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Boff: 'Fórum Social Mundial encarna a resistência'

Em entrevista à Carta Maior, o teólogo Leonardo Boff fala sobre o significado do Fórum Social Mundial, que se realiza em Túnis; "Representa o inverso do sistema globalizado. Já não se trata de resignação, mas de ação contrária e de uma mostra da insatisfação de grande parte da humanidade diante do curso atual do mundo. Assim não se pode continuar. Temos que projetar novos sonhos e utopias, e articular alternativas viáveis se quisermos sobreviver como civilização e como espécie. O sistema e a cultura do capital são homicidas, “biocidas”, “ecocicas” e genocidas", diz ele

Em entrevista à Carta Maior, o teólogo Leonardo Boff fala sobre o significado do Fórum Social Mundial, que se realiza em Túnis; "Representa o inverso do sistema globalizado. Já não se trata de resignação, mas de ação contrária e de uma mostra da insatisfação de grande parte da humanidade diante do curso atual do mundo. Assim não se pode continuar. Temos que projetar novos sonhos e utopias, e articular alternativas viáveis se quisermos sobreviver como civilização e como espécie. O sistema e a cultura do capital são homicidas, “biocidas”, “ecocicas” e genocidas", diz ele (Foto: Leonardo Attuch)
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Mauricio Mamanni, na Carta Maior

Numa nova edição do Fórum Social Mundial (FSM), que se realiza em Túnis entre 24 e 28 de março, o valor desse espaço altermundista aparece como um interrogante central. Tão importante como o próprio diagnóstico do planeta terra.

Ambos os temas constituem a coluna vertebral dessa entrevista com o teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos pais fundadores da Teologia da Libertação nos anos 70 e principal promotor da nova “Teologia ecológica”.
 
Se a modernidade propala o progresso ilimitado, choca-se contra o muro de um planeta com recursos limitados. Daí a necessidade de integrar indignação, rebeldia e propostas alternativas para salvar a “mãe terra” de uma tragédia anunciada, sentencia Boff.
 
Qual é sua análise sobre a “conjuntura” do planeta Terra no início de 2015?
Uma situação complexa, produto da crise social e do modo de produção fundado na ilimitada exploração da natureza. O projeto de modernidade propala o progresso ilimitado. Mas a Terra, enquanto planeta com recursos limitados, não suporta esse projeto ilimitado. A Terra se tornou insustentável. Chegamos a seus limites físicos. Ela precisa de um ano e meio para repor o que tiramos durante um ano. Por outro lado, nós nos confrontamos com uma crise mental, isto é, nossa mente está contaminada pelo antropocentrismo. O ser humano se entende como o centro de tudo e os demais seres têm valor apenas na medida em que se adaptam aos usos por parte do ser humano. Essa compreensão é muito prejudicial para o equilíbrio da Terra porque não reconhece o valor intrínseco de cada ser, independentemente do uso humano. O que leva à falta de respeito em relação ao outro.
 
Com consequências preocupantes...
Se não se consegue modificar esse paradigma, podemos ser condenados a repetir o destino já conhecido dos dinossauros, que logo após viver 133 milhões de anos sobre a Terra, desapareceram rapidamente em razão de uma catástrofe ecológica. É preciso produzir para dar resposta às necessidades humanas, mas respeitando os ritmos da natureza e tendo em conta a capacidade de tolerância de cada ecossistema, para que não seja irreversivelmente prejudicado. O consumo deve estar regulado por uma sobriedade compartilhada: podemos ser mais com menos.
 
Voltando à pergunta sobre as consequências dessa visão. Como explicamos na introdução da Carta da Terra, estamos diante de um momento crítico na história planetária, em uma época na qual a humanidade precisa escolher seu futuro... A escolha de fundo: se promove uma aliança global para cuidar da Terra – e para cuidar dos seres humanos uns aos outros – ou corremos o risco de uma dupla destruição. A nossa e a da diversidade da vida. Desta vez, não haverá Arca de Noé. Ou nos salvamos todos ou todos teremos o mesmo e trágico destino.
 
Apesar dessa situação difícil, percebe-se todo um concerto de respostas políticas. Incluindo aí governos progressistas, democráticos, na América Latina, que tratam de promover outro tipo de distribuição da riqueza. Sem se esquecer de que na Europa surge um novo fenômeno de forças políticas, como o Syriza na Grécia ou o Podemos na Espanha, com visões críticas em relação aos paradigmas dominantes...
Dos países latino-americanos, Bolívia e Equador estão na ponta do novo paradigma que consiste em dar centralidade à vida e a entender todos os seres, inclusive os humanos, como interdependentes e, por isso, solidários no mesmo destino. Elos inauguraram, pela primeira vez na história, o constitucionalismo ecológico. Isto é, incluíram em suas constituições a articulação entre o contrato social e o contrato natural. A Terra e a natureza são sujeitos de direitos. Por isso, devem ser respeitados. A categoria central da cultura andina, o “bom viver”, implica uma relação de inclusão de todos, um equilíbrio com todos os elementos e uma relação respeitosa em relação à Terra, denominada Pacha Mama ou Mãe Terra. Princípios incluídos, insisto, em suas constituições. Outros países não desenvolveram uma consciência ecológica semelhante, ainda que tenham promovido uma “ecologia social” que coloca os pobres e marginalizados como primeiros destinatários das políticas públicas do Estado. É o caso do Brasil, sob o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) de Lula e Dilma Rousseff, que integrou a cidadania e tirou da miséria extrema mais de 40 milhões de pessoas, quase a mesma quantidade que todos os habitantes da Argentina.
 
É fundamental desenvolver a consciência de que, assim como estão as coisas, já não se pode continuar. É preciso mudar. As desigualdades são escandalosas, especialmente nos EUA, em que 1% da população possui o mesmo que os outros 99%. As democracias são de baixa intensidade e poucos se sentem representados pelo Parlamento ou pelos governos. A emergência dos occuppies nos EUA; dos indignados na Espanha – agora transformados no momento político podemos – e a vitória do Syriza na Grécia são os primeiros sinais de que outra democracia é possível e outra forma de relações econômicas entre os países é urgente. Para que não se imponha uma visão perversa e dominante dos capitais especulativos, cujo objetivo cruel é acumular sem medidas às custas da miséria da grande maioria da população de um país.

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Muitos desses novos atores políticos latino-americanos e europeus têm raízes em uma visão antiglobalização/indignação muito próxima à promovida desde 2001 pelo Fórum Social Mundial...
A insatisfação generalizada quanto ao sistema vigente tem suas raízes na “vitória” do capitalismo sobre o socialismo real com a derrota da URSS. Como consequência, tanto com Ronald Reagan como com Margaret Thatcher, a lógica do capital ganhou um impulso nunca antes visto, bem como a cultura da exaltação do invidíduo, da propriedade privada, da riqueza, da competição desenfreada e do Estado mínimo.
 
A política foi difamada como um antro de corrupção, e o Estado como ineficiente. Essa estratégia de difamação buscava entregar tudo às grandes corporações privadas, que iam organizar o mundo em nível global. Os valores que o socialismo havia desenvolvido, como o internacionalismo, a solidariedade entre os povos, a centralidade do social sobre o individual, foram desmoralizados e abandonados. Impôs-se o conceito de que “o lucro é bom”. A globalização hegemonizada por essa visão prometia tempos de paz, de segurança para todos e de bem-estar coletivo. Nada disso aconteceu porque isso não está na agenda do capital, cuja lógica é crescer de forma ilimitada e deslegitimar tudo o que impede essa tendência. Ao predominar essa visão altamente excludente e desumana, começou a dominar a frustração e a depressão pessoal e coletiva. Lentamente, as pessoas foram-se dando conta da perversidade do gênio capitalista, que não se preocupa com o ser humano, mas somente com sua capacidade de produção e consumo. Para ele, não importa nada que não seja a acumulação privada, mesmo que isso produza pobreza social e devastação da natureza.
 
Dentro dessa lógica, destruíram-se as condições para realizar as promessas de paz, segurança e bem-estar coletivo. Pelo contrário: foi-se prejudicando a sociedade com a destruição lenta, mas intencional do Estado social. A frustração e a decepção mais ou menos coletivas deram origem à resignação ou aos protestos e à rebeldia. Essa rebeldia que está predominando criou uma caixa de ressonância com os Fóruns Sociais Mundiais, cujo lema ressalta: “Outro mundo é possível, outro mundo é necessário”.
 
Volto à pergunta anterior... Nesse cenário quase apocalíptico, qual é o papel do Fórum Social Mundial?
Representa o inverso do sistema globalizado. Já não se trata de resignação, mas de ação contrária e de uma mostra da insatisfação de grande parte da humanidade diante do curso atual do mundo. Assim não se pode continuar. Temos que projetar novos sonhos e utopias, e articular alternativas viáveis se quisermos sobreviver como civilização e como espécie. O sistema e a cultura do capital são homicidas, “biocidas”, “ecocicas” e genocidas. Deixado em liberdade, esse sistema hegemônico pode levar a humanidade inteira ao abismo. O Fórum Social Mundial interpreta a atual situação não como uma tragédia anunciada, mas como uma crise generalizada do nosso modo de viver, de tratar a Terra e de nos relacionar com os demais humanos. Essa crise purifica e nos faz amadurecer. Por isso, o Fórum é um lugar de esperança que permite fazer crescer o sentimento de pertencimento. Os altermundistas não estão apenas sonhando, mas indicam que, por todas as partes do mundo, está-se reagindo e ensaiando novas formas de viver, de produzir, de distribuir e de consumir. Os que participam do FSM não vão tanto para escutar palestras de celebridades mundiais, mas para trocar experiências e ver como as coisas podem ser feitas de outra forma, diferente da maneira perversa imposta pelo capitalismo. Por mais dificuldades que possa haver, os fóruns têm esse grande significado de resistência, de proposição de alternativas e de esperança. À beira do abismo, vamos criar asas e voar rumo a um mundo diferente, no qual será menos difícil viver humanamente e mais fácil de amar-nos uns aos outros.
 
Recriando o conceito de solidariedade humana e internacional...
A solidariedade pertence à essência do ser humano. E estou convencido de que somente a solidariedade mundial, acompanhada da compaixão e da percepção de que todos temos um destino comum, como irmãos e irmãs que somos, pode nos salvar. A vida vale mais do que o lucro e o amor, mais do que a cobiça. A solidariedade, mais do que o individualismo.

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