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35 anos de luta por memória e justiça

No dia 30 de abril de 1977, 14 mães ocuparam pela primeira vez o espaço público que sintetiza e simboliza o poder político na Argentina: a Praça de Maio

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No dia 30 de abril de 1977, 14 mães ocuparam pela primeira vez o espaço público que sintetiza e simboliza o poder político na Argentina: a Praça de Maio. Seus filhos, sequestrados pelas Forças Armadas, foram vítimas da nova metodologia repressiva na America Latina: o desaparecimento forçado de pessoas.

Esse gesto inaugural se projetou numa série de ações políticas adotadas, no âmbito da defesa dos direitos humanos e das políticas públicas de recuperação da memória histórica, em diversas realidades, dentre elas: Comissões de Verdade na Bolívia (1982), Argentina (1983) Uruguai (1985 e 2000), Zimbábue (1985), Uganda e Chile (1986) África do Sul (1995) e Brasil (2011).

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A ocupação da Praça de Maio resultou da oportuna sugestão de Azucena Villaflor de Vicente, mãe de um desaparecido. Num cenário de silêncio e terror social vislumbrou a necessidade de transcender a busca individual ao propor uma ação conjunta com outros afetados. A sugestão nos remete à reflexão arendtiana do agir político. Arendt, em seu elogio da ação e do discurso, diz que para atuar coletivamente não é necessário ter uma compreensão precisa da história, basta encontrar palavras adequadas no momento oportuno para dar origem a uma ação. Portanto, se agir significa tomar iniciativa, a sugestão do encontro e a iniciativa de ocupação da Praça de Maio virou ação política. Ação que rompeu o silêncio que todo autoritarismo exige e resgatou palavra, interditada pela ditadura cívico-militar que implantou o terrorismo de Estado na Argentina.

Há 35 anos se originou o movimento das Mães e das Avós da Praça de Maio, responsáveis, estas últimas, pela denúncia de um novo delito: o plano sistemático de apropriação dos filhos dos desaparecidos. Sua luta permitiu recuperar, até hoje, 105 filhos e netos de um total de 500 sequestrados após o parto e desaparecimento de suas mães. Solidariedade, apoio emocional e firmeza na sua confrontação com o Estado orientaram a ação de Mães e Avós. Se a ação e o discurso são, como insiste Arendt, “a efetivação da condição humana da natalidade”, isto é, da capacidade de recomeçar, podemos entender quando as Mães afirmam que foram paridas pelos seus filhos. Recomeço que, como sugere Walter Benjamin, abre a possibilidade de contar a história a contrapelo, isto é, do ponto de vista dos oprimidos.

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Foram 35 anos de luta e superação diária. Tentaram desestruturá-las com o sequestro e desaparecimento da sua fundadora, Azucena e treze outras mães, no aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1977. Com muito medo e dor retornaram à Praça e lá se mantiveram firmes, apesar das ameaças, durante o Campeonato Mundial de Futebol em 1978. Ganharam, durante o evento, reconhecimento da mídia internacional e nova esperança. Foram estigmatizadas pela propaganda oficial, durante a visita que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou no país em 1979. Nessa oportunidade, enquanto Mães e familiares se organizavam para formular suas denúncias, os produtores do medo anunciavam que “os argentinos eram direitos e humanos”. É bom lembrar que as Mães e as Avós da Praça de Maio foram das poucas vozes levantadas, em 1982, contra a Guerra das Malvinas - arquipélago ocupado pela Inglaterra em 1833 e que orienta, até hoje, leituras nacionalistas.

A derrota militar nas Malvinas, seguida de vertiginosa recriação do espaço público, transformaram, Mães e Avós da Praça de Maio, em interlocutores privilegiados no processo de transição política. Nesse contexto, a palavra de ordem “julgamento e castigo a todos os culpados” – palavra que recupera a recomendação do informe da Comissão Interamericana sobre o Desaparecimento de Pessoas (CIDH) - tornou-se demanda hegemônica do Movimento de Direitos Humanos (MDH), sustentada na opinião pública que enfatizava o não esquecimento do terrorismo do Estado.

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Já na democracia, o presidente Raúl Alfonsín (1983-1989), criou a Comissão Investigadora Sobre a Desaparição de Pessoas, CONADEP. Suas recomendações foram incorporadas pela (CIDH) na convenção de Belém do Pará em 1994. A convenção considera a desaparição de pessoas delito “continuado ou permanente, enquanto não se estabelecer o destino ou paradeiro da vítima”. Sua adoção permitiu, até hoje, a condenação - em julgamentos que respeitam todas as garantias legais - de 253 acusados. No Brasil, por exemplo, permitiu ao Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) denunciar, recentemente, à Justiça o coronel reformado Brilhante Ustra, comandante do (DOI-Codi-SP) no período de 1970 a 1974.

A “Lei de Ponto Final’ e da ‘Obediência Devida”, ambas de 1987, e o indulto, promulgado pelo Presidente Menem (1989-1999) foram duros golpes no movimento. Ensejaram, porém, a formação de uma agrupação de descendentes diretos das vitimas da repressão - Filhos dos Desaparecidos. Os FILHOS inventaram o “escracho”, isto é, a denúncia pública dos repressores nas suas casas, nos seus bairros, no seu trabalho. Vale lembrar que, enquanto modalidade de ação política, o “escracho” foi realizado no Brasil, em 2012, por ocasião das comemorações do Golpe de 1964.

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Finalmente, o passo decisivo para a recuperação da memória e da justiça foi dado pelo presidente Néstor Kirchner, em 2004, ao discursar na Assembleia Geral da ONU e se assumir como filho das Mães e das Avós da Praça de Maio. Nessa oportunidade, declarou a inconstitucionalidade das leis de “Ponto Final” e da “Obediência Devida”, ratificando a ideia de que os desaparecimentos, sequestros e torturas, são delitos contra a humanidade, isto é, categoria de ilícitos que repugnam a consciência universal.

Memória, Verdade e Justiça, bandeiras desfraldadas na sua longa trajetória, acenam com a possibilidade de reencantar o mundo. As Mães da Praça de Maio comemoraramm 35 anos de luta em pé, mostrando que a memória é um mecanismo eficaz contra a impunidade.

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