Folha volta a distorcer realidade da Argentina ao falar em “fuga de empresas” do país; conheça a situação real
Folha produziu uma matéria com cheiro de fake news sobre a suposta "fuga" de empresas estrangeiras da Argentina. A reportagem tem informações sem fundamento e enviesadas e é recheada de ataques ao governo de Alberto Fernández
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Rogério Tomaz Jr., especial para o 247, de Mendonza - Em reportagem publicada na quarta-feira (16), a Folha de São Paulo voltou a distorcer a realidade argentina para produzir uma nova “fake news” sob medida ao gosto da extrema-direita local e global que tem atacado o governo de Alberto Fernández.
Semana passada, a falta de iogurte natural e arroz integral em dois mercados de um bairro nobre de Buenos Aires foi tratada como “sumiço de produtos”, o que gerou uma onda de especulação – apenas no Brasil – a respeito de um possível desabastecimento alimentício. Desmentimos aqui a farsa, inclusive com entrevista de um economista e professor de uma das mais importantes universidades do país vizinho.
Agora, movimentações normais do mercado – fusões, aquisições, suspensão de atividades por conta da pandemia do coronavírus e operações corriqueiras do capitalismo – foram transformadas pelo jornal da família Frias na matéria “Argentina vê fuga de empresas estrangeiras por causa de insegurança com cenário econômico”.
Assim como a matéria que insinuou o desabastecimento, as reações a essa nova investida da Folha indicam que os leitores acreditam que está ocorrendo uma catástrofe na Argentina causada pelo peronismo – que, na verdade, recuperou o país após a tragédia de Menen e De la Rúa e deve fazer o mesmo nos próximos anos, após o fracasso da gestão de Maurício Macri, tão blindada pela mídia brasileira.
A reportagem da Folha menciona 13 empresas e até cita de passagem o impacto econômico da pandemia do coronavírus, mas mente em pelo menos dois casos e esconde o contexto dos demais.
Alvo é o governo peronista
O texto traz ainda cinco menções críticas ao atual governo e nenhuma referência ao desastre causado pela “CEOcracia” de Macri, que nomeou no início da sua gestão, em dezembro de 2015, nada menos que 114 executivos de grandes empresas do mercado e de escritórios de advocacia ligados a estas empresas.
O resultado do “governo dos CEOs” – aplaudido por toda a imprensa brasileira desde os seus primeiros dias – foi a destruição total da economia nacional em apenas dois anos. No terceiro ano do mandato, o ex-presidente do Boca Juniors foi de pires na mão ao FMI e tomou um empréstimo de US$ 56 bilhões, o maior da história da Argentina e, naquele momento, superior às reservas totais do país no exterior.
Tampouco há qualquer informação na Folha sobre os inúmeros sinais de recuperação econômica do país, que merecem uma matéria à parte. Para o jornal dos Frias, parece que as únicas pautas que valem sobre a Argentina são aquelas que pintam uma nau afundando e sendo abandonada por quem pode se salvar.
Este jornalista analisou com lupa o caso de nove das treze empresas listadas na matéria. Segue abaixo a real situação de cada uma delas com as respectivas fontes de informação.
1. GLOVO (delivery online): a empresa vendeu toda as suas operações na América Latina para a concorrência, especialmente para a “Pedidos Ya”, que assumiu o serviço na Argentina, Peru, Equador, Panamá, Costa Rica, Honduras, Guatemala e República Dominicana. A Glovo já havia saído do Brasil em maio de 2019 e do Chile um mês antes.
2. LATAM (aviação): a empresa está falida e pediu recuperação judicial nos EUA e no Brasil. Vale lembrar que a chilena LAN era uma estatal que foi sucateada no final da ditadura Pinochet para então ser privatizada em 1989. O Estado chileno, já na democracia, financiou a recuperação da empresa, que acabou comprando a brasileira TAM e criando a LATAM. Ou seja, os neoliberais conseguiram quebrar duas vezes a mesma empresa em 30 anos, que era um monopólio no Chile e enfrentava baixíssima concorrência no Brasil.
3. WALMART (atacadista): A Folha mentiu. A empresa não vai deixar o país. Já em julho, o porta-voz da companhia havia desmentido boatos sobre isso. “Contrariamente às versões que circularam, Walmart não está de saída da Argentina: o objetivo é encontrar um sócio para potencializar o negócio”, esclareceu Juan Pablo Quiroga. Nesta quinta-feira (17), possivelmente devido à repercussão da matéria da Folha, o grupo voltou a desmentir a saída do país.
4. QATAR AIRWAYS (aviação): reportagem da BBC de maio passado informa que a empresa decidiu cortar 20% de todos os seus quase 50 mil funcionários por conta da pandemia do coronavírus. Não fazia qualquer sentido manter a operação num país onde existia apenas uma linha (Buenos Aires – Doha + conexões).
5. EMIRATES (aviação): a Folha forçou a barra, para não dizer que faltou com a verdade. A companhia anunciou a suspensão por tempo indeterminado e disse que pretende voltar a operar no país assim que a situação do coronavírus se estabilizar.
6. AIR NEW ZEALAND (aviação): A companhia tinha um único voo no país, que era também o único voo direto de Auckland para a América do Sul (Auckland – Buenos Aires). O diretor de Estratégia (Nick Judd) ressaltou em abril que a demanda por voos internacionais naquele momento havia caído para 5% do momento anterior à pandemia.
7. NORWEGIAN AIR (aviação): A companhia low cost passa por dificuldades há vários anos e anunciou em abril o fechamento de quatro subsidiárias na Suécia e Dinamarca. A operação na Argentina era vista com otimismo, mas a pandemia interrompeu as expectativas. Além disso, a empresa informou em abril que não deve mais ter voos internacionais em 2020.
8. NIKE (artigos esportivos): Na realidade, a Nike vendeu suas operações no Chile, Uruguai e Brasil e desde o ano passado havia anunciado a redução de produção na Argentina. Não houve qualquer “fuga” do país de Perón.
9. PIERRE FABRE (cosméticos): A empresa francesa vendeu a sua fábrica para o grupo argentino Sidus, que vai incorporar todos os 75 funcionários. Ou seja, existem grupos locais fortes operando normalmente e se expandindo. A Pierre Fabre vai continuar vendendo para o país através da fábrica que possui no Brasil.
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Jornalista brasileiro residindo em Mendoza, onde faz mestrado em Estudos Latinoamericanos na Universidade Nacional de Cuyo e escreve o livro “Conversando com Eduardo, viajando com Galeano”, a ser publicado em 2021.
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