Leão XIV ganha biografia que ressalta moderação e firmeza contra grupos ultraconservadores
Livro revela bastidores do pontífice e destaca sua atuação decisiva em crises internas da Igreja Católica
247 - A nova biografia de Leão XIV chega ao público com a proposta de apresentar o pontífice como um líder sereno, diplomático e afável, mas capaz de agir com firmeza diante do avanço de correntes ultraconservadoras dentro da Igreja. A obra também descreve episódios marcantes da trajetória do papa nos conflitos políticos e religiosos vividos no Peru.
O livro, lançado inicialmente em espanhol, é assinado pela vaticanista americana Elise Ann Allen, do portal Crux, que também colheu uma longa entrevista com o pontífice. Segundo a Folha de S.Paulo, a biografia recebeu o título “León XIV: Ciudadano del Mundo, Misionero del Siglo 21”, refletindo a formação internacional do norte-americano Robert Prevost, que construiu grande parte de sua carreira como missionário agostiniano em regiões carentes do Peru.
A escolha do espanhol como idioma inicial reforça o vínculo do papa com o país andino, onde serviu por décadas em cidades como Trujillo e Chiclayo. Durante o conclave que o elegeu, Prevost chegou a ser descrito como “o americano menos americano” entre os cardeais — percepção reforçada na entrevista final do livro, na qual, ao ser questionado sobre uma hipotética partida de Copa do Mundo, afirmou que “provavelmente” torceria pelo Peru contra os Estados Unidos.
A biografia reconstrói a trajetória pessoal e religiosa do pontífice desde os anos 1980, com ênfase em sua atuação no Peru, período repleto de desafios, como o terrorismo do Sendero Luminoso e a ditadura de Alberto Fujimori. Allen descreve Prevost como um líder moderado, conciliador e atento à realidade social, postura que se evidencia tanto em sua admiração por Gustavo Gutiérrez, referência da Teologia da Libertação, quanto em sua firme oposição a abusos e radicalismos.
Em entrevista à autora, Leão XIV afirmou: "Na perspectiva de Gustavo Gutiérrez, a Teologia da Libertação significa começar a ver as coisas através dos olhos dos pobres e com os pobres, para entender como Deus está em nós e entre nós. Não significa necessariamente que você esteja promovendo a ideologia marxista, ainda que muitos a tenham rotulado dessa maneira. Nesse sentido, creio que há muitos estilos dentro dessa grande escola da Teologia da Libertação".
A obra aborda ainda o papel de Prevost diante dos escândalos envolvendo o Sodalício de Vida Cristã (SCV), grupo de orientação conservadora denunciado por abusos físicos, psicológicos e sexuais. O jornalista Pedro Salinas, coautor do livro que revelou os crimes da organização, relata que o então bispo apoiou as vítimas e foi fundamental para o avanço das investigações. “Ele veste a camisa das vítimas”, declarou.
Allen aponta que a influência de Prevost também ajudou a reduzir a força de movimentos conservadores como a Opus Dei no clero peruano, incentivando maior participação dos fiéis em decisões paroquiais. Em 2020, ele foi nomeado administrador temporário da diocese de Callao, após denúncias contra o bispo José Luis Pérez-Medel, ligado ao Caminho Neocatecumenal, que teria tentado impor práticas litúrgicas à comunidade e até recorrido a pistoleiros para intimidar fiéis. Coube a Prevost pacificar a região — episódio que, segundo a biografia, contribuiu para sua posterior nomeação como cardeal.
No encerramento do livro, o papa comenta o cenário político e social de seu país de origem e reafirma a defesa dos imigrantes, um dos pilares do pontificado de Francisco. “Há coisas preocupantes acontecendo nos Estados Unidos”, afirmou. De perfil diplomático, ele reforça que a missão essencial da Igreja é sustentar valores fundamentais. "Não acho que meu papel principal seja o de tentar ser o solucionador dos problemas do mundo. É preciso voltar às coisas mais básicas, como nos respeitarmos uns aos outros, respeitar a dignidade humana. De onde vem essa dignidade humana e como podemos usar isso como forma de dizer que o mundo pode ser um lugar melhor?".
A biografia apresenta, assim, um panorama amplo da trajetória de Leão XIV, marcado pela defesa das vítimas de abusos, pela moderação diante de crises e pela disposição de enfrentar grupos extremistas para preservar a unidade da Igreja Católica.



