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‘Vou quebrar. Agora virei leproso, eu sou bandido’

Em entrevista Folha, empreiteiro Fernando Cavendish, da Delta, nega conhecimento do esquema de Carlinhos Cachoeira em Gois, apesar de aparecer em grampos da Polcia Federal na operao Monte Carlo, e diz que o escndalo vai acabar com a sua empresa

‘Vou quebrar. Agora virei leproso, eu sou bandido’ (Foto: Divulgação)

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247 – A Delta Construções aparece diversas vezes nas gravações da Polícia Federal na operação Monte Carlo. É apontada como pivô dos repasses de verbas para campanhas políticas por empresas fachadas do esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira. Seu diretor é o autor da frase: se colocar R$ 30 milhões na mão de político, ganha negócio. Mesmo assim, em entrevista à Folha, Fernando Cavendish nega conhecimento no esquema do bicheiro em Goiás e diz nunca ter visto o senador Demóstenes Torres e o governador do Estado, Marconi Perillo. Afirma ter cruzado rapidamente com Cachoeira apenas uma vez e diz que o escândalo vai acabar com a sua empresa.

Leia a entrevista concedida a Mônica Bergamo:

Acusado de abastecer empresas do esquema de Carlos Cachoeira, o empreiteiro Fernando Cavendish nega qualquer irregularidade. Ele concedeu ontem entrevista exclusiva à Folha.

Em uma conversa gravada, o senhor disse que, se colocar R$ 30 milhões na mão de político, ganha negócio. O senhor já pagou suborno?

Nesta conversa, eu debatia com sócios da Sygma, empresa [da área de petróleo e gás] que adquirimos por R$ 30 milhões. Eles não performavam. Eu os chamei para renegociar o preço. E me gravaram clandestinamente. Eu queria dizer: 'Olha, R$ 30 milhões, se eu fosse fazer projetos políticos, doações de campanha...'

Ganho qualquer negócio.

A expressão foi muito ruim. Ficou horrível, horrível. E agora vou encarar uma CPI da pior forma possível.

Já pediram propina ao senhor? E o senhor pagou?

Olha só, o que se pede são apoios políticos, para campanhas, que é uma coisa legitimada, oficializada e que várias empresas fazem.

Se apoio projetos, faço doações, não é que depois vá ganhar [licitações para obras]. Mas posso estar pelo menos bem representado, tenho a oportunidade de ter informação dos futuros investimentos, das prioridades políticas.

Por que megaempresas fazem doações a campanhas? Vão ter informação. Não é normal? Não é toma lá dá cá. Tem licitação.

A relação de empreiteiras e políticos no Brasil é historicamente promíscua.

Toda relação entre seres humanos que buscam a intimidade do dia a dia, de trabalho, gera às vezes alguns desvios. Essa intimidade, essa promiscuidade, não são só as construtoras que fazem isso. Só que tem um problema: a gente mexe com dinheiro público. E aí não podemos errar, não podemos pecar.

O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) é sócio oculto da Delta, como diz o Ministério Público?

Não. Nunca vi o Demóstenes. Ninguém é sócio da Delta. Põe isso na sua cabeça. Já inventaram dezenas de sócios para a Delta. [O ex-governador do Rio Anthony] Garotinho foi sócio da Delta, o [ex-prefeito do Rio] Cesar Maia foi sócio. Esquece isso. Não existe. É factóide.

A Delta teria abastecido empresas fantasmas de Cachoeira em Goiás e, através delas, pago propina.

A empresa tinha um diretor no Centro-Oeste, Claudio Abreu. Sou presidente do conselho, no Rio. Não sei o que está acontecendo em Goiás, no Nordeste, no Norte.

O Claudio conheceu o Carlos Augusto Ramos [Carlinhos Cachoeira]. Eu sei quem cada um tá conhecendo? O que me importa são os resultados, os números, que me enviam em relatórios semestrais. Eu não pouso em Goiânia há cinco anos.

Eu sabia por alto que ele conhecia [ Cachoeira]. Para mim, era um empresário, era um cara bem visto no Estado. Eu não conheço os caras do Rio, vou conhecer de Goiás?

Nesse período todo de escuta, não tem uma única conversa que dê um indício de que eu tinha um conhecimento dessa movimentação.

O Claudio, nessa amizade, extrapolou os limites da atuação dele na Delta.

Conheceu Cachoeira?

Tive um encontro casual no bar de um hotel, o Claudio estava lá e me apresentou, muito rápido.

O Claudio Abreu nunca informou que dava dinheiro para o esquema do Cachoeira?

Nunca. Ele era sócio de terceiros, ia comentar comigo? A gente abriu uma auditoria para investigar essa movimentação.

Foram R$ 39 milhões. Não deu para perceber?

A empresa rodou nesses dois anos, 2010 e 2011, R$ 5 bilhões. Tem 46 mil fornecedores. Esse dinheiro nesse universo, é imperceptível.

A Delta é acusada também de favorecimento no Distrito Federal. O senhor conhece o governador Agnelo Queiroz?

Nunca vi. Eu tenho um crédito lá de R$ 30 milhões para receber, no contrato do lixo. A gente lá só apanha. Se eu tivesse ajudado na campanha dele, precisava de Dadá [araponga do esquema Demóstenes], de fulaninho, de beltraninho, contando história lá embaixo?

E o governador de Goiás, Marconi Perilo?

Não conheço, nunca vi.

Por que a Delta contratou o ex-ministro José Dirceu como consultor?

Um diretor nosso conheceu um assessor do José Dirceu. E falou pra mim: 'Quer conhecer o José Dirceu?' Só que fizeram um contrato de R$ 20 mil. Até hoje não consegui entender. Mas o imbecil lá resolveu fazer isso. Tanto é que, quando soube, eu disse: 'Pode parar essa porra!' Eu estive com José Dirceu uma vez só. Ele falou sobre a Índia, outros países. E foram dizer que a Delta é o que é por causa dele. Isso é esdrúxulo.

Como a Delta conseguiu tanta obra no PAC?

Mas essa é uma sacanagem. Quando o PAC foi proposto, anunciaram R$ 250 bilhões de investimentos em quatro anos. Quando fizeram um levantamento aí em um site, houve a indicação de que a Delta estava liderando o PAC. A gente tinha faturado uns R$ 400 milhões em 2009. Mas isso era em investimentos dos ministérios. Virei líder do PAC.

Sabe quanto vão custar [as hidrelétricas de] Santo Antonio, Belo Monte, Jirau? Só Santo Antonio corresponde ao faturamento de dez anos da Delta. Como posso, com essa minha conta de retalho, de 'trocentos' contratinhos que, somados, dão R$ 800 milhões, liderar o PAC? Estou liderando p. nenhuma. Mas fica bonito, na hora de bater no PT, dizer que o líder do PAC está cheio de problemas. Esquece. Eu devo estar em décimo no ranking do PAC.

O senhor é amigo do governador do Rio, Sergio Cabral. E, no governo dele, ganhou R$ 1,4 bilhão em contratos.

Não é justo falarem isso, não é decente. Eu cresci muito mais no governo do Rio antes de ele assumir. Em 2001, 80% da carteira da Delta era do Estado do Rio.

Conheci Sergio Cabral há dez anos, por meio das nossas esposas. Eu admiro ele como governante, amigo, pai, filho, irmão. É um puta sujeito. No acidente de helicóptero em que morreram as pessoas que eu mais amo [sua mulher e filho, em 2011], eu estava com ele [Cavendish e Cabral iam a uma festa na Bahia]. Tá bom. Mas não comecei a estar com ele depois de ser governador. Nós eramos a maior empreiteira do Rio antes do governo Cabral, com Cesar Maia e Garotinho. Eu era chamado o rei do Rio. Hoje a maior é a Odebrecht.

A Delta cresceu no Rio?

Quando assumi a Delta, em 1995, levando a empresa de Recife, onde foi fundada, para o Rio, tínhamos 200 funcionários. O DNER era praticamente nosso único cliente. Nossas primeiras obras foram na prefeitura do Rio, na gestão do Cesar Maia.

Ele abriu o mercado. Não exigia qualificação técnica mais restritiva que exigisse empresas maiores. Para nós foi ótimo. A gente sabia trabalhar com custo baixo, produtividade e ter um preço muito competitivo. Só existe uma forma, pelo menos para a Delta, que era uma empresa nova, de ganhar as concorrências: disputando preço.

Isso foi dito pelo filho do Cesar Maia [Rodrigo Maia, do DEM]: "Graças à Delta, nós tivemos essa economia de orçamento". Em todas as áreas em que atuamos, quem oferece preço baixo é a Delta.

Eu não sou mais querido por isso, não. Eu sou mais odiado. Esse nível de agressividade sempre foi na contramão da cultura do mercado.

Muitos se enganam, dizem que eu sou um cara muito articulado politicamente. Mentira! Eu sou o grande articulador, lobista profissional? Isso é uma mentira.

De que estados vêm seus maiores faturamentos?

Do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde fazemos obras de conjuntos habitacionais, urbanização. Fizemos também a ampliação da Marginal [Tietê].

O escândalo prejudica os negócios?

Vou quebrar.

Será?

Vou quebrar. Quando a mídia vem com essa intensidade, existe uma reação imediata de órgãos de controle. Agora virei leproso, né? Agora eu só tenho defeitos, eu sou bandido.

O cliente [governo], que é um cliente político, abre sindicâncias para mostrar isenção. Suspende pagamentos.

Cria-se um clima péssimo na empresa. Os bancos vão suspender toda a nossa linha de crédito. Aí vem a Receita Federal. Todos precisam mostrar que a empresa tem que ser fiscalizada em todos os níveis. Não tenho caixa. Se eu não receber antes de acabar meu dinheiro, eu quebrei.

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