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Brasil é ameaçado pelos 'bala perdida' na guerra comercial sino-americana

Para o professor de Relações Internacionais da Uerj Maurício Santoro, "um interesse real chinês em estabelecer boas relações e cooperação com Bolsonaro", apesar do alinhamento incondicional do governo com os Estados Unidos; mas a paciência, embora longa, não é inesgotável

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Sputnik Brasil - "A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil." A frase, repetida por Bolsonaro, não causava maiores dissabores quando o presidente ainda era deputado. Mas desde que foi eleito, Jair Bolsonaro fez levantar sobrancelhas e tem estimulado cautela entre empresários do país que mais investe e que mais importa do Brasil.

Motivos para cautela chinesa não faltam. Ainda em fevereiro do ano passado, Bolsonaro se tornou o primeiro pré-candidato brasileiro a visitar Taiwan desde que o país reconheceu a autoridade de Pequim sobre todo o território chinês, na esteira da política de "Uma Só China" dos anos 70. Posteriormente, fez declarações duras quanto à privatização da Petrobras para chineses, dizendo que "passar uma estatal brasileira para uma estatal chinesa é atestado de incompetência".

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Desde a eleição, o discurso pró-EUA em detrimento da China tem apontado sinais mais pragmáticos. Os números se impõem na balança: desde 2009, os chineses saltaram para a 1ª posição na participação de importações com o país, importando minério de ferro e soja aos montes e despejando um estoque de US$ 55 bilhões em investimentos diretos na cadeia produtiva brasileira (para efeito de comparação, até 2008 este valor era de US$ 1 bilhão).

Professor do curso de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio Janeiro, Maurício Santoro, voltou recentemente de uma viagem a Pequim e outras cidades da província de Guangdong. Convidado pela embaixada, foi conhecer oportunidades de negócio e cooperação bilateral entre Brasil e China. Voltou com um entendimento maior do que o governo e o empresariado chineses esperam de autoridades brasileiras neste novo momento político pelo qual atravessa o país.

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Para Maurício, há "um interesse real chinês em estabelecer boas relações e cooperação com Bolsonaro". Mas a paciência, embora longa, não é inesgotável. Em recentes editoriais, People's Daily e Global Times — dois periódicos conhecidos por propagar a voz do Partido Comunista quanto a temas da política externa chinesa — recomendaram cautela a Bolsonaro ao avaliar o risco de se tornar um "Trump Tropical", em referência à política de enfrentamento do presidente americano em relação a Pequim. Paralelamente, diplomatas chineses faziam visitas regulares ao ministro da Economia, Paulo Guedes, na tentativa de acalmar os ânimos e conservar a montanha de dinheiro investida por aqui.

"Ao mesmo tempo que acenam com incentivos, os chineses sinalizam a possibilidade de retaliação. É uma mão dizendo 'vem pra cá, vamos fazer negócio, vamos conversar' e a outra chamando a atenção, dizendo 'se você não quiser cooperar, a gente está pronto para o enfrentamento, e isso vai trazer custos para você'", avalia Maurício Santoro, para quem a estratégia pode ser entendida como complementar, não conflitante.

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A análise segue o mesmo tom do ministro conselheiro de Comércio da Embaixada da China no Brasil, Qu Yuhui. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, Qu diz que a China tem "grande respeito pela política externa brasileira, que é consistente e tem uma tradição pela independência, pela autonomia, pela diversificação de suas parcerias e respeito aos outros países". Ele alerta, porém, que a China também demanda deferência.

"Como são grandes países, os pensadores nem sempre vão pensar da mesma forma, mas se conseguimos respeitar um ao outro no regime político e no nosso modelo de desenvolvimento, seria um passo inicial importante para que nossa parceria não seja prejudicada", avalia.

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Empresários esperam apreensivos o desenrolar de parcerias

Qu Yuhui diz ainda que parte do seu trabalho se resume não só à tratativa com autoridades brasileiras, mas também ao convencimento do empresário chinês a investir no Brasil. O ministro conta que, às vezes, é preciso coragem ao decidir investir no país.

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"O nosso distanciamento é geográfico e cultural, o que, às vezes, atrapalha muito essa aproximação. Existem preocupações em relação a como os dois lados podem superar barreiras linguísticas, culturais, até formas de conduzir os negócios. Muitas vezes, a forma de se portar nas negociações pode complicar", conta.

E se não bastam as barreiras burocráticas e as dificuldades próprias de países em extremos opostos do globo, declarações do governo tornam empresários chineses mais reticentes em iniciar atividades em terras tupiniquins.
Tyler Li é presidente da BDY Brasil, empresa chinesa especialista em geração de energia sustentável e com expertise na produção de painéis solares e carros movidos a eletricidade. Em 2013, ele liderou a iniciativa da empresa de se expandir para o Brasil, mudando-se da tecnológica Shenzen para Campinas, no interior de São Paulo.

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A decisão partiu da análise da empresa em identificar no Brasil o segundo maior mercado de painéis fotovoltaicos no mundo (atrás apenas da própria China). Cinco anos depois, já são R$ 200 milhões investidos por aqui, incluindo duas fábricas (uma em Campinas e outra em Manaus, com planos para abrir uma terceira), 305 empregos diretos para brasileiros e parcerias de pesquisa na casa dos R$ 5 milhões com a Unicamp até 2020 (a empresa já conversa também com a Universidade Federal de Santa Catarina para desenvolver parceria semelhante com os alunos).

Li acompanhou com certa apreensão o discurso belicoso do candidato Bolsonaro. Embora veja melhoras desde a posse, o chinês tem apostado na cautela.

"Isso [a eleição de Bolsonaro] afetou mais as empresas chinesas que vêm ao Brasil comprar concessões, como aquelas interessadas em estações de energia ou geração de eletricidade. Nós estamos no mercado privado, ajudando a desenvolver uma tecnologia no Brasil, gerando empregos em uma área com grande potencial de desenvolvimento nos próximos 10 anos", avalia o executivo.

Li diz não acreditar em retaliações tarifárias por Bolsonaro a empresas chinesas seguindo o exemplo de Donald Trump. Para ele, a economia brasileira não tem a mesma força da americana e, portanto, não suportaria o impacto de medidas do tipo no curto e médio prazo. Por enquanto, ele segue o desenvolvimento das tratativas em Brasília.

"Quando Bolsonaro fez declarações contra a China, isso despertou preocupações, mas acredito que a equipe de comércio da nossa embaixada está desenvolvendo boas relações com o governo e que, após alguns meses, a relação vem melhorando", avalia.
É uma postura semelhante ao do vice-presidente mundial da GREE, Xie Dong Bo, que em novembro já tinha se manifestado em entrevista à Sputnik Brasil na sede da empresa em Zhuhai. Maior fabricante de ar-condicionado do mundo, a GREE ainda tem participação tímida no mercado doméstico brasileiro, mas já começa a fincar os pés na aclimatação de grandes obras, como foi o caso do Maracanã. "Nem a China nem ninguém poderá comprar o Brasil", declarou Xie.

Admitindo estar ciente das declarações de Bolsonaro sobre os investimentos chineses, Xie assumiu não "entender muito bem" o presidente, mas se diz confiante de que a participação da China no mercado brasileiro depende "menos de governo e mais de consumidores".

Guerra comercial entre EUA e China deixa Brasil "entre a cruz e a espada"

Não bastasse a já delicada relação entre o bolsonarismo e a China, um novo desafio se desenha no horizonte. Com a guerra comercial entre Pequim e Washington se encaminhando para um acordo, os chineses já sinalizaram a possibilidade de aumentar substancialmente a compra de soja americana em troca do levantamento de tarifas impostas por Trump a produtos chineses. A possibilidade de acordo chegou inclusive a ser aventada pelo presidente americano recentemente, durante o tradicional discurso do Estado da União realizado anualmente no Congresso dos EUA.

Seria um mau negócio para o Brasil: 23% de todo o volume de exportações brasileiras à China estão na soja e grãos derivados (vide infográfico). Navegar sobre águas tão turbulentas demandará um esforço diplomático que, para Maurício Santoro, atualmente não está em andamento. "Perderemos o acesso a um mercado que vinha crescendo nos últimos anos", admite o professor.

"Vamos precisar de uma diplomacia muito dinâmica e eficaz para tentar impedir que, diante destes acordos, o Brasil saia perdendo. Estamos entre a cruz e a espada, e neste momento, como o Itamaraty está muito instável, com um chanceler [Ernesto Araújo] dizendo coisas que muitas vezes as pessoas têm dificuldade de compreender, essa diplomacia eficaz fica perdida. Então é provável que entre estes tiros de bala perdida na guerra comercial sino-americana o Brasil saia perdendo", diz Santoro.

O professor pontua, porém, que mesmo com ganhos no curto prazo, em termos de estabilidade econômica internacional, também é de interesse do Brasil que estes dois gigantes do comércio internacional cheguem a um entendimento. A questão é saber qual dos grupos que disputam a influência externa dentro do governo Bolsonaro terá mais voz: os pragmáticos, os liberais ou os chamados "antiglobalistas".

"O que posso adiantar é que os antiglobalistas vão ganhar algumas batalhas, mas não todas. Especialmente no que diz respeito à China, a importância chinesa para o comércio exterior brasileiro é tão grande que em vários momentos o pragmatismo vai prevalecer", projeta.

Qu Yuhui faz votos de que o professor esteja certo. "A realidade vale mais que mil palavras. Pode haver ruídos, mas são transitórios e não atrapalham a essência da cooperação. O importante é respeitar as diferenças e construir parcerias para evitar ataques irresponsáveis, levianos e ignorantes. É a minha opinião pessoal", finaliza o ministro.

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