Sangue azul Marinho

A novela teve um final feliz. Como num de seus plantões capazes de nos deixar vidrados e tensos, o editorial do jornal impresso das empresas Glob% nos acordou ontem, dia 22, com um sopetão: já podemos comemorar, seu golpe está oficial e temporariamente suspenso. Brasil-sil-sil!

Que desde sua fase embrionária, as empresas Glo¨¨&#¨ têm matrimônio com o golpismo, não é novidade. Parte de sua prole, aliás, é gestada propriamente da Ditadura Militar. Há muito, sobram segmentos sociais que berram o perigo dessa hegemonia. Para isso, no entanto, o gigante ainda não acordou. Diga-se de passagem, nem o gigante nem a Esquerda deram-se conta de que esta querela toda é bobagem, a Gl¨&@¨#$ não é a favor de uma cúpula de milicos comandando o país. Não existe perigo vermelho em jogo. Existe sangue azul. Azul Marinho. 

Retiremos o véu: a G#¨(&# é monarquista. Afinal, do que se faz uma Monarquia? De dominar e ser simplesmente porque se é. Um ditador domina através da força física de suas baionetas. Um presidente é escolhido pelo voto e domina pela infeliz opacidade do povo por quatro anos. Um rei é rei por dois motivos: por pertencer a uma dinastia – morre Roberto, lá vem outro - e por conseguir legitimá-la, tradicionalmente através da aliança entre cruz e espada. Não é mais assim, à parte a ofensiva de Felicianos e congêneres. Quem comanda o admirável mundo novo é o alto falante que parte do espectro eletromagnético. Diga-se de passagem, nossas casas são quem nos evidencia isso. Se antes quem ocupava o centro da sala era a bíblia, hoje é a tevê.

Mas atenção, senhoras e senhores, para o top de cinco atos (a relação com qualquer lista de cinco atos históricos é por sua conta):

1)Plim: A rede $@¨#@!* utiliza seu cão de guarda – perdoem a falha técnica... porta-voz – para achincalhar o movimento Passe Livre e sua crescente entre a multidão que carcome os poros de toda vida urbana, sob a acusação de ser uma demanda pueril, de classe média, e vejam só, contra os trabalhadores. Esse pseudo-marxismo, na verdade, se opunha à pauta da redução das tarifas.

2)Plim: Seu telejornal da madrugada após tratar das manifestações que se proliferam pelo país, se vale de um hobbesianismo torpe ao mostrar casos de saques a ônibus na matéria seguinte. Insinua uma relação de causalidade entre manifestações e saques a cidadãos. Principia disseminar o medo, através da imagem caótica e sussurra aos nossos ouvidos para que troquemos a liberdade por segurança. 

3)Plim: No momento em que as manifestações descambaram para o tema da corrupção (se fugir à lei é um problema, há de se pensar quando a lei é mal pior), por parte da outrora classe média ofendida, ocorre a adesão e capitalização da manifestação para abalar o governo federal: resume todas as demandas à corrupção, má administração do dinheiro público e desejo popular de apartidarismo. O maior exemplo de sua redenção é a reviravolta da posição de seu cão de guarda – pode isso, Arnaldo? Propicia um espetáculo com direito à transmissão ao vivo na 6&¨&* News do que lhe interessa: a compra de pipocas decola na audiência às bizarrices originadas pelos supostos vândalos.

4)Plim: Forja e produz uma cisão entre manifestantes pacifistas, patriotas - os camisas e chapa branca de um lado (eles supõem ser neutros, coitados); contra os ‘baderneiros’ (sic) e/ou partidários que reagem à truculência policial desproporcional e covarde. Aliás, estes termos sequer são balbuciados em cadeia nacional. Na sexta 21 mesmo, por sinal, seu jornal (que não é municipal ou estadual, mas nacional) foi aberto com um discurso de um secretário de Estado que defendia o Exército nas ruas, se necessário para manter a ordem – qual ordem?

5)Plim: A Democracia surge como uma fênix, impávida e colossal, na defesa da imprescindibilidade dos partidos, através do editorial de seu impresso diário, 22 de Junho. Diga-se de passagem, toma partido e reproduz mais uma vez o discurso que sequer tangencia os contratos com as empresas que parasitam os serviços públicos.

Digamos de passagem. Ninguém acha que são só vinte centavos – Arnaldo, meu amigo, palavras suas não ecoaram tanto nem com a música da querida Rita Lee. Outrossim, nas ruas, nas redes sociais ou em qualquer espaço que pretenda ser levado a sério, não cabe mais reclamar de todos os males do mundo. As manifestações precisam de organização e unidade de Esquerda nas pautas concretas. Por que de Esquerda? Porque quem tem como cerne de sua ideologia e práticas políticas a defesa da classe trabalhadora é ela. Nas ruas, nos sindicatos e em toda organização social – e que toda organização social esteja nas ruas -, é preciso debater diretamente o Transporte Público (CPI?) e as concessões às empresas privadas, através da elaboração de mecanismos que notabilizem o orçamento público e sobretudo os contratos escusos, além do financiamento privado das campanhas políticas, o que propicia o famigerado rabo preso. Esta é a única via para que pese para quem nunca pesou: os empresários da elite brasileira.

Diga-se de passagem, falando em concessão, empresa que monopoliza a violência simbólica no país e todos sabem de quem se trata, há de chegar o dia em que você será o alvo. Não de coquetéis molotov ou flores, mas da soberania popular. 

Ainda assim, é preciso pensar quais razões levam esta Monarquia a ficar a favor da Democracia. Ao que parece, tal qual está configurada a correlação de forças, sua coroa não sofre ameaças. Ou esse contínuo zigue-zague permanece ocultando algo de podre neste reino.

Devido à minha desconfiança diligente, antecipando eventuais censuras – vai que os monarcas da empresa $$$$$ decidam que vale a pena ver de novo uma autocracia -, deixo claro desde já: esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência