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      Do general aos gabinetes das multinacionais

      Em menos de um mês a tese de que a maioria das crises provém de falhas de gestão teve muitos motivos para se confirmar

      João José Forni avatar
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      Em menos de um mês a tese de que a maioria das crises provém de falhas de gestão teve muitos motivos para se confirmar. Uma olhada nas notícias mais recentes, envolvendo governos ou grandes empresas multinacionais, tanto aqui, quanto no exterior, parecem reafirmar esse princípio. Da CIA à BBC, passando por bancos internacionais, Walmart e HP, seja no governo federal ou no de S.Paulo. Todos enfrentam crises graves que, ao fim e ao cabo, nasceram de tomadas de decisões equivocadas; falta de transparência com atos ilícitos; manipulação de informações e também muita incompetência.

      O Institute for Crisis Management dos Estados Unidos, em levantamento anual das principais crises do mundo, que passam pela mídia, mostra que nos últimos dez anos a média de crises envolvendo a administração, de casos que vão dos crimes de colarinho branco a atos de má administração, é de 52%. Outros 18% são crises envolvendo empregados e todos os segmentos da mão de obra das organizações. Ou seja, mais de 80% das crises corporativas do mundo saem de dentro das organizações.

      A escorregada do general

      Nos EUA, o imbróglio da CIA, envolvendo o todo poderoso e coroado General David Petraeus, Diretor da Agência, mostra a reputação pessoal arranhada por problemas pessoais. Um namoro fora do casamento, com manchetes globais, investigação, pressões da oposição e o olho crítico do FBI.

      Embora diga respeito à relações pessoais do diretor, o escândalo da CIA tem conotações políticas e de segurança nacional.  Não é um problema restrito aos generais envolvidos. Descoberto o affair do poderoso diretor da CIA, ele mesmo se entregou. Renunciou porque seria crucificado se continuasse. Pulos de cerca (pelo menos os escancarados) não são admitidos na poderosa organização, pelo risco de vazamentos de segredos.

      Nunca se apagou da memória, o famoso caso Profumo, no Reino Unido, em plena Guerra Fria, quando o ministro de Defesa britânico, John Profumo, se envolveu com uma bailarina de cabaret, que também tinha um caso com um diplomata russo. Um ingrediente super apimentado para o cenário da época. Daí para a frente, escândalos sexuais políticos vivem derrubando cabeças coroadas.

      Quem descobriu o affair do Diretor da CIA foi um araponga do FBI, investigando, a seu pedido, ameaças à uma das pretendentes de Petraeus, a socialite Jill Kelley. Jill era presença assídua em festas de militares na Flórida. O escândalo virou prato feito da mídia dos EUA e envolveu mais um general, John R. Allen, ex-comandante da NATO no Afeganistão, que também caiu nas redes da socialite. 15 investigadores do FBI, trabalhando sete dias por semana no Pentagono, se debruçam sobre 70 emails trocados entre o general e a famosa socialite.

      Os investigadores classificam os emails de "comunicação potencialmente inadequada". Os americanos já se questionam até que ponto o condecorado diretor da CIA deveria se afastar do cargo, se não consta, até agora, que o adultério tenha colocado em risco a segurança nacional. Mas no mundo de fofocas de Washington já se especulou se Obama sabia, antes da eleição, de todo esse imbróglio e segurou a crise para não interferir no resultado do pleito. De qualquer forma, um escândalo que está longe de acabar.

      BBC: a mancha da pedofilia

      Na Grã-Bretanha, a BBC está envolvida até o pescoço em mais um escândalo da mídia britânica. Pensou-se que nada seria pior do que o escândalo dos grampos da News Corporation, que levou ao fechamento do jornal News of the World, de 168 anos, em 2011.

      A BBC é acusada de, durante vários anos, abrigar e silenciar um popular apresentador, morto em 2008. O ex-apresentador Jimmy Savile, um dos mais famosos astros de TV na Grã-Bretanha, comandava programas infantis na BBC. Era estrela nos anos 70 e 80. Neste ano, vieram à tona acusações graves contra o apresentador, por abusos sexuais praticados, durante anos, contra crianças, adolescentes e mulheres. Um pedófilo da pior espécie.

      A BBC, ícone da comunicação europeia, que consolidou sua marca durante a II Guerra Mundial, alem de estar sob suspeita de tê-lo acobertado, ainda é acusada de driblar a programação, ao não divulgar programa, dois meses atrás, que abordava o assunto. Difícil entender como a direção de uma emissora do porte e do nome da BBC conseguiu ser enganada pelos crimes de Savile. Especula-se que quem sabia, preferiu ficar calado. A polícia está se preparando para prender pessoas que trabalharam com Savile e possivelmente foram coniventes.

      Toda a cúpula da emissora caiu. As cobranças vão das inúmeras famílias, vítimas do escândalo, que irão processar a emissora, aos contribuintes e até ao Primeiro-Ministro.  A BBC também abriu três inquéritos e agora quer tudo esclarecido, após pressão popular e política. Como se sabe, a organização é mantida com recursos públicos.

      O rombo da HP

      Na área corporativa, não bastassem os processos contra bancos internacionais, por irregularidades no mercado, manipulação de taxas e investimentos fajutos, a multinacional HP enfrenta mais uma crise grave. Em 2011, a empresa comprou o grupo britânico de software Autonomy, acusado agora pela CEO da HP, Meg Whitman, de ter manipulado ou escondido números, sem que a compradora soubesse.

      Agora, a HP alega necessidade de fazer baixa contábil de US$ 8,8 bilhões sobre o valor da Autonomy, o que certamente afetará seu balanço. O mercado reagiu imediatamente, derrubando as ações da companhia. Analistas não engoliram esse acerto contábil e atribuem o problema em aposta equivocada da HP. A própria diretoria é questionada pelo mercado.

      Esse episódio mostra não apenas um, mas vários problemas de gestão. Uma multinacional do porte da HP compra uma empresa de software por US$ 11.1 bilhões e é surpreendida, menos de um ano depois, por números manipulados? E as auditorias? Várias empresas fizeram o chamado  due dilligence (auditoria contábil rigorosa) na empresa. E não descobriram a manipulação? Qualquer semelhança com o negócio da Caixa Federal e o Banco Panamericano, aqui no Brasil, não é mera coincidência.

      Os britânicos, analistas de mercado e o próprio fundador da Autonomy, Mike Lynch, culpam a HP pelo imbróglio. Dizem que a empresa, além de destruir o negócio da Autonomy, com erros que levaram a perdas monumentais, é lenta para reagir ao mercado. De acordo do Lynch, o rombo é produto mais das falhas da diretoria da HP do que de políticas contábeis da Autonomy.

      "A sufocante burocracia da HP propiciou o êxodo do staff mais talentoso da Autonomy", admitiu Lynch ao Sunday Times, de Londres, neste domingo.  Para os analistas, "eles perderam a credibilidade dos acionistas". Um disse me disse que não resolve o rombo da HP, mas tem potencial para se transformar numa grande crise para a empresa, que há anos enfrenta problemas sérios de governança. Há alguns anos, a presidente da empresa, à época, mandou grampear a própria diretoria, para descobrir quem vazava informações sigilosas da empresa. Tudo isso desgastou a imagem da companhia no mercado.

      Walmart: o lucro acima de tudo

      Problemas de gestão aparecem por todo lado. Na Índia, o Walmart afasta executivos do alto escalão e adia abertura de lojas no país por causa de uma investigação interna sobre suborno. Não é a primeira vez que a empresa se enrola com executivos envolvidos em suborno, fato que também aconteceu na subsidiária mexicana. Crimes de colarinho branco estão no topo das crises de gestão, na estatística do Institute for Crisis Management.

      Mas a crise de imagem do Walmart esquentou literalmente após um incêndio numa fábrica de roupas, em Bangladesh, ocorrido dia 24/11, que deixou 112 mortos e centenas de feridos, muitos graves. Sempre que acontece uma tragédia em Bangladesh ou em Taiwan há grande probabilidade de uma multinacional estar por trás. Condições humanas quase escravas, instalações precárias, pagamento vil, mão de obra infantil e os pobres operários, muitos crianças, acabam vítimas da ganância. Tão logo as notícias do incêndio circularam e os parentes começaram a protestar, apareceu a multinacional Walmart por trás da fábrica de roupas.

      A multinacional do varejo reconheceu ser a contratante dos trabalhos dos operários, mas apressou-se em anunciar o rompimento do contrato pela falta de cumprimento de determinadas cláusulas.  A Nota lacônica e evasiva do Walmart diz um pouco sobre como as grandes empresas se esquivam das crises: "Hoje, nós terminamos o relacionamento com o fornecedor (de Bangladesh). O fato ocorrido é extremamente preocupante para nós, e nós continuaremos a trabalhar junto aos fabricantes industriais para melhorarem o treinamento e as medidas de prevenção contra incêndio em Bangladesh."

      Não é a primeira crise da espécie no Walmart. E um dia antes dessa tragédia havia 100 cidades nos EUA com greves e manifestações contra a rotina de trabalho na Black Friday, o que só contribui para arranhar ainda mais a reputação da multinacional. O Walmart, no caso do incêndio, procura lavar as mãos e culpar os fornecedores. Mas responsabilidade social implica fiscalizar em que condições materiais e humanas os produtos são fabricados. No caso do Walmart, há um histórico negativo nesse sentido.

      A crise de gestão do Walmart é mais grave, porque, no Relatório de Responsabilidade Global, a empresa informou ter parado de trabalhar com fábricas da Índia devido a problemas com segurança contra incêndios. A mídia demorou a fazer conexão com esse incêndio e a gigante do varejo. Mas o que fica claro, mais uma vez, é que o Walmart falhou em proteger os trabalhadores da fábrica envolvida no incêndio, uma vez que os proprietários e a multinacional querem ter o menor custo operacional possível, o que significa condições inseguras e precárias fornecidas aos pobres empregados, segundo registra Karen Freberg, especialista em mídia digital e reputação, nos EUA.

      Em resumo, os exemplos acima mostram como nem a fechada CIA, muito menos poderosas multinacionais, escapam de crises graves envolvendo administradores. Em alguma momento, uma autoridade, um executivo ou a diretoria dessas empresas decidem tomar um caminho, uma decisão, como aconteceu com a HP, que irão repercutir negativamente na imprensa.

      Mas algumas perguntas precisam ser feitas: como foi feita a negociação para abertura da loja do Walmart na Índia? Eles desconheciam realmente as péssimas condições oferecidas pelos fabricantes de roupa? E a BBC, que conviveu com um pedófilo dentro dos estúdios, e diz agora desconhecer o passado? Quem é o culpado dessas crises.

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