A soberania alimentar é a única alternativa frente ao flagelo da fome

Mais de 700 milhões de pessoas estão desnutridas. Ação mundial será em 16 de outubro

(Foto: Matheus Alves/Via Campesina)


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Por Sergio Ferrari, 247 - Longe de enfraquecer-se, a defesa da soberania alimentar está ganhando força em quase todo o planeta; está no centro do debate sobre um modelo econômico viável com vistas à redução do flagelo da fome. A Via Campesina (LVC, sigla em espanhol)) atenta a disso, convoca uma ação global e realizará sua 8ª Conferência em BogotáA organização internacional que reúne 200 milhões de camponesas/es de mais de 80 países acaba de lançar a convocatória para a próxima Ação Internacional pela Soberania Alimentar dos Povos contra as Corporações Transnacionais. Será realizada no dia 16 de outubro e busca alcançar uma mobilização o mais ampla, ativa e descentralizada possível, propondo também que as redes sociais sejam conquistadas por meio da divulgação dos múltiplos eventos locais planejados (https://viacampesina.org/es/) [NdT.: O site está em inglês, francês e espanhol. Clicar na opção de traduzir para o português].

O movimento das/os pequenas/os produtores rurais entende essa convocatória como mais uma oportunidade de ratificar a denúncia de que o controle dos sistemas alimentares nas mãos, fundamentalmente, das transnacionais do agronegócio, definido como "uma rede corporativa global que está intensificando a fome de milhões de pessoas no mundo, bem como a massificação da desnutrição como uma doença crônica das novas gerações".

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A Via Campesina considera "inaceitável que cada vez mais pessoas passem fome e que a insegurança alimentar se intensifique e afete um terço da população mundial". E alerta que as crises globais e os grandes deslocamentos migratórios que afetam milhões de pessoas ocorrem em um contexto de crise climática, crise alimentar e ambiental que atinge toda a humanidade.

Seus argumentos se baseiam em dados de fontes oficiais, como o documento "2013: O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo", publicado por cinco agências das Nações Unidas sob a coordenação de sua Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) (https://www.fao.org/3/cc6550es/cc6550es.pdf).

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Raio-X macabro

O documento da FAO – elaborado em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo para a Infância, o Programa Mundial de Alimentos e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – reconhece que, embora a fome em nível global tenha permanecido sem variações significativas entre 2021 e 2022, continua bem acima dos níveis anteriores à pandemia de Covid-19. Em 2022, afetou cerca de 9,2% da população planetária, superando assim os 7,9% registados em 2019, ou seja, na fase pré-pandemia.

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Os percentuais expressam menos do que os números, que refletem, de modo grosseiro, a face humana desse flagelo: em 2022, entre 691 e 783 milhões de pessoas passaram fome em todo o mundo, o que significa 122 milhões a mais do que em 2019. Embora tenham acontecido alguns progressos na redução da fome na América Latina e em parte da Ásia durante o mesmo período, ainda continua aumentando na Ásia Ocidental, na região do Caribe e na África como um todo.

Além disso, a prevalência da insegurança alimentar manteve-se inalterada pelo segundo ano consecutivo, depois de aumentar bruscamente de 2019 para 2020. Em 2022, cerca de 2,4 bilhões (29,6% da população mundial) passaram por essa insegurança. Entre eles, cerca de 900 milhões de forma grave. O drama da insegurança alimentar afeta particularmente as mulheres e as comunidades rurais. Por exemplo, em 2022 atingiu 33,3% dos adultos nas áreas rurais (mais de 28,8% nas áreas periurbanas e 26,0% nas áreas urbanas). Paradoxalmente, os efeitos mais perversos da falta de alimentos ocorrem nas regiões camponesas, cenário de onde, teoricamente, se originam os produtos alimentícios básicos.

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O estudo da ONU aponta que, em 2022, 148 milhões de crianças menores de cinco anos sofreram atrasos no crescimento devido a dietas insatisfatórias. Enquanto isso, 45 milhões entraram em processo de emagrecimento e 37 milhões estavam acima do peso. O excesso de peso é mais comum em áreas urbanas, enquanto os dois primeiros fenômenos são prevalentes em áreas rurais.

Fóruns superestruturais, mas a fome continua

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Às vésperas da próxima Ação Internacional pela Soberania Alimentar dos Povos contra as Transnacionais, a Via Campesina argumenta que há "um cenário de monopolização generalizada de todos os elos dos sistemas alimentares". E em seu diagnóstico global aponta que "eles monopolizam nossa produção agrícola, as sementes, as terras, os territórios; infringem nossos direitos camponeses à renda e a uma vida digna, ao protesto e à autonomia de nossos povos".

O movimento considera que a atual crise alimentar é sem precedentes, se entrelaça com a crise climática, as guerras, a corrupção, o controle da mídia, o racismo institucional e o neofascismo, enquanto o campesinato continua a ser "criminalizado, expulso de suas áreas e continuam a monopolizar nossos meios de vida e de subsistência".

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A ação programada para 16 de outubro também busca impactar nos debates de um novo Fórum Mundial da Alimentação, do qual participarão representantes dos governos que a FAO convocou para Roma entre os dias 16 e 20 de outubro. Esse tipo de fórum está se tornando mais comum e repetitivo, embora resoluções estratégicas positivas sejam escassas. Em janeiro passado, uma reunião dessa natureza foi realizada em Berlim, na Alemanha https://www.fao.org/newsroom/detail/at-gffa-in-berlin-fao-stresses-importance-of-making-agrifood-systems-more-resilient-against-multiple-shocks/es).

Uma análise das discussões e dos comunicados públicos do fórum de Berlim mostra que, embora o evento tenha reconhecido "a importância crucial de tomar medidas concretas para acelerar o acesso das pessoas a dietas saudáveis, transformando os sistemas agroalimentares para torná-los mais resilientes, eficientes, sustentáveis e inclusivos", de qualquer forma, as propostas concretas foram frágeis ou vagas. Para a FAO, é necessário haver mercados e comércio agroalimentar "abertos, transparentes e livres, elementos essenciais para enfrentar os atuais problemas de segurança agroalimentar". O problema é que, na concepção predominante nas Nações Unidas, nem o conceito de soberania alimentar, nem a intervenção cooperativa do Estado como potencial ator regulador, nem a crítica à grande produção transnacional agroexportadora (agronegócio), nem o papel decisivo da pequena produção rural no combate à fome adquirem a devida relevância. O mesmo acontece com muitos outros conclaves desse tipo, que continuam a repetir mais do mesmo, mas sem enfrentar as grandes questões estruturais. E atribuem cada vez mais importância às grandes multinacionais na avaliação de opções para combater a fome.

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A Via Campesina manifesta, mais uma vez, sua preocupação ao considerar que "as grandes corporações continuam capturando esse espaço (o do Fórum Mundial da Alimentação) para seus próprios interesses". E, por isso, aponta o evento de 16 de outubro como uma grande oportunidade para denunciar as falsas soluções que o poder corporativo, em cumplicidade com muitos governos, está promovendo e forçando para "resolver" essas crises. Convencida de que essas soluções são meras aparências, a Via Campesina se pronuncia energicamente: "Mais uma vez, dizemos chega de agronegócio! Chega de falsas soluções! Sem Soberania Alimentar não conseguiremos garantir um futuro para a humanidade!".

Encontros populares, propostas alternativas

Entre seus próximos passos, o movimento camponês confirmou a realização de sua 8ª Conferência Internacional, em Bogotá, Colômbia (https://viacampesina.org/es/viii-conferencia-internacional-de-la-via-campesina-soluciones-claras-para-las-crisis-de-la-humanidad-descargar-el-kit-de-comunicacion/), na primeira semana do mês de dezembro.

Mais de 500 delegadas/os das dez regiões que a integram analisarão o tema principal: "Diante das crises globais, construímos soberania alimentar para garantir um futuro para a humanidade".

Essa conferência, como as anteriores e desde a sua fundação em Mons, Bélgica, em 1993, constitui o espaço mais importante da Via Campesina. Suas outras conferências foram no México (1996); na Índia (2000); no Brasil (2004); em Moçambique (2008); na Indonésia (2013) e no País Basco (2017).

Em sua próxima convocatória, na Colômbia, além de fazer um balanço de seu trabalho de três décadas, lançará oficialmente a décima região, que é formada pelos países árabes e os do Norte da África (ARNA). E terá de decidir como avançar na implementação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das/os Camponesas/es e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais (UNDROP), adotada em 2020 (https://viacampesina.org/wp-content/uploads/2020/04/UNDROP-Book-of-Illustrations-l-ES-l-Web.pdf). Além disso, propõe-se a promover a construção de "um marco alternativo de comércio global que acabe com a voracidade dos Acordos/Tratados de Livre Comércio e da Organização Mundial do Comércio" (OMC). E também define entre seus desafios, consolidar um Tratado vinculante contra as Corporações Transnacionais, que permita proteger os acordos coletivos e individuais de trabalho dos trabalhadores rurais, bem como os direitos territoriais, da natureza, da produção e dos serviços básicos para as comunidades nas zonas atingidas por ditas empresas.

Sergio Ferrari é jornalista

Tradução: Rose Lima

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