, o que vai ser feito depois que acaba?”, questionou Claudete; “Não podem nos tirar das praças, isso é higienização”, denunciou João. Já Rosângela sugeriu que se desapropriasse prédios vazios na cidade. “Podiam começar a ocupar com pessoas, dar trabalho e moradia, sem precisar construir, seria muito mais rápido”, disse.
O representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) Richard Gomes de Campos, criticou também a fala dos três, dizendo que o papel que o movimento desempenha na Fasc é de cobrar políticas, e relatou que “a assistência social está sofrendo desmontes”. “A importância de mobilizar tantas pessoas hoje é dizer que não vamos aceitar que a Fundação se promova em cima da pobreza, como fez ano passado elegendo um vereador descarado que nem de longe representa a nossa luta”, disse, referindo-se a Kevin Krieger (PP), ex-presidente da Fasc.
Violência policial
O vereador Alberto Kopittke (PT) relatou uma história de um homem em situação de rua que foi espancado por policiais da Brigada Militar no bairro Moinhos de Vento. Ao cobrar providências, ele próprio foi autuado por desacato à autoridade, pelo que ainda responde na Justiça. “Os policiais depois me relataram que [fizeram isso] porque os moradores do bairro ligavam pedindo para ‘retirar’ a população de rua de lá e ameaçando os policiais. Temos toda uma cultura da sociedade para rever aqui”, refletiu.
O relato de pessoas desrespeitadas, violadas e espancadas pela Brigada Militar se repetiu durante a audiência, assim como histórias de remoções forçadas por parte do poder público, no processo que denunciaram como sendo de “higienização”, que busca tirar das praças e áreas públicas a população de rua. “A gente está na beira do Guaíba, e a Smam [Secretaria Municipal do Meio Ambiente] vem e tira as coisas dos moradores de rua, perdemos chinelo e tudo. E a Brigada também não pode ficar nos abordando por nenhum motivo, eu já levei dois paus”, relatou Simoni. “Dói ver um estudante de manhã chegar sem documentos, sem nada, e ter sido agredido durante a noite”, contou a diretora da EPA, Jacqueline Junker.
Os aparelhos como o Centro Pop e os albergues também foram tema, com críticas por parte dos vereadores e população. “Tem gente que chega às 5h30 e fica esperando até as 9h30 pelo Centro Pop, era para abrir às 7h30. Acho que assistência está muito falha. O senhor [capitão da Brigada] chegar e falar que está aqui para anotar é muito hipócrita, porque vivemos de noite. Ontem a gente estava dormindo, foram direto no Harmonia e chegaram com arma em punho já chutando e tirando todo mundo das barracas”, relatou Édson.
A questão causou certo alvoroço durante o seminário, quando o capitão Fernando Maciel, do 9º Batalhão de Políica Militar (BPM), disse que os relatos estavam sendo fornecidos “sem dados” e que o público presente também estava tendo preconceito contra ele por estar de farda. “As situações que vocês relatam têm que ser investigadas, não é o que os instrutores ensinam para os policiais”, colocou. Ao ser interrompido por uma moradora em situação de rua, ele disse: “é por isso que vocês acabam sendo presos por desacato”, provocando revolta na plateia. A vereadora Fernanda o repreendeu e ele responde que “estava calmo”, mas que não conseguia completar sua fala.
A vereadora disse que todos os relatos de violência seriam coletados, durante a tarde, para serem passados oficialmente à Brigada. “Tem a questão do protocolo, que é muito importante. Queremos sair com encaminhamento e saber se a Corregedoria chegou nesses policiais”, destacou. Richard apontou que “sempre quando a BM se faz presente nesses eventos, causa indignação porque sabemos que pessoas em situação de rua infelizmente sofrem violações diariamente”.
Restaurante Popular
Fechado há dois anos, o Restaurante Popular deve voltar a funcionar em julho, segundo o secretário de Direitos Humanos Luciano Marcantônio. O novo “bandejão”, que servirá 600 refeições por dia, será localizado na avenida Santo Antônio e já está com a licitação pronta para a alimentação, faltando apenas uma reforma. A notícia foi recebida mais com descrédito do que animação pelo público presente, que não pareceu confiar na palavra do secretário. “Estava prometido para março”, chamou a atenção Fernanda.
Projeto pop rua
Causou estranhamento entre os presentes não terem sido informados sobre o lançamento do projeto Pop Rua, que acontecerá nesta quarta-feira (24), no Paço Municipal. Um papel com o convite para o evento circulou pelo seminário, quando inclusive a vereadora Fernanda e a diretora da EPA afirmaram desconhecer que isso aconteceria.
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