Demóstenes enganou ou se deixaram enganar por ele?
Neste fim de semana, Veja retoma uma questo que j havia sido levantada pela jornalista Dora Kramer: como o senador goiano foi capaz de enganar tanta gente por tanto tempo? (Detalhe: no foi uma autocrtica)
247 – Pela primeira vez, desde o início da Operação Monte Carlo, a revista Veja dedicou uma reportagem de capa ao caso Carlos Cachoeira, que retrata, obviamente, sua visão particular sobre a crise que está em curso no País, com destaque para os seguintes pontos: (1) haveria uma tentativa de emparedamento da imprensa livre por parte de alguns membros da CPI, (2) os casos de Marconi Perillo e Agnelo Queiroz seriam iguais, (3) Fernando Collor, que falou em coabitação entre Cachoeira e Veja, não possui legitimidade para atuar como investigador e (4) a tentativa de convocação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, teria como objetivo final empastelar o processo do mensalão.
A reportagem mais interessante, no entanto, com direito a chamada de capa, indaga “como Demóstenes enganou tantos por tanto tempo”. E retoma uma questão que já havia sido levantada pela colunista Dora Kramer, no jornal Estado de S. Paulo, dias atrás. Será que ninguém desconfiava da agenda paralela do senador goiano?
Na verdade, não se trata de uma autocrítica da revista, que foi quem mais contribuiu para a fraude Demóstenes, atribuindo ao senador, em suas páginas, o papel de “mosqueteiro da ética” e transformando o parlamentar em fonte privilegiada de suas reportagens.
Nas entrelinhas, fica claro que a saída encontrada por Veja, para justificar aos leitores a sua falha de avaliação pretérita, foi atribuir ao senador uma dupla personalidade, como Dr. Jekyll e Mr Hyde, o médico e o monstro. Veja se ampara ainda em relatos de senadores de vários partidos, como Álvaro Dias (PSDB/PR), José Agripino (DEM-RN), Pedro Taques (PDT-MT), Delício Amaral (PT-MS), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Kátia Abreu (PSD-TO), que teriam ficado igualmente surpresos e decepcionados com a vida dupla do “Senador Cachoeira”. E termina seu texto com a frase clássica de Abraham Lincoln: “Você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo, mas não consegue enganar a todas por todo o tempo”.
Nosso complemento: tendo Veja ao seu lado, é mais fácil.
Leia, abaixo, o texto de Dora Kramer, a respeito:
Como Demóstenes conseguiu enganar tanta gente por tanto tempo?
Dora Kramer, O Estado de S. Paulo
Quanto mais informações vão sendo reveladas a respeito dos serviços prestados por Demóstenes Torres às organizações Cachoeira de armações ilimitadas, mais esquisito parece o fato de que ele tenha durante tanto tempo podido atuar como o sujeito oculto na defesa dos interesses do contraventor Carlos Augusto Ramos sem despertar suspeitas.
Que o senador tenha conseguido enganar a plateia e parte considerável do elenco da República com o personagem que encarnava em público, compreende-se. Dificilmente alguém que age com tanto vigor e destemor é alvo de desconfiança.
Sempre existe o risco de ser confrontado por um adversário no meio de um discurso, levar um troco na base do bateu levou. Eleito senador pela primeira vez em 2002, notabilizou-se por bater. Nunca levou e, entretanto, vê-se agora como era vulnerável.
Os grampos da Operação Monte Carlo revelaram as conversas com o contraventor, mas suas atividades como praticamente um procurador do bicheiro eram exercidas com boa dose de desinibição.
Pelo divulgado até agora, movimentava-se para todo lado, falava com muita gente, pedia, solicitava, defendia interdição de depoimentos no Congresso e até um episódio em tese menor - o pedido de emprego no governo de Minas Gerais para uma prima de Cachoeira - não se coadunava com a atitude de um defensor intransigente dos pressupostos constitucionais de impessoalidade, probidade e transparência na administração pública.
A julgar pelo conteúdo das conversas telefônicas - e, note-se, não são conhecidas as do senador com personagens outros que não o contraventor - Demóstenes Torres fazia lobby por Cachoeira nos três Poderes, abria portas para negócios comerciais para além da Região Centro-Oeste, interferia na transferência de policiais presos, obtinha informações de bastidores na Polícia Federal e no Ministério Público, atuava aqui e ali como facilitador para a construtora Delta, circulava com desenvoltura entre deputados, senadores, governadores, magistrados.
Será possível que só ao amigo bicheiro revelasse seu lado eticamente permissivo? Apenas ao telefone com Cachoeira deixava-se desvendar? Nas abordagens em prol do contraventor não precisava "abrir" aos interlocutores a natureza dos pleitos pretendidos?
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