Sevilha, mistérios da Semana Santa
A Semana Santa em Sevilha, na Espanha, a maior festa crist do planeta. Nas madrugadas, o fervor mstico das procisses atinge seu nvel mximo
Por Luis Pellegrini, fotos de Lamberto Scipioni, de Sevilha, Espanha
Se o carnaval do Rio de Janeiro é o maior evento pagão do mundo, a Semana Santa de Sevilha é a maior festa cristã do planeta. As analogias não ficam por aí. Ambas são celebrações populares de massa, celebradas principalmente nas ruas, atraindo multidões de participantes.
Em Sevilha, este ano, as celebrações começam no dia 1º de abril estendendo-se até o dia 8 do mesmo mês. Uma semana inteira dedicada à paixão cristã, durante a qual a população da cidade, somada a milhares de visitantes, revive o martírio de Jesus.
Uma celebração dedicada à dor e ao sofrimento? Nada mais longe disso. Em Sevilha, o espetáculo da morte e da ressurreição de Cristo reveste-se de grandeza estética e vibrante fervor popular. Os participantes querem – e muitas vezes conseguem – experimentar emoções muito raras, aquelas que só acontecem em certos momentos de transe místico.
O evento é celebrado há séculos, e sua origem ao que tudo indica remonta ao século 14. Desde então, entre o Domingo de Ramos e o Domingo da Ressurreição, com percursos, dias e horários bem determinados, os membros de 57 confrarias religiosas saem de suas igrejas e vão às ruas em procissões de penitência, conduzindo seus santos, Virgens e Cristos padroeiros à Catedral de Sevilha. Nas calçadas, janelas, terraços e balcões por onde passam os cortejos, a multidão espera e não arreda pé.
Tais procissões acontecem em todos os horários, pela manhã, à tarde e à noite. Mas é sobretudo nas madrugadas que o fervor e a energia mística atinge os seus níveis máximos, e não é necessária ao participante nenhuma sensibilidade especial para que os arrepios sejam sentidos junto à curiosa sensação de ser transportado para algum plano dimensional bem diferente do comum.
Procissões e mistérios
A maior parte das confrarias levam em procissão dois mistérios (nome com o qual se designa o andor com suas imagens sacras, adereços e alegorias): um com o Cristo, que representa as cenas da paixão, morte e ressurreição de Jesus, e outro com a Virgem. Algumas confrarias levam em procissão três outros mistérios, entre os quais o Amor, a Última Ceia, São Bento ou a Trindade; outras confrarias levam apenas um mistério, que pode ser o da Semana Santa, a Quinta Angústia, a Solidão de São Boaventura, ou a Solidão de São Lourenço.
Como as escolas de samba do Rio, cada confraria congrega milhares de confrades que também desfilam em procissão participando com funções diversas. Tais funções são: nazarenos, penitentes, coroinhas, “costaleros” (os que carregam nas costas os gigantescos andores sobre os quais são montadas as imagens, os dosséis, os atributos e um número às vezes inacreditável de castiçais e candelabros com velas verdadeiras acesas). Cada procissão possui sua própria banda musical que toca do começo ao fim da procissão. É simplesmente incrível, em meio à multidão, ver os andares que se movem como se dançassem, ao ritmo de pasos dobles, sevilhanas, flamencos e outros gêneros musicais locais.
Na Noite da Alvorada (a madrugada de quinta para sexta-feira santa), a magia da Semana Santa sevilhana chega a seus níveis máximos. É quando as confrarias do Silêncio, do Grão Poder, do Calvário, dos Gitanos, da Esperança de Triana, e da Virgem Macarena saem às ruas em procissão e se dirigem à Catedral de Sevilha.
Todas as imagens das Virgens são belíssimas, mas a Macarena possui algo especial na sua expressão facial. Não à toa ela é chamada de “Rainha de Sevilha”. Quando ela passa, os populares não resistem e gritam: “Guapa! Guapa!” Um elogio que certamente se dirige mais à beleza do seu rosto do que à santidade do personagem... Tudo bem, a Virgem parece não se importar com os cumprimentos. Afinal, estamos em Sevilha, que fica na Andaluzia, que fica na Espanha.
A estrutura das procissões
As procissões sevilhanas da Semana Santa possuem uma linguagem complexa, cheia de símbolos e alegorias. Um modo para se compreender seus significados é saber em que consiste uma procissão, a partir dos elementos essenciais que a compõem em ordem cronológica.
1- A marcha musical
As bandas musicais que acompanham os mistérios tocam as marchas das suas próprias confrarias. Muitas delas são belíssimas e de grande qualidade musical como, por exemplo, a da Amargura, a da Virgem do Vale ou a de Jesus dos Penares.
2- A cruz-guia
O cortejo é aberto por uma cruz com as insígnias da confraria, carregada por dois nazarenos ladeados por dois outros confrades que portam grandes lanternas.
3- A multidão
Pessoas que se reúnem em grande número, sobretudo nas proximidades dos mistérios, e em zonas determinadas pelo trajeto das confrarias.
4- Os nazarenos
São os membros das confrarias que formam os cortejos das procissões carregando círios acesos ou insígnias; são cobertos por uma túnica, com o rosto coberto por uma máscara e um capuz.
5- O Mistério de Cristo
Chama-se mistério o conjunto formado pelo andor e a imagem (ou imagens) que estão acima. O mistério pode ser de Cristo, se acima carregar a imagem de Jesus, da Virgem (também chamado pálio), ou pode ser constituído por vários personagens que representam uma passagem da Paixão.
Os mistérios são carregados por portadores, grupos de cerca de trinta homens robustos, normalmente membros da mesma confraria, que passam quase despercebidos sob o andor. São chamados localmente de “costaleros”, por carregarem o andor nas costas, e guiados por um chefe de equipe pelas ruas de Sevilha. A imagem de Cristo é o primeiro mistério levado em procissão durante a semana de celebrações.
6- Os penitentes
Os penitentes são os membros da confraria. Eles estão cumprindo um autêntico ato de penitência: carregam uma ou duas cruzes de madeira, com frequência fazem todo o percurso descalços, muitas vezes para cumprir uma promessa ou um voto.
Os penitentes vestem-se como os nazarenos, porém não se cobrem com o capuz; por isso a parte superior da máscara permanece caída às costas. Os penitentes caminham logo atrás da imagem de Cristo.
7- O pálio da Virgem
É o mistério da Virgem, também chamada de A Dolorosa, da Amargura ou, de forma mais otimista, da Esperança.
Para os sevilhanos essa é a parte mais importante de toda a procissão. Podem esperar horas a fio num ponto estratégico, para ver passar a “sua” Virgem. Os moradores da cidade acham que cada Virgem é diferente, única e especial, embora aos olhos dos turistas elas possam parecer todas iguais. Isso porque, diferente do Cristo, que possui diversas representações, as imagens da Virgem a representam sempre no mesmo momento da história bíblica: a mãe que chora a morte do filho.
Cada uma dessas representações da Virgem, no entanto, apresenta detalhes distintos, que os sevilhanos conhecem muito bem. Eles sabem que para um visitante não é fácil percebê-los à primeira vista. Só depois de ter visto com atenção diversas imagens da Virgem é que um visitante poderá começar a distingui-las.
Um elemento muito importante que muda sempre é o manto, a enorme estola de tecidos nobres, na maior parte das vezes inteiramente bordada que, partindo do vulto da Virgem, se estende até a base de madeira do andor.
Um dossel sustentado por mastros encima o mistério, como se fosse um teto colocado para a proteção da imagem. Muitos desses dosséis são verdadeiras obras-primas da ourivesaria e do bordado.
Existem também os “varales”, os doze suportes verticais que sustentam o pálio, eles também finamente decorados e deixados um tanto livres e soltos, de modo que o movimento característico dos portadores seja transmitido a toda a estrutura. Graças a isso, quando a procissão passa, tem-se a impressão que todo o andor e as próprias imagens sobre ele “dançam” ao ritmo das músicas.
Por último, um dos fatores distintivos mais importantes: observadas de perto, é fácil apreciar as diferenças existentes no rosto de cada uma das Virgens.
Nos dois vídeos abaixo, cenas das procissões da Semana Santa em Sevilha.
Vídeo 1:
Passagem do Cristo das Três Caídas
Video 2:
Saída da Virgem de Macarena
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