Lula decidirá futuro de espião russo disputado por Rússia e EUA
Caso de Sergey Cherkasov envolve pressões diplomáticas, investigações no Brasil e disputa entre potências pela extradição
247 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o responsável por definir o futuro do espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov, preso no Brasil desde o fim de 2022. A situação do agente, que cumpre pena até 2027 em um presídio federal de segurança máxima, voltou ao centro do debate após avanços na análise do pedido de extradição apresentado pela Rússia. As informações foram reveladas pela CNN Brasil.
No Ministério da Justiça, o caso é examinado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), que recebeu, no início de dezembro, um comunicado do juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da 15ª Vara Federal, informando que não há mais pendências judiciais contra Cherkasov no Distrito Federal — o que anteriormente impedia sua extradição.
A avaliação administrativa segue em curso com pedidos de atualização enviados para órgãos como Polícia Federal, Justiça Federal de São Paulo, 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Ministério Público do Rio e Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A PF respondeu apenas em junho de 2025 ao pedido inicial do Ministério da Justiça, informando que não há inquéritos específicos contra o espião, mas que seu nome integra uma investigação maior sobre uma rede composta por dez agentes russos que teriam usado o Brasil como base por mais de uma década. Neste momento, caberá ao Ministério consolidar a análise jurídica para, então, encaminhar o parecer político ao Palácio do Planalto, onde Lula dará a palavra final sobre a extradição.
Sergey Cherkasov foi preso em 2022 por uso de documento falso, após se apresentar com a identidade brasileira de "Victor Muller". Desde então, cumpre pena na Penitenciária Federal em Brasília, onde também está detido o líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Desde sua prisão, o caso provocou uma disputa diplomática entre Rússia e Estados Unidos. O governo russo foi o primeiro a solicitar sua extradição, alegando que o agente é procurado por tráfico internacional. A PF, porém, avaliou os materiais enviados e não encontrou elementos suficientes para confirmar as acusações, considerando a possibilidade de uma manobra de Moscou para recuperar o espião.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos também buscaram sua extradição, munidos de informações fornecidas pela CIA, que apontam que Cherkasov teria ingressado em território norte-americano com nome falso e atuado em atividades de espionagem enquanto estudava em uma universidade local. A disputa entre as duas potências reforça o peso político da decisão que caberá a Lula. Segundo fontes ouvidas pela CNN Brasil, o desfecho tende a ser político: ainda que haja base jurídica para a extradição, a determinação final dependerá da avaliação do governo brasileiro sobre as implicações diplomáticas e estratégicas da escolha. Delegados da PF envolvidos na investigação da rede de espionagem afirmam, sob reserva, acreditar que “cedo ou tarde” o espião será entregue a algum dos países, o que, na avaliação de parte dos investigadores, pode encerrar — ou pelo menos fragilizar — a apuração em andamento.
A PF descobriu, ao longo de três anos, uma complexa "fábrica de espiões" russos com ramificações no Brasil e em outros países da América Latina, como Argentina e Venezuela. A investigação revelou que ao menos dez agentes atuaram no país, usando disfarces variados — de joalheiro em Brasília a estudante entusiasta de forró em São Paulo — para construir identidades verossímeis e circularem internacionalmente como brasileiros. Nove deles já deixaram o território nacional após serem identificados. Sergio Cherkasov, porém, permanece preso. Seu caso começou a avançar em 2022, quando ele foi detido ao tentar desembarcar em Amsterdã com passaporte brasileiro falso e, em seguida, deportado para o Brasil. Na época, tentou ingressar no Tribunal Penal Internacional, em Haia, com o objetivo, segundo a PF, de acessar informações internas e estratégicas relacionadas à Rússia.
Os investigadores identificaram transferências bancárias, mensagens, áudios e documentos que indicariam que Cherkasov recebia cerca de R$ 35 mil de agentes russos no Brasil para se sustentar enquanto mantinha sua identidade falsa. Também há registros de comunicações em que ele relata a superiores seu suposto ingresso no Tribunal Penal Internacional. A partir da prisão e do material apreendido, a PF mapeou conexões que indicariam o apoio de estruturas oficiais da Rússia, como o consulado no Rio de Janeiro e a embaixada em Brasília, a outros agentes envolvidos no esquema. Um dos investigados chegou a atuar como adido comercial antes de deixar o país.
Embora a investigação tenha revelado conexões internacionais e estratégias sofisticadas de infiltração, muitos dos envolvidos permanecem em paradeiro desconhecido devido ao uso de documentação falsa. Em um caso emblemático citado pela CNN Brasil, um casal russo, com filhos argentinos, foi descoberto na Eslovênia — país membro da OTAN — e, ao retornar a Moscou, foi recepcionado no aeroporto pelo próprio presidente Vladimir Putin com flores, evidenciando o prestígio e a relevância da atividade para o governo russo.
Agora, com a fase técnica próxima do fim, resta a etapa mais delicada: a decisão política. A extradição de Sergey Cherkasov tem potencial de afetar relações diplomáticas com Estados Unidos e Rússia e de influenciar as futuras cooperações em inteligência.



