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Vladimir Safatle: Brasil se tornou laboratório mundial de neoliberalismo autoritário

Em artigo publicado pelo jornal Le Monde nesta segunda-feira, 2, o filósofo Vladimir Safatle diz que não há mais consenso sobre o modelo de democracia liberal no Brasil. "É possível que o Brasil seja hoje um laboratório global no qual estejam sendo testadas novas configurações do neoliberalismo autoritário, onde a democracia liberal se veja reduzida a mera aparência", diz ele

Safatle: 'sr. Jair Messias, nossa bandeira será vermelha'
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247 - O jornal francês Le Monde publicou nesta segunda-feira, 2, artigo do filósofo brasileiro Vladimir Safatle, professor de Filososofia da Universidade de São Paulo (USP), que algumas das contradições do Brasil em meio à ascensão do bolsonarismo. 

Segundo Safatle, não há mais consenso sobre o modelo de democracia liberal no Brasil, mas ainda não se sabe até onde seu desaparecimento pode levar o País. 

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"Nesse sentido, é possível que o Brasil seja hoje um laboratório global no qual estejam sendo testadas novas configurações do neoliberalismo autoritário, onde a democracia liberal se veja reduzida a mera aparência", diz ele. 

Leia, abaixo, o artigo na íntegra, traduzido para o Brasil 247 por Sylvie Giraud:

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Vladimir Safatle: "Brasil, possível laboratório mundial de neoliberalismo autoritário"

Vladimir Safatle

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Professor de Filosofia na Universidade de São Paulo (Brasil)

Paralisados ​​por um sistema de alianças contraditórias, os governos brasileiros anteriores criaram expectativas que não podiam realisar, deixando a extrema-direita medrar no terreno da frustração, explica, em artigo no Le Monde, o professor de filosofia.

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Todos os dias o Mundo fica consternado ao ver o Brasil - uma das dez maiores economias mundiais e o ator político mais importante da América Latina - sob o controle de um governo cujo militarismo, a brutalidade, a violência contra segmentos vulneráveis da população, o desprezo pelo meio ambiente, nos remetem a algumas das principais características dos regimes fascistas.

Todos nós sabemos o peso que carrega tal alcunha e não se trata de usá-la de forma irresponsável. Se ela está cada vez mais presente na mente de grande parte da população brasileira, não é por um deixar-se levar retórico, como acontece em duros confrontos políticos. Isso ocorre porque essa palavra se refere ao horizonte possível de um processo que está apenas começando.

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Obviamente, ninguém espera a reprodução ao pé da letra dos modelos totalitários dos anos trinta. Mas traços arraigados de sua lógica estão de fato sendo adaptados às realidades políticas e econômicas atuais.

O consenso em torno da democracia liberal não existe mais

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Temos todos consciência de que o consenso em torno da democracia liberal não existe mais, mas não sabemos até onde seu desaparecimento pode nos levar. Nesse sentido, é possível que o Brasil seja hoje um laboratório global no qual estejam sendo testadas novas configurações do neoliberalismo autoritário, onde a democracia liberal se veja reduzida a mera aparência.

Uma das consequências mais visíveis desse neoliberalismo autoritário é a submissão de qualquer política ambiental aos interesses imediatos da indústria agroalimentar, um dos setores chave de apoio a Jair Bolsonaro. Nenhum protesto da sociedade tem verdadeiramente peso contra essa lógica baseada no desrespeito colonial secular pelos povos indígenas, no nacionalismo paranoico e na reedição de processos antigos de conquista de terras.

Alguns podem se perguntar como o Brasil chegou tão rápido nesse ponto. Dotado de uma democracia aparentemente consolidada, este país parecia destinado a ocupar um lugar de destaque no novo cenário econômico internacional. Muitos observadores se lançam em vastas explicações históricas que não levam em conta as contradições imediatas. Porque a questão central é: qual foi, nos últimos quinze anos, a fragilidade do Brasil capaz de levá-lo a tal degradação?

Explosão dos preços nas principais cidades brasileiras

Nesse sentido, seria conveniente assumirmos, como ponto de partida, que a experiência brasileira foi uma das tentativas mais óbvias de estabelecer-se um governo populista de esquerda. É assim que devemos analisar os governos de Luiz Inácio Lula da Silva, depois de Dilma Rousseff, e seus limites. O surgimento de Jair Bolsonaro pode ser interpretado como um sintoma das contradições imanentes a um projeto desse tipo.

Podemos falar de "populismo" devido à natureza fragmentada e heterogênea dos setores da sociedade que se uniram para garantir a hegemonia política a esses governos.

De fato, dentro da coalizão governamental de Lula, tanto se expressavam reivindicações de atores das camadas populares, como das oligarquias descontentes, numa configuração que remetia à do peronismo argentino. O "povo" produzido por essa conjunção era um corpo estranho no qual era possível encontrar índios e grandes fazendeiros, negros e banqueiros, trabalhadores e rentistas.

Uma frustração muito difícil de gerenciar

No início, essas expectativas conjuntas levaram a um movimento de transformação social que parecia sem risco e irreversível. Não só as camadas mais pobres da população viram sua renda aumentar, como também a da elite rentista. No entanto, essa evolução rapidamente chegou a um ponto de bloqueio. Houve uma data de validade.

Como não se tratava de uma verdadeira ruptura com o modelo econômico vigente, o processo de concentração da renda praticamente não foi afetado. Desse ponto de vista, tudo o que o Brasil conseguiu fazer durante esses treze anos foi, de fato, retornar ao mesmo nível de concentração de renda do início dos anos sessenta.

Essa situação, onde o crescimento econômico foi produzido sem grandes mudanças na distribuição da renda, levou a uma explosão dos preços nas principais cidades brasileiras. No início de 2010, São Paulo e Rio de Janeiro tornaram-se duas das cidades mais caras no mundo. Isso coibiu a ascensão social dos mais pobres, criando uma frustração muito difícil de gerenciar.

A extrema direita conseguiu usar o discurso da ruptura

Quando essa frustração tomou as ruas, a extrema direita conseguiu usar o discurso da ruptura assumindo o ódio anti-institucional que anima uma parte da população. Enquanto a esquerda era forçada a administrar coalizões que se tornaram a expressão social da inércia, a extrema direita estava livre para promover sua própria concepção da "revolução".

Foi, portanto, com um discurso revolucionário que Bolsonaro venceu as eleições. É com tal discurso que reina e que se dá o direito de romper com todos os consensos, até mesmo aquele crucial, sobre o futuro da floresta amazônica.

Em outras palavras, os governos populistas de esquerda, seja no Brasil ou na Grécia, por estarem vinculados a um sistema de coalizões e alianças contraditórias que rapidamente levam à paralisia, despertam esperanças de ruptura que não podem realizar. A extrema direita sabe como ocupar o espaço vazio gerado pela frustração. Realiza, com sinais invertidos, a revolução que outros prometeram sem poder cumprir. Se a oposição brasileira realmente quer existir, deve saber absorver pelo menos parte do ódio anti-institucional existente, acenando com a possibilidade de uma outra forma de ruptura real.


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