Há 15 anos, Putin alertava para escalada de conflitos internacionais em discurso em Munique
Expansão da OTAN, mundo unipolar, entre outros temas. Veja os temas abordados por Putin na Conferência de Segurança de Munique de 2007
TASS - Quinze anos atrás, em 10 de fevereiro de 2007, o presidente russo, Vladimir Putin, dirigiu-se à Conferência de Segurança de Munique com um discurso que foi instantaneamente interpretado como o manifesto mais duro de todos os tempos desde a era da Guerra Fria, mas o próprio Putin não acredita que tenha ido muito longe naquele momento em qualquer aspecto.
A expansão da OTAN, um mundo unipolar, problemas de desarmamento, a erosão da OSCE como instituição, o problema nuclear iraniano e a segurança energética da Europa — o portal TASS resumiu as advertências e profecias de Putin em seu discurso em Munique que se tornaram realidade simplesmente porque ninguém deu ouvidos para elsa.
Expansão da OTAN para o leste fomenta tensão
Discurso de Putin em Munique: "A expansão da OTAN não tem qualquer relação com a modernização da própria Aliança, nem com a garantia de segurança na Europa. Pelo contrário, representa uma séria provocação que reduz o nível de confiança mútua."
Desde então, quatro outros países - Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte - foram admitidos na OTAN. Além disso, em 2008, um ano após o discurso de Putin em Munique, foi adotada uma declaração política dizendo que, com o tempo, a Ucrânia e a Geórgia também poderiam ingressar na OTAN. Os acontecimentos que se seguiram apenas confirmaram que esta política estava carregada de provocações e iria rebaixar iminentemente o nível de segurança na Europa. Naquele mesmo ano, 2008, o então presidente georgiano Mikhail Saakashvili sentiu-se encorajado a lançar uma aventura militar na Ossétia do Sul, que causou pesadas baixas e arruinou qualquer chance de Tbilisi conseguir restaurar o país dentro das fronteiras da antiga República Socialista Soviética da Geórgia.
As ambições do bloco do Atlântico Norte, dominado pelos EUA, de ter a Ucrânia como seu novo membro desempenharam um papel nos eventos de 2014 sobre a Crimeia. Putin disse então que a Rússia não apenas protegeu os criminosos dos extremistas ucranianos e nacionalistas radicais, mas também achou impossível permitir que "as forças da OTAN pisassem o solo da Crimeia e Sebastopol, uma terra de glória de combate de soldados e marinheiros russos".
O risco da admissão da Ucrânia na OTAN, que pode acarretar uma ameaça militar direta ao território da Rússia, é culpado pelas atuais tensões na política externa. Isso é precisamente o que Putin alertou há cerca de 15 anos atrás.
Democracia por imposição não vai funcionar
Putin enfatizou em seu discurso de Munique: "[A observância dos direitos humanos] é uma tarefa importante. Nós apoiamos isso. Mas isso não significa interferir nos assuntos internos de outros países e, principalmente, não impor um regime que determine como esses estados devem agir. É óbvio que tal interferência não promove em nada o desenvolvimento dos Estados democráticos. Pelo contrário, torna-os dependentes e, consequentemente, política e economicamente instáveis."
Nos últimos 15 anos, percebeu-se alguns exemplos de tentativas desestabilizadoras de ditar "normas democráticas", como a cadeia de revoluções da "Primavera Árabe" na Tunísia, Egito e Iêmen e guerras civis na Líbia e na Síria. Tal interferência estrangeira, que Putin descreveu como inadmissível, causou dezenas de milhares de baixas, a perda real de soberania de alguns países e o surgimento do Estado Islâmico (organização terrorista, proibida na Rússia). Enquanto isso, a Rússia ajudou a salvar a Síria do colapso e vem promovendo um acordo de paz na Líbia e em outros países afetados, mas ao fazê-lo não tenta ditar nenhuma regra.
Na lista das vítimas da pseudo-democratização forçada, caberia mencionar a Ucrânia. O golpe do governo em Kiev foi encenado por autodenominados radicais, desfrutando de forte apoio diplomático e político do Ocidente. A mudança radical de governo na Ucrânia resultou no rompimento total das relações entre Moscou e Kiev, a perda da Crimeia pela Ucrânia e as hostilidades no Donbass. Assim como Putin advertiu, a democracia genuína nunca amadurece sob tais condições.
Uma corrida armamentista se seguirá
Putin declarou em seu histórico discurso em Munique: "Ninguém pode sentir que o direito internacional é como um muro de pedra que irá protegê-los. É claro que tal política estimula uma corrida armamentista... O perigo potencial da desestabilização das relações internacionais está conectado com a estagnação na questão do desarmamento".
Os temores de Putin em relação a outra corrida armamentista se materializaram apenas até certo ponto. A Rússia tomou a decisão de não participar de uma maratona de longo prazo para dar o salto final imediatamente. É verdade que a Rússia aumentou a participação de equipamentos militares modernos em suas forças armadas em até 71% (em 2010, a taxa era tão baixa quanto 15%), mas, como disse Putin, Moscou é incapaz de competir com os gastos militares de Washington e não vê nenhuma razão para que deveria. Em vez disso, a ênfase foi colocada em pesquisa e desenvolvimento que tornam qualquer sistema multibilionário de defesa antimísseis sem sentido. Em sua mensagem à Assembleia Federal em 2018, Putin mencionou pela primeira vez as mais novas armas hipersônicas da Rússia, incluindo os sistemas de mísseis Sarmat e os mísseis de cruzeiro movidos a energia nuclear Avangard e o míssil balístico Kinzhal lançado do ar. Um ano depois, ele descreveu algumas características do míssil hipersônico terrestre e marítimo de Tsirkon. A Rússia não está parando aqui, porém, e como Putin disse, continua trabalhando em tecnologias para combater as armas hipersônicas desenvolvidas por seus adversários.
"Ninguém se preocupou em nos ouvir na época. Ouça-nos agora", disse Putin na mensagem de 2018, 11 anos após a conferência de Munique.
Problema nuclear iraniano não resolvido
Putin observou em seu histórico discurso em Munique: "Se a comunidade internacional não encontrar uma solução razoável para resolver esse conflito de interesses, o mundo continuará sofrendo crises semelhantes e desestabilizadoras... Vamos lutar constantemente contra a ameaça da proliferação de armas de destruição em massa."
A questão do programa nuclear iraniano continua suspensa. Em 2015, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha assinaram o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) para permitir que Teerã conduzisse atividades nucleares pacíficas em várias condições. No entanto, em 2018, os Estados Unidos sob o governo Trump abandonaram unilateralmente o JCPOA.
Quando Joe Biden assumiu, Washington expressou a disposição de retomar o cumprimento de suas obrigações sob o acordo. As consultas relevantes começaram e espera-se que as negociações para restaurar o JCPOA à sua forma original e o retorno de Washington a esse acordo multilateral sejam concluídas em fevereiro de 2022.
Contratos de longo prazo e segurança energética
Putin declarou em seu discurso em Munique: "E agora sobre se nosso gabinete de governo é capaz de operar com responsabilidade na resolução de questões relacionadas ao fornecimento de energia e garantia de segurança energética. Claro que pode! Além disso, tudo o que fizemos e estamos fazendo é projetado para atingir apenas um objetivo, ou seja, transferir nossas relações com consumidores e países que transportam nossa energia para princípios transparentes, baseados no mercado e contratos de longo prazo."
Nos últimos 15 anos, a Rússia diversificou a exportação de gás para a Europa com o comissionamento dos gasodutos Nord Stream e TurkStream.
A Rússia continua a ser um fornecedor confiável de gás para clientes na Europa, apesar dos problemas de trânsito de gás com a Ucrânia, do agravamento geral das relações com Kiev e das sanções impostas à Rússia após a reunificação da Crimeia.
Em meio ao crescimento recorde dos preços do gás no mercado europeu em 2021, os países que têm contratos de longo prazo com a Rússia vêm obtendo esse combustível a preços bem abaixo dos atuais. Putin disse que o comissionamento do Nord Stream 2 reduziria ainda mais os preços do gás na Europa, mas o lançamento real deste projeto encontrou obstáculos politicamente motivados.
Queda do mundo unipolar
Putin disse em seu discurso em Munique: "Considero que o modelo unipolar não é apenas inaceitável, mas também impossível no mundo de hoje. O modelo em si é falho porque em sua base não há e não pode haver fundamentos morais para a civilização moderna. Não há razão para duvidar que o potencial econômico dos novos centros de crescimento econômico global será inevitavelmente convertido em influência política e fortalecerá a multipolaridade”.
Em Munique, Putin enfatizou a crescente influência econômica e política da China e da Índia. Ainda hoje, esses países insistem na importância de criar um sistema multipolar justo de relações internacionais.
A ideia do presidente russo de que um mundo unipolar é impossível continuou a ser apoiada por dados econômicos nos últimos anos. Por exemplo, o PIB da China cresceu cinco vezes (a estimativa para 2021 é de cerca de US$ 18 trilhões) e, embora esse valor ainda seja inferior ao dos Estados Unidos, a diferença foi substancialmente reduzida em comparação com 2007. Ao mesmo tempo, de acordo com especialistas internacionais, a China pode ultrapassar os Estados Unidos no tamanho de seu produto interno bruto (PIB) por volta de 2033.
O cenário político e econômico também mudou significativamente, no qual um papel especial agora pertence ao G20 - uma associação o mais afastada possível do princípio da unipolaridade. A primeira reunião dos líderes do G20 foi realizada em 2008. E se no início o formato era considerado opcional em relação ao G7, agora é a principal plataforma política e econômica internacional para a resolução de muitas questões globais.
A estrutura do BRICS, que inclui grandes economias mundiais, como China e Índia, além da Rússia, se fortaleceu ao longo desses anos. As discussões sobre a necessidade de reformar o FMI, a OMC, o Conselho de Segurança da ONU e outras instituições internacionais para refletir o atual equilíbrio de poder no cenário mundial se intensificaram.
De amigos a inimigos
Putin disse em seu discurso em Munique: "Ele (o presidente dos EUA, George W. Bush) diz: ‘Eu parto do fato de que a Rússia e os EUA nunca mais serão oponentes e inimigos’. Eu concordo com ele".
Essa previsão de Bush-Putin, infelizmente, agora parece excessivamente otimista. Uma década depois, em 2017, os EUA nomearam oficialmente a Rússia como adversária ao aprovar o famoso CAATSA (Counting America's Adversaries by Sanctions Act). Esse documento concretizou as medidas restritivas contra Rússia, Irã e Coreia do Norte, anteriormente adotadas pelas autoridades norte-americanas, e impôs sanções adicionais. E essas não foram as últimas sanções.
É claro que ninguém está falando sobre um conflito militar, mas a possível expansão da OTAN para o leste também inclui essas ameaças. Como Putin apontou, se a Ucrânia fosse aceita na aliança e Kiev atacasse a Crimeia da Rússia, surgiria um confronto militar entre a Rússia e a OTAN e, portanto, também os Estados Unidos. Para evitar tais perspectivas, a Rússia apresentou iniciativas para retificar o status legal das garantias de segurança pan-europeias.
Outro mundo
Putin disse em seu discurso em Munique: "A Rússia é um país com uma história que se estende por mais de mil anos e praticamente sempre usou o privilégio de realizar uma política externa independente".
Quinze anos se passaram. Não há mais G8, não há cúpulas regulares entre Rússia e União Europeia, não há ilusões e não há confiança mútua. Existem apenas numerosas sanções. Mas a política externa independente da Rússia permaneceu constante.
A próxima Conferência de Segurança de Munique começa em 18 de fevereiro, mas Putin não estará lá. Tudo foi dito há 15 anos.
