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Mundo

Atentado mostra a insensatez de um país armado

O argumento dos belicistas, liderados e financiados pela poderosa e rica indústria do armamento, a que os EUA já se acostumaram, é que armas não matam. As pessoas matam

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Os Estados Unidos acordaram na sexta-feira 20 chocados com mais uma tragédia envolvendo um maníaco atirador. Armado e vestido como para um ritual, invade um cinema e começa a atirar a esmo, apenas pelo prazer de matar. O país já poderia até estar preparado para ataques semelhantes, pois psicopatas têm infelicitado inúmeras famílias nos últimos anos, desde que Charles Whitman matou 16 pessoas e feriu 31, em agosto de 1966, na Universidade do Texas, em Austin.

De lá para cá perdeu-se a conta de atentados semelhantes no mundo. Mas não há dúvidas de que é uma tragédia tipicamente americana. Nos Estados Unidos, ataques semelhantes ocorrem 40 vezes mais do que no Canadá ou na Inglaterra, por exemplo. O país teria 260 milhões de armas nas mãos da população, algo como um terço de todas as armas do mundo.

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A primeira reação é de choque, como na maioria das crises com mortes. Depois, passados os primeiros momentos de dor e homenagem aos mortos, o país se recolhe num silêncio vergonhoso e doloroso, para refletir por que acontecem tantas tragédias desse tipo. Sant Ysidro, Edmond, Columbine, Virgina Tech e tantas outras. Há uma inclinação mórbida por escolas e por jovens. Como na Noruega, Finlândia, Alemanha, China.

Logo após a tragédia, a mídia correu ao site da National Rifle Association (NRA), que defende a livre venda de armas nos EUA e foi responsável pela campanha contra restrições à comercialização e porte, anos atrás. No site da associação, nada. Silêncio absoluto. Nenhuma nota, nenhuma condolência pelo ferimento em 71 pessoas inocentes, conforme registra o professor da Universidade de Chicago, Geoffrey R. Stone, em artigo no Huffington Post. "Para minha surpresa... eu não encontrei nada" no site.

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O cineasta Michael Moore registrou, com sua ironia ferina, os argumentos dos defensores da liberdade de comprar armas, garantida pela Constituição, e liderada pelo falecido ator Charlton Heston (Ben-Hur), no chocante documentário Tiros em Columbine, de 2002.

O argumento dos belicistas, liderados e financiados pela poderosa e rica indústria do armamento, a que os EUA já se acostumaram, é que armas não matam. As pessoas matam. É uma conclusão simplista, mas que talvez explique porque armas proliferam nos Estados Unidos, enquanto são banidas no Reino Unido e no Canadá. E porque o número de atentados começa a se tornar uma macabra rotina entre os americanos. Se os EUA tivessem a mesma taxa de assassinatos do Reino Unido e do Canadá, segundo Stone, 100 mil americanos poderiam estar vivos, desde o ano 2000. Na Grã-Bretanha nem a polícia anda armada.

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Segundo Geoffrey, os argumentos da NRA é de que não se pode associar os atentados ao fato de armas proliferarem na América e serem escassas em outros países, onde atentados são raríssimos. "Nós talvez tenhamos que enfrentar os fatos: americanos, ao contrário de ingleses e canadenses, são assassinos por natureza. A fácil disponibilidade de armas letais não tem nada a ver com isso", ironiza o professor Geoffrey Stone.

O professor de leis da Universidade de Chicago culpa também os políticos do Congresso Americano que "persistentemente falham em rever a legislação para banir ou limitar a venda e o porte de armas. Esta é, acima de qualquer medida, uma dolorosa falha da governança responsável".

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O Presidente Obama diz que não é hora de política, mas de oração. "Mas esta é a hora dos políticos, antes que nós voltemos a fazer, depois de cada massacre – derramar algumas lágrimas, expressar nosso pesar, dizer umas poucas orações, e então rapidamente voltarmos a fazer o que a NRA quer que nós façamos – mudar de assunto", conclui Geoffrey.

O The Times, de Londres, em Editorial, diz que um homem – não uma cultura, não uma sociedade, não uma nação, mas um homem – é responsável pela desgraça que envolverá muitas famílias no Colorado, por anos. O New York Times, também em Editorial, assegura que "o país precisa uma pausa para reflexão, esperar por mais informações", enquanto o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg afirmou que "nós necessitamos mais do que refletir. Talvez seja hora de as duas pessoas que querem ser presidente dos EUA se erguerem e nos dizer o que eles estão pretendendo fazer sobre isso".

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No entanto, uma outra reação humana à tragédia, quase tão imediata como a compaixão, o sentimento de solidariedade e apoio, é tentar entender por que e como aconteceu. Em parte é porque os seres humanos são seres racionais, impulsionados a buscar explicações racionais, até mesmo para ações profundamente irracionais. Em parte é porque eles sentem o dever de tentar evitar que tais eventos ocorram novamente. Neste segundo aspecto, muitas pessoas na Grã-Bretanha e na Europa, e de fato muitos na América, colocam a culpa de forma rápida e diretamente sobre a fácil disponibilidade de armas nos EUA.

Mas não há dúvidas de que os números são eloquentes nessa interpretação. Em 2010 menos de 100 pessoas foram assassinadas com arma de fogo no Reino Unido. O valor equivalente para os EUA, com uma população cinco vezes maior, foi 8.775. Com menos armas em circulação, tais estatísticas sugerem, menos pessoas sofrem seus efeitos, diz o Times.

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O político e líder religioso americano, Gary Hart, pergunta: "Quando um ser humano mata uma dúzia de pessoas e fere outras que nenhuma ameaça representam a ele, nada parece fazer sentido, nada é razoável ou racional. Isso nos leva a questionar se a sociedade está se desintegrando, se há um lado negro da natureza humana, para além do alcance da razão e da sanidade, e até mesmo se o verniz da civilização tornou-se tão fino que está indo embora".

Como enfrentar essa crise

O governo Obama nas primeiras horas fez o que devia ser feito. Suspendeu a campanha presidencial, decretou luto oficial de seis dias e fez um pronunciamento à nação, na conferência de imprensa. No sábado, outro pronunciamento na linha do que ele mais sabe fazer: falar bem. Neste domingo, o presidente americano visita o local para homenagear os mortos. O opositor Mitt Romney também lamentou e parou a campanha. Os produtores do filme, cenário da tragédia, suspenderam o lançamento na Europa e cancelaram todas as entrevistas, em sinal de respeito aos mortos. Até Hollywood, que aparentemente não se emociona com grandes tragédias, ficou chocado, pela estreia de uma nova forma de barbárie: mortes numa casa de espetáculos, no lançamento de uma superprodução.

A tragédia também será motivo para se rediscutir a segurança em locais públicos. Se hoje, principalmente nos Estados Unidos e Europa, há uma verdadeira paranoia por revistas, detectores de metais e proibições de toda a ordem, vai ficar pior. Essa paranoia apenas ameniza a incapacidade das autoridades policiais de evitar tragédias, porque não garante e não existe segurança absoluta. Há outros componentes por trás da tragédia que transcendem prevenções de crise, desde o monitoramento de psicopatas, até a triagem de segurança em locais públicos, passando pela restrição ao comércio de armas.

Cada vez mais a sociedade vai ficar enclausurada e monitorada, como se por trás de cada cidadão houvesse um terrorista ou um atirador em potencial. Sem que isso evite um ciclo mórbido de atiradores que a qualquer momento podem estar se preparando, na solidão de seus apartamentos ou casas, para um novo ataque. Como fez James Holmes, um dedicado doutorando de neurociência na Universidade do Colorado.

Como em todas as tragédias, muitas versões e estudos sociológicos serão publicados nos próximos dias. Mas talvez seja o momento para a sociedade, empresas de entretenimento, de videogames, escolas, academias de ginástica, clubes esportivos, educadores, religiosos, políticos refletirem sobre os valores repassados hoje aos jovens, em que a glamourização da força bruta, da cultura do corpo sarado, de jogos, filmes e videogames violentos, associado à cultura da guerra, principalmente nos Estados Unidos, se sobrepõem à capacidade de pensar, de resolver os problemas, até mesmo os existenciais, com o diálogo, a compreensão e a sabedoria.

Por algum tempo, como aconteceu com Columbine e Virgina Tech, este será o tema do momento, principalmente nos Estados Unidos. A crise que se abate sobre a pequena localidade de Aurora, próxima a Denver, no Colorado, é apenas a ponta do iceberg de uma crise muito maior que questiona os valores da sociedade do século XXI.

João José Forni é jornalista, consultor de comunicação e editor do site Comunicação e Crise

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