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Geral

Socialistas russos criticam guerra na Ucrânia

Jornalistas russos Liza Smirnova e Alexei Sakhnin, refugiados na França, apresentam análise contra a operação militar na Ucrânia

Carros destruídos na cidade de Izium, na Ucrânia 20/09/2022 (Foto: REUTERS/Gleb Garanich)
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Texto e tradução de Sílvia Capanema* 

Quando Vladimir Putin declarou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, um grupo de militantes russos decidiu publicar uma resolução em oposição à guerra. Os signatários dessa resolução constituem "a coalizão dos socialistas russos contra a guerra". Algumas semanas depois, o regime de Putin endureceu todas as leis democráticas. Falar em "guerra" passou a ser algo proibido e punido com detenção. Todos os jornais que não divulgam diretamente a propaganda de Putin são proibidos.  

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 Alguns signatários dessa resolução deixaram a Rússia. Dentre eles, encontram-se dois dissidentes de esquerda conhecidos no país: Liza Smirnova, jornalista, co-fundadora do site de oposição "A não guerra", onde divulga informações reais sobre a guerra que os mídias oficiais russos não publicam; e Alexei Sakhnin, jornalista, co-fundador da Frente de Esquerda russa.  

 Na ocasião do aniversário de um ano da guerra, Alexei e Liza publicaram em blog no Mediapart um texto apresentando a sua análise, cuja tradução para o português segue abaixo com autorização dos autores, hoje refugiados na França.  

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Revisão de um ano de guerra e o futuro da Rússia

Por Liza Smirnova e Alexei Sakhnin

Diagnóstico  

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 Um ano abominável de guerra. O conflito remete não somente à política contemporânea de Putin, mas também à toda história política da Rússia depois do desmonte da URSS. Três décadas de neoliberalismo “à moda russa” se concluem com uma ditadura. Mas como poderia ser diferente, na medida em que, através da violência, impõe-se a desigualdade social estrutural?  

 Esse autoritarismo, de forma inevitável, conduz à guerra. Uma guerra que se mostra como o único meio de que a ditadura dispõe para se manter no poder. Mas tudo isso, todo esse processo suicidário para o país, foi camuflado nos discursos imperialistas e nacionalistas.  

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 Um ano de matanças. Para o regime de Putin, essa guerra desesperada somente conduziu à derrota, sem contar as dezenas de milhões de vítimas, os milhões de refugiados, as destruições monstruosas que só agravam o caos criado por ela. Não somente o Kremlin não conseguiu varrer o governo ucraniano, mas ele não conseguiu tampouco conquistar os territórios reivindicados.  

 As tentativas de Putin de transformar essa epopeia na Ucrânia em “guerra do povo” também fracassaram: incapaz de recrutar voluntários, o regime se viu obrigado a recorrer à mobilização forçada e ao alistamento de prisioneiros. A fraqueza da economia russa, o isolamento do povo russo, a corrupção no exército e no aparelho do Estado e a exclusão do povo do poder não permitem entrever nenhuma mudança possível nos rumos da guerra.  

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 Putin colocou o país à beira da perda da soberania. Um ano depois do início da aventura criminosa, o futuro da Rússia é discutido sem a participação efetiva do povo. A conferência de Munique sobre a segurança foi um verdadeiro fórum de propostas sobre o futuro da Rússia. Os governos europeus fecham acordos para massacrar a Rússia no campo de batalha. Mas as propostas divergem. A primeira-ministra da Estônia, Kaká Kallas, estima que seja necessário formar um tribunal como o de Nuremberg para julgar a história da Rússia, inclusive no que diz respeito a seu passado comunista, no intuito de mudar as mentalidades russas. Implicitamente, isso significa a ocupação da Rússia. Nesse contexto, o presidente francês Emmanuel Macron também acrescenta que não acredita numa mudança de regime na Rússia. Segundo ele, as derrotas militares forçarão Putin a aceitar a paz se submetendo às exigências da Ucrânia.  

 Em resumo, na conferência de Munique sobre segurança, as posições defendidas sobre o futuro da Rússia anunciavam, por um lado, a possibilidade de se obter um Putin enfraquecido que se curvaria às exigências da comunidade mundial, por outro lado, uma perspectiva de uma força de ocupação

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O ciclo infernal

 Em sua diversidade, esses projetos de futuro para a Rússia têm um ponto em comum: nenhum atribui ao povo o direito à autodeterminação quanto ao futuro de seu país.  

 A tragédia em curso na Ucrânia, com milhões de vítimas, é o resultado de decisões tomadas pelos chefes de Estado. Não se trata de forma alguma de um "instinto imperialista" que teria conduzido simples cidadãos russos a incendiar um barril de pólvora na Europa. O regime russo, constituído com a proteção e a participação do Ocidente, é responsável por essa guerra.

 São os políticos ocidentais que, com medo de ver o comunismo ressuscitado na Rússia, apoiaram o golpe de Estado anticonstitucional de 1993, ajudaram Ieltsin a falsificar as eleições de 1996 e, em 1999, celebraram o processo semi-monárquico de transferência de poder hereditário.  

 Nas décadas de cooperação com a oligarquia russa, o Ocidente executou um papel central no reforço da ditadura, que é em seguida condenada por esse mesmo Ocidente depois de ter iniciado a guerra. Putin semeou e irrigou a "ocidentalização" violenta da Rússia, visando a integração de sua economia e de sua elite num sistema global neoliberal. Ora, é uma ilusão acreditar que podemos reproduzir a "conquista do Oeste", uma experiência sanguinária. Toda a "ocidentalização" ou "invasão do oeste" conduzirá inexoravelmente a tragédias também nos dias de hoje.  

 O único caminho para a paz durável não passará pelos acordos travados entre governos, mas por uma democratização da Rússia, de todo o espaço pós-soviético, e de todo o sistema de relações internacionais.

O que fazer para sair desse ciclo de guerras?

 Essa guerra criminosa deve cessar sem condições, sem anexações e sem conquistas. A Rússia tem que retirar suas tropas. As pessoas que iniciaram a guerra devem ser responsabilizadas no âmbito penal. As perdas impostas ao povo ucraniano devem ser integralmente compensadas pelos responsáveis de todas as destruições: a classe dirigente russa. Só poderemos alcançar esse objetivo privando essa classe dirigente do poder na Rússia. O arsenal nuclear e os recursos naturais devem ser submetidos ao controle democrático do povo. Isso significa que uma das chaves para a paz se encontra no interior do próprio país.   

 O que pode ser feito de fora da Rússia? Podemos somente formular e propor ao povo condições de paz e regras do jogo que não significarão uma nova escravidão para os russos nem uma ameaça de uma nova guerra para os seus vizinhos. Essa tarefa somente poderá ser assumida pelas forças da esquerda democrática, os movimentos sociais e os sindicatos, as verdadeiras forças garantidoras de paz para o mundo todo.  

 A nova Rússia deverá se apoiar em uma democratização social. Enquanto as riquezas nacionais pertencerem a uma pequena minoria, a ditadura estará sempre presente. Defendendo seu poder e seus privilégios, os oligarcas cedo ou tarde se lançarão numa nova aventura. É por isso que uma transformação real da Rússia não pode se limitar a apenas uma mudança de nomes dos gabinetes no palácio do Kremlin, mas alcançar as instituições sociais, inclusive a riqueza e a propriedade.  

 O verdadeiro passo para uma democracia durável é a autodeterminação dos povos. Não podemos retornar ao mundo tal qual ele era antes do dia 24 de fevereiro de 2022 ou antes de 2014. Somente criaremos as premissas de um novo ciclo de derramamento de sangue. Não se pode impor aos povos uma fronteira e uma identidade cultural através da violência e de cima para baixo. Os habitantes de todas as regiões, sejam eles russos ou ucranianos, possuem o direito democrático de decidir seu próprio destino coletivo, e não sob as balas das metralhadoras. É por isso que as populações das regiões sequestradas pela guerra devem poder organizar referendos transparentes e legítimos, com o direito à participação de todos, inclusive dos refugiados que abandonaram suas casas em 2014. As tropas russas e ucranianas não podem ser as garantidoras de uma autodeterminação democrática.  

Como agir?

 As derrotas militares aproximam a Rússia da crise política. Até mesmo aqueles que se mantinham fiéis a Putin e que apoiavam a sua decisão estão cada vez mais insatisfeitos com a política do Kremlin. A maioria do povo quer a paz. A ilusão quanto ao apoio do povo russo a essa guerra é fabricada pela violência da repressão na Rússia contra todos aqueles que se pronunciam contra a guerra. Porém, cedo ou tarde, a verdade será revelada.

 A oligarquia dirigente mostrou seu total isolamento político. Nessas condições, é preciso criar uma plataforma representando todas as forças políticas e todos os pontos de vista que existem no país. É preciso parar de acreditar que vamos resolver as coisas dando a palavra a alguns políticos pró-ocidentais, como Khodorkovsi ou Kasparov, que se pronunciaram em Munique em nome da Rússia.  

 Para que a maioria dos russos se veja representada nesse fórum, é preciso que estejam representados todos os grupos ideológicos e políticos. Não se deve aguardar a abstração de um "parlamento da Rússia livre do futuro", mas a partir de hoje, esse fórum deve mostrar o caminho para a saída da guerra, ou seja, a superação do regime que conduziu o país à catástrofe.

 Centenas de milhares de pessoas de diferentes opiniões políticas deixaram o país. Elas e eles podem se tornar a voz de todos aqueles que foram silenciados. A emigração política pode se tornar uma representação provisória do povo russo. Milhões de russos que estão nas frentes ou na retaguarda se unirão a essa migração política, se, apesar da ação das elites russas e ocidentais, essa emigração for capaz de propor um projeto ou uma etapa final da guerra que não seja contra o país e o povo, mas contra a classe dirigente moribunda. O destino da Rússia não pode ser decidido sem os cidadãos. Os cidadãos devem ser integrados nesse processo, com uma proposta de programa claro de paz democrática e honesta. Tal medida privaria definitivamente o atual regime criminoso de todo e qualquer apoio e o conduziria à sua derrocada final.

Socialistas russos contra a guerra.

* Sílvia Capanema é professora na Universidade Sorbonne Paris Nord e parlamentar no Departamento de Seine-Saint-Denis, periferia de Paris, pelo movimento da França Insubmissa.

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